Encontro Nacional

Encontro Nacional

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Controle

Ao longo do tempo o homem foi criando uma sensação cada vez maior de controle, onde ele consegue prever, planejar e dominar o que está ao seu redor. Uma das primeiras civilizações a lidar com o controle foi a civilização egípcia, estes controlaram as cheias do Rio Nilo e a partir disto construíram o Egito. Tempos depois vieram os gregos, estes também fizeram grandes proezas na área da engenharia, assim como os romanos. No entanto o destaque está para o período que conhecemos por Renascimento, momento em que o homem avança para a ciência. É a partir da ciência que o homem avança para uma época onde tem ele a sensação de pleno controle, acredita ser mestre do acaso.
Esta sensação de controle a partir da ciência fez com que o homem avançasse para questões como o conhecimento próprio e se fechasse terminantemente ao desconhecido. Tudo o que gira em torno do desconhecido foi legado à religião, misticismo ou pura ficção. Poder controlar o que está ao seu redor dá ao homem a impressão de que ele é imprescindível para que as coisas aconteçam. Agora o homem vê a si mesmo como necessário no mundo, percebe-se como responsável pela vida e pela morte. Avançando para o dia a dia, pode-se dizer que muitos pais de família tratam sua família como se ele fosse o centro e se nada acontecesse em sua ausência e sem sua anuência. No entanto a esposa que este homem tem a impressão de controlar pode abandonar o casamento, ir embora. O filho para quem planejou o futuro e controla todos os passos pode tornar-se usuário de um entorpecente qualquer e não ter o futuro planejado.
A ideia de controle nasce com o alvorecer do pensamento científico e anula a abertura do homem para a amplidão que está a sua volta. Um empreendedor quando cria sua empresa criou algo que, logo após criado, tem vida própria, tem suas necessidades que precisam ser atendidas. Quando um casal constrói uma casa, ela tem a grama que precisa ser aparada, o portão que enferruja, a lâmpada que queima, a torneira que pinga, a pintura que precisa de reparos. Uma vez criada, a casa pede começa ganha vida e exige alguns cuidados. Até onde se pode controlar o que a empresa ou a casa vai precisar? Por mais criterioso que seja o planejamento, não há como controlar tudo. A maior parte das coisas que está ao nosso redor não pediu permissão para estar viva e ainda assim vive.
Saber-se apenas uma pequena parte deste universo e pode abrir os olhos para o que está ao redor. Ao sair pela manhã e entender que filho, esposa, casa, empresa têm vidas próprias e que sabe-se apenas parte de cada um deles mostra que o universo é muitos mais do que o que cabe em nossa agenda. Meu mundo é apenas um dos mundos possíveis, e isto somente será percebido se houver abertura para conhecer outros mundos. Abrir mão do controle é justamente abrir-se para as possibilidades existentes em outros mundos. Ter as rédeas nem sempre significa conhecer o que se tem nas mãos, em muitos casos ao invés de guiar é preciso deixar-se guiar para chegar a algum lugar.


Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 29 de julho de 2014


Por que não dá certo?

Muitos casais amam um ao outro e vivem muito bem, detalhe, quando estão um longe do outro. Parece estranho e muitos podem dizer que não é amor se é assim, que quando amamos alguém devemos estar juntos, na presença da pessoa. Mas esquecemos que em muitas famílias a máxima ensinada é: “Só sabemos dar valor às coisas quando não temos!” E assim muitas crianças aprendem desde a mais tenra idade que tem valor o que não tem.
O detalhe é que atrelamos a não presença ao valor, mas o que seria o valor? Bom, não temos como precisar uma escala de valor, sendo que estamos falando de seres humanos e cada um cria sua própria. Desta maneira, quando disser valor, pense naquilo que para você tem valor, ou seja, lhe é importante. Poderia pegar tranquilamente autores da filosofia como Kant, Nietzsche, Pascal e tantos outros e dizer o que seria importante ao ser humano. Mas, fazendo desta maneira, estaria elaborando um modelo que teria validade universal, desprezando o ser de cada um.
Pensando em cada um podemos dizer que coisas de valor podem ser coisas históricas, para algumas pessoas o valor das coisas está na sua história, o que lhes traz de memórias. Para outras pessoas o valor está na quantidade de zeros acumuladas antes da vírgula, ou seja, para estas pessoas é o mundo quem dita o valor de cada coisa. Para outras pessoas o valor das coisas está relacionado aos seus objetivos de vida, se tem a ver com o que buscam tem valor, caso contrário podem ser dispensadas. Para algumas pessoas os valores estão ligados às suas emoções, ou seja, tem valor o que tem conexão emocional com ela. E assim será para cada um.
Agora que nos explicamos no que possa ser valor retomemos a questão do valor aliado a não presença, ou falta. Imagine então uma pessoa que aprendeu que só se dá valor ao que não tem, pior do que isso, ela fez dentro dela uma ligação entre o que ela ama e os valores. Para esta pessoa quanto maior for o amor mais ela dará valor a pessoa que ela ama, mas não enquanto estiverem juntas. Sendo assim, enquanto estiverem juntos, por maior que seja o amor que a pessoa tenha, ela não vai dar valor.
Muitos relacionamentos melhoram muito depois que tanto ele, quanto ela, aprendem que a pessoa amada pode não estar mais por perto. Muitos casais amam muito melhor se tirarem férias do relacionamento de vez em quando. Mas alguns podem não entender e tratar isso como falta de amor, fingimento, dissimulação, ou qualquer outro adjetivo. O entendimento de como cada pessoa esta estruturada ajuda muito mais do que seguir receitas.


Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Por onde andam as ideias?

Onde você está agora? Você já se fez esta pergunta? Não muito tempo atrás não era possível ao ser humano realizar grandes deslocamentos de um lugar para o outro, tudo era muito lento, comparado com a velocidade atual. Os homens montavam em seus cavalos e se dirigiam ao destino a uma velocidade de 40 km/h, ou seja, quase o dobro do que se poderia fazer a pé. Com o tempo veio à máquina a vapor e logo depois o automóvel, com a impressionante velocidade de 40 km/h, havia quem dizia que o corpo humano não suportaria velocidade maior.
Nos dias atuais, o ser humano pode se deslocar a velocidades incríveis, um carro de passeio anda normalmente a 80 km/h. Sendo assim, somos o dobro mais velozes do que nossos antepassados, mas há os que amam a velocidade e passam dos 200 km/h. Para além dos carros podemos falar dos trens bala, veículos sobre trilhos que chegam a mais de 200 km/h. Ainda mais rápidos são os aviões, muito utilizados para longas distâncias, esses objetos voadores podem chegam a impressionantes 900 km/h.
Os deslocamentos que coloquei acima são obrigatoriamente feitos pelo corpo, por isso quando pergunto “Onde você está agora?” a resposta pode ser bem simples. Basta dizer onde está agora e já podemos dizer que você se localizou. Mas se eu lhe perguntasse “Onde está seu pensamento? Onde estão suas idéias?”, você teria para estas questões as mesmas respostas para a pergunta “onde está seu corpo?” Para a surpresa de muita gente, as respostas são totalmente diferentes. Algumas pessoas conseguem sair de sua casa, ir até a praia e continuarem em casa.
Assim como o nosso corpo, nosso pensamento também se desloca nos levando aos mais diferentes ou comuns lugares. Por isso fiz a pergunta: “Onde você está agora?” Pois muitos dizem que vão para a praia, tirar férias um tempo para descansar a cabeça, mas continuam pensando as mesmas coisas em que pensavam todos os dias. Estão à beira mar, mas não sentem a brisa, não sentem a areia, não sentem a água e não convivem com o que ali está. Apenas o corpo está ali, sendo exposto ao ambiente, mas a cabeça deixa o corpo à deriva e se dirige para outras questões.
Estas pessoas normalmente voltam para casa e dizem para si e para outros: “Parece que nem tive férias, não consegui descansar”. Para estar em um lugar, se você gosta de estar lá e te faz bem, comece pelo corpo, sinta o que está ao seu redor. Se você está à beira mar, comece pela vista: o que você vê, mar, areia, ondas, pessoas, as cores de cada objeto observado. Depois pode seguir os sons que se apresentam aos seus ouvidos: os pássaros, o mar, pessoas falando, música tocando. Pode ainda sentir a pele ou passear pelos aromas. Naturalmente, direcionando a atenção para estas coisas. Vivenciando cada uma delas você terá a oportunidade de reduzir a velocidade do seu pensamento e trazê-los para onde você está.
Corpo e mente podem ter velocidades diferentes, para cada um a sintonia é diferente. Mas quando a mente está acelerada demais e o corpo está sempre correndo atrás, talvez seja hora de segurar.

Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 18 de julho de 2014

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Planejamento

Planejamento: uma das palavras que acompanha a vida de muitas pessoas. Algumas porque gostam de saber quais pedras irão pisar, outras estão atadas ao planejamento para conduzirem uma equipe. O planejamento é uma ferramenta para a construção do futuro, ou seja, ele faz com que a pessoa ou equipe saiba claramente aonde quer chegar e o que tem que fazer para chegar lá. Além ter consciência para aonde se quer chegar, no planejamento também estão previstas as práticas que serão adotadas para se chegar ao lugar onde se deseja. Assim, o planejamento é a junção das buscas com o comportamento e função, ou seja, o que devo fazer para chegar onde quero. E, na prática o que acontece é um roteirizar, uma vez que toda a equipe ou pessoa com intenção de planejar faz um caminho futuro.
Mas, para planejar o futuro é preciso conhecer o passado ou saber de onde veio. Não que o passado seja uma condição para se construir um futuro, mas o passado dá indícios de quais ferramentas podem ser utilizadas no futuro. Apenas para comparação, é como se uma pessoa formada em matemática tivesse como desejo ser juiz. Nada a impede de seguir em direção ao seu objetivo, mas as ferramentas que ela possui no presente não estão de acordo. O passado ou a história é um farol que aponta erros e acertos, o que já fiz e o que posso fazer. Uma análise dos dados históricos pode mostrar que muitos sonhos, planos e desejos que uma pessoa ou empresa têm não estão de acordo com a sua realidade. O futuro projetado deve contar com uma projeção de quem serei quando chegar lá, como serei visto e como verei o mundo. Formular objetivos, planejar e colocá-los em prática nem sempre quer dizer evolução, melhora.
A elaboração de um planejamento é a maneira que algumas pessoas e empresas encontraram para não se perderem pelo caminho. Esses precisam de orientações claras para não ficar atirando para todos os lados, seguindo qualquer caminho que aparecer. Como o dito no começo, a elaboração de um planejamento existe para a construção de um futuro. Mas algumas pessoas e empresas fazem do planejamento não uma estratégia, mas um fardo, uma dificuldade a ser superada. O próprio planejar significa, em muitos casos, vendar os olhos para as possibilidades existentes. A pessoa sente-se presa, não tem a liberdade para avançar em outras direções, pois o planejamento disse que tem que seguir tal caminho.
As metas, os objetivos podem existir, mas o entendimento de que são guias para a caminhada tornaria a caminhada mais leve. Se algumas pessoas entendessem que os planejamentos são maneiras pelas quais se cria a realidade e não a própria realidade, viveriam muito melhor. Fazer da vida um meio para cumprir metas, objetivos pode ser muito desgastante.

Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Pessoa certa, tempo errado!

Em Filosofia Clínica, antes de entrar na análise dos pormenores dos dados da historicidade da pessoa, o filósofo observa os Exames da Categorias. Esta etapa é aquela na qual o terapeuta observa na narrativa da pessoa como ela se localiza existencialmente no mundo em que se coloca. A localização existencial é dada pela pessoa mesmo, ou seja, não é o filósofo que interpreta estes dados a partir da história, e sim, percebe literalmente segundo o que é contado pela pessoa. As categorias que ele observa são: assunto imediato e último, circunstância, lugar, tempo e relação. Em cada uma destas categorias se observa como a pessoa está existencialmente em cada etapa de sua vida.
É interessante o estudo destas categorias porque algumas vezes o problema que deverá ser trabalhado nada tem a ver com os tópicos da Estrutura de Pensamento. Em vários casos o problema está na localização da pessoa, ou seja, onde ela se colocou existencialmente. Uma das categorias nas quais pode ocorrer problemas pode ser o tempo. Nesta categoria o filósofo se dedica, a saber, qual é a relação entre o tempo subjetivo e o tempo convencionado. Ele verá, segundo as vivências da pessoa, a duração dos eventos e o tempo verbal em que eles são vividos. O tempo subjetivo diz respeito ao rápido ou demorado que costumeiramente se diz. Como uma pessoa que afirma que nos dias em que as coisas vão bem ela sente como se o tempo passasse mais rápido, assim como o contrário. Só é possível que a pessoa diga que o tempo passou rápido se houver um parâmetro de comparação, e tal parâmetro é o tempo do relógio. Então, a relação entre o tempo convencionado do relógio e a sensação temporal da pessoa é que dão ao filósofo a possibilidade de dizer qual é a localização temporal das suas vivências.
Mesmo falando de um só tópico, apenas no parágrafo anterior encontram-se teorias de nada mais nada menos que Aristóteles e Kant. Não se trata de uma cópia de suas categorias, mas sim, uma adaptação dos conceitos desenvolvidos pelos dois para o trabalho terapêutico..O tempo, como já conceituado anteriormente, é a categoria que cuida da relação entre o tempo objetivo e subjetivo.
No consultório, dia destes, um partilhante dizia que já era tempo de encontrar alguém na vida que lhe fosse “completar”, em suas palavras: “Alma gêmea”. Depois de alguns meses de trabalho, a pessoa encontrou um par, segundo ela, perfeito. Conversa vai, conversa vem e o que parecia perfeito acabou se revelando um problemão, pois a pessoa perfeita era 20 (vinte) anos mais nova e isso tornava o relacionamento impossível. Não é que assim seja para o terapeuta ou para a sociedade, mas segundo os valores da pessoa era algum inimaginável, muito menos praticável. Veio então a expressão: “Pessoa certa no tempo errado”. Esta pessoa estava agora, depois de se constituir na vida, no tempo de aproveitar, de abrir as asas e voar, mas precisava de alguém com quem compartilhar este vôo. No entanto, da maneira que aconteceu, não seria a ela possível dar continuidade ao que poderia ser um relacionamento.
A temporalidade é diferente em cada pessoa, o tempo que cada um leva para ser “adulto” é diferente. Vários são os casos nos quais a pessoa é “obrigada” a amadurecer bem mais cedo e o tempo de suas vivências é alterado. Muitas vezes você cruzará com o seu par perfeito no tempo errado, mesmo sendo perfeito, ou é cedo demais ou é tarde demais. O ideal é estar aberto para as experiências, um amor pode vir cedo demais, mas pode vir uma vez só.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 8 de julho de 2014

Periódico Existencial

Uma discussão a respeito de mente e cérebro acabou levando a uma discussão sobre se as doenças realmente existem ou não. Eu, e talvez você, conhecemos pessoas que já tiveram um problema de saúde e que, após muitos exames, nada foi diagnosticado, pessoas que percorreram um longo caminho na medicina e nenhum causador orgânico foi encontrado. Esse é o caso do problema que envolve a mente e o cérebro.
O cérebro é considerado nosso principal órgão, onde fica o centro do sistema nervos. É um órgão extremamente complexo, que nas últimas décadas vem sendo largamente estudado e mapeado. Estes estudos têm vários objetivos, entre os quais entender o funcionamento do cérebro e, a partir disto, construir diversos mecanismos que facilitem a fabricação de remédios que possam ter o efeito desejado para as mais diversas doenças que o afetam. Há ainda o interesse em desvendar a forma como o cérebro funciona, mecanicamente, e talvez aplicar o seu sistema a um computador.
Mente é o estado da consciência ou subconsciência que possibilita a expressão da natureza humana, segundo o site Wikipédia. Mas, em diversas bibliografias, podem ser encontradas outras definições. Segundo a definição acima citada, a mente é um estado, ou seja, uma manifestação de algo, orgânico ou não. Quando digo que estou feliz, segundo minhas vivências, estou vivendo um estado de espírito, isto é uma vivência da mente. Desta maneira a interação entre a mente e o cérebro é o que faz um ser humano algo completo.
Essa problemática mente e cérebro lembra as doenças das quais não encontramos motivos aparentes, orgânicos. Muitos dos males que vivemos no corpo têm suas origens na existência que temos. Quando eu, você, sua esposa ou esposo, vivem sob pressão, como alguns dizem, “no fio da navalha”, como é que o corpo reage? Para muitos nada acontece, mas para alguns o corpo adoece, mesmo com dietas corretas, remédios corretos, a doença do corpo é apenas um sintoma de um mal existencial.
Muitos de nós estamos existencialmente doentes, o corpo apenas avisa, quando assim é possível. Mas, pela facilidade, falta de conhecimento, desleixo, comodismo, acabamos apelando para a medicação química como modo de solução. Um câncer que devora aos poucos nossa existência é tratado com Rivotril. Isso não parece certo, mas é dessa maneira que se procede com frequência.  Muitos casos chegam a procurar ajuda, mas vão depois que o mal já se espalhou tanto que só existe a possibilidade de remediar. Não há mais como voltar atrás e reajustar tudo o que ficou pelo caminho.
Olhando para a sua história, para o que vem fazendo no seu dia-a-dia, os remédios que anda tomando ou deveria tomar, estes podem ser os alertas de que é preciso mudar. Mudar não quer dizer deixar de ser quem somos, mas fazer o que sempre fizemos de maneira diferente, mais adequada a nós mesmos. Os males da existência podem ser identificados, assim como os males do corpo. Mas tanto um quanto o outro devem ser tratados.
É espantoso o quanto se fala de medicina preventiva para o corpo e o quanto não se fala de medicina preventiva para a mente. Todos fazemos exames médicos antes de assumir um emprego numa empresa, mas não fazemos exames existenciais para saber se estamos existencialmente prontos, preparados para este emprego. Nosso corpo pode estar preparado para uma maratona, mas nossa mente pode não estar e provavelmente sairemos perdedores. Deveríamos pensar mais na vida mental e também procurar um profissional para fazer um exame de rotina. A mente pode e em muitos casos é quem comanda a vida, se ela não estiver bem, provavelmente nossa vida não estará bem.
                                   
Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Pensar dialético

Inicio por lembrar que cada pessoa é um mundo, uma realidade completamente diferente de todas as outras. Isso faz com que cada um de nós seja diferente, desde nossa realidade física até a cognitiva. Digo isto apenas para salientar que, quando usar neste artigo a expressão “tipo de pessoa” estou me referindo a uma forma de se relacionar com a exterioridade que é o mundo. O mundo é tudo aquilo que é exterior a mim, ou seja, o sol, as nuvens, as árvores, etc. Além de tudo isso que existe e constitui o mundo de cada um há também pessoas, os outros.  Nós, no dia-a-dia nos relacionamos, inevitavelmene, com o mundo e com os outros.
Das várias formas de se relacionar vamos nos dedicar a uma em especial, a relação dialética. A dialética enquanto método ganhou conhecimento por Hegel, mas diz-se que o pai desta teoria pode ser Zenão de Eléia ou até mesmo Sócrates, o qual se popularizou entre os gregos por levar as pessoas à verdade. O pensamento dialético cresceu, se popularizou na filosofia e foi adotado por muitos filósofos como método científico, assim como foi condenado por muitos outros como não sendo nada científico. Enfim, científico ou não, interessa em que medida essa metodologia contribui para a Filosofia Clínica.
 A dialética enquanto método se realiza em três estágios: a tese, a antítese e a síntese. Na tese eu tenho aquilo que é como teoria, ou seja, tenho uma ideia já formada. Pense no conceito que você tem de você mesmo: essa ideia que você elaborou de você mesmo pode ser considerada uma tese. Num segundo momento vem uma ideia contrária a que você formou de si mesmo, essa ideia contrária é a antítese. Vamos dizer que você se considera uma pessoa bondosa e desprendida, essa é a sua tese, mas um amigo seu, muito sincero, diz que você não é bom e muito menos desprendido. Para ser mais sincero, este amigo diz que você é avarento. Agora, com a tese a respeito de você e a antítese dada por seu amigo também a respeito de você, irá surgir uma terceira e nova ideia: a síntese. A síntese é o resultado da união da tese com a antítese, não a simples negação de uma pela outra.
Pessoas que têm o pensamento dialético costumam ter uma ideia feita, pronta a respeito das coisas da vida. No entanto, no dia-a-dia, no convívio com as pessoas e com as coisas, elas podem tanto receber quanto perceber opiniões diferentes das que têm. Quando isto acontece, elas entram num processo de reflexão a respeito daquilo que sabiam com o que receberam, para então formular algo novo. Se o processo dialético foi feito por simples negação, pode acontecer o famoso oito ou oitenta, onde a pessoa aceita ou nega aquilo que veio de fora.
O processo dialético não precisa necessariamente de um agente externo, algumas pessoas fazem esse caminho sozinhas. Elas mesmas, pela maneira como se desenvolveram na vida, precisam da contradição como maneira de desenvolver o seu pensamento. Não é certo, nem errado, bom, nem mau, é apenas uma das formas de se pensar. Há tantas outras com eficácia igual ou maior e também menor do que esta.
Na relação com o outro, seja ele coisa ou pessoa, qualquer processo de conhecimento só acontece na medida em que eu recebo o outro. Alguns filósofos falaram em sair de si como processo de antítese, mas a antítese só acontecerá realmente se eu me abrir para o outro, é ele quem me trará o diferente, e não eu. Como em Heráclito, só me darei conta de que não me banho duas vezes no mesmo rio se eu deixar que o rio passe por mim e não eu por ele.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Partir...

É preciso cuidado ao considerar a Filosofia Clínica apenas como a filosofia acadêmica adaptada ao consultório. Ela é muito mais do que isso: acaba se constituindo como uma nova forma de olhar o mundo, ou seja, uma nova ferramenta de observação da realidade. Como ferramenta ela faz com que seus pesquisadores retomem estudos que há muito estavam parados e desenvolvam novas respostas. Uma das perguntas que é tão antiga quanto a filosofia é: “Para onde vamos depois?” Para alguns, a pergunta é ainda diferente: “Existe um depois?” A questão é interessante, mas o intrigante é o fato de que o ser humano não sabe o que acontece quando ele morre.
A medicina tem uma resposta fácil para o que ela se propõe, a resposta é muito boa. Segundo pesquisas, para a medicina morte é o término das funções vitais. Com base nessa definição é interessante pensar na sua vida, nas suas funções vitais, naquilo que faz de você um ser vivo. Como se diz no popular, trocando em miúdos, se pensar na sua vida, no seu dia de trabalho, convivência com a família, lazer, estudos, etc., o que é que faz você viver? Algumas pessoas vivem por causa das buscas que estabeleceram na vida, ou seja, elas vivem enquanto tiverem um objetivo, por exemplo: ficar rico.  Então, para essas pessoas, a busca de ficar rico é a sua função vital e quando esta parar de funcionar, se não houver nada a se colocar no lugar a pessoa pode morrer.
É claro que o sentido de morrer do texto é figurado, como alguém morreria vivo? É simples: pense em quantas pessoas das quais você conhece que estão vivas simplesmente porque se acostumaram a estar vivas? Elas acordam pela manhã, se encaminham para seu trabalho, conversam com a esposa e filhos no final do dia, dormem e no outro dia começa tudo de novo. Não é a repetição dos dias que mata, mas a perda da função vital. Algumas pessoas, as quais foram lembradas ontem por ocasião do dia de Finados, estão muito mais vivas do que muitos vivos, sua função vital continua pulsando. Talvez não no seu peito, mas em centenas de milhares.
Um ótimo exemplo são os filósofos. Quantos deles tinham como função vital questionar e mesmo depois de mortos continuam desafiando? Isto mostra que estes personagens, mesmo depois de muito tempo sem uma vivência corporal continuam vivos. Em Filosofia Clínica, o corpo é apenas uma das partes que compõem uma pessoa e por ele passam apenas alguns dos vários aspectos que formam cada ser humano. Ao seu lado, todos os dias existem pessoas para quem a vida já passou, eles já partiram, sua função vital já terminou. E não há nada de errado com isso, estas pessoas podem continuar vivendo por funções vitais de outras pessoas.
Da mesma forma que num hospital, quando as funções vitais começam a se debilitar o médico liga a pessoa aos aparelhos e mantém a pessoa viva, existencialmente também pode-se ligar a pessoa a dispositivos mecânicos que vão garantir sua sobrevivência, reorientar sua caminhada, ao menos enquanto o corpo tiver vida. Em outras palavras, se pode colocar na vida da pessoa coisas que a ajudam ter força vital. Um marido pode colocar na vida da esposa um filho, um empresário pode colocar em sua vida outra empresa, alguém que gosta de aprender pode colocar outro curso superior. Há várias maneiras de se continuar vivo, assim como há muitos modos de se morrer em vida.


Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 1 de julho de 2014

Partilha

Em Filosofia Clinica, uma das expressões que mais encantam é: “construção compartilhada”. No trabalho de consultório, no trabalho com professor, no trabalho com consultor, é interessante ver que algumas pessoas não saber construir de maneira conjunta. Não há nada de mais, é uma característica, são pessoas que ao longo da vida aprenderam a trabalhar sozinhas e não se sentem bem trabalhando em sistema de cooperação. Este tipo de pessoa em muitos lugares são chamadas de centralizadoras, e diz-se não ser adequado colocá-las em posição de comando. Essa recomendação fica ainda mais evidente se levarmos em conta a moda atual, que é a do líder servidor. Pessoas que não conseguem trabalhar em conjunto podem ser muito boas no que fazem e para o processo como um todo, mas a elas cabe apenas uma parte. Pessoas assim não têm nenhum problema, não têm que mudar, muitas vezes que tem que mudar é quem gerencia estas pessoas, pois precisa entender que alguns são muito melhores quando estão sós.
No caso de construção Compartilhada, ocorre o inverso, há diálogo com a partilha das informações. Num diálogo, duas pessoas têm a oportunidade de expor suas ideias e serem ouvidas. A construção compartilhada acontece a partir do momento em que um ouve o outro, mas também sabe sua hora de falar. Pessoas com habilidade para dialogar podem ser boas pessoas para liderar, comandar equipes, pois são pessoas que sabem falar, mas também sabem ouvir.
Numa empresa, numa família, o diálogo é a ferramenta que permite a existência de uma construção compartilhada. Imagine que você finalmente conseguiu sentar com aquela pessoa que desejava conversar, dizendo a ela tudo o que tinha para dizer, e, melhor do que isso, ela ouviu tudo e pausadamente respondeu respeitando o seu jeito de entender. Um diálogo como estes é realmente uma construção compartilhada, cada um dos dois lados soube ouvir e na hora de ponderar o fez com respeito ao que está ouvindo. Esse exemplo se dá em torno de um diálogo, mas pode acontecer nas mais diversas áreas da vida. Pense se você faz construção compartilhada com o seu corpo, por exemplo. Como seria isso?
Uma construção compartilhada com o corpo pode acontecer quando o meu organismo começa a me dizer com pressão alta que está na hora de ir ao cardiologista. Eu posso entendê-lo, levá-lo ao cardiologista, cuidar da alimentação e quando ele estiver bem novamente talvez ele me autorize a comer aquilo que tenho vontade. Minha construção compartilhada também pode se realizar com meus amigos do trabalho, minha família. A construção compartilhada acontece quando todos sabem ouvir e falar de maneira que o outro possa entender.
Na vida a solidão pode ser um caminho, mas a construção compartilhada pode abrir portas para relacionamentos fortes, duradouros. A relação de partilha é uma relação em que cada um é o ponto de referência para o outro. Numa empresa onde cada um é por si, onde não há construção compartilhada, as relações são de disputa, e, provavelmente o amanhã não existirá.

Rosemiro A. Sefstrom