Encontro Nacional

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quarta-feira, 2 de julho de 2014

Partir...

É preciso cuidado ao considerar a Filosofia Clínica apenas como a filosofia acadêmica adaptada ao consultório. Ela é muito mais do que isso: acaba se constituindo como uma nova forma de olhar o mundo, ou seja, uma nova ferramenta de observação da realidade. Como ferramenta ela faz com que seus pesquisadores retomem estudos que há muito estavam parados e desenvolvam novas respostas. Uma das perguntas que é tão antiga quanto a filosofia é: “Para onde vamos depois?” Para alguns, a pergunta é ainda diferente: “Existe um depois?” A questão é interessante, mas o intrigante é o fato de que o ser humano não sabe o que acontece quando ele morre.
A medicina tem uma resposta fácil para o que ela se propõe, a resposta é muito boa. Segundo pesquisas, para a medicina morte é o término das funções vitais. Com base nessa definição é interessante pensar na sua vida, nas suas funções vitais, naquilo que faz de você um ser vivo. Como se diz no popular, trocando em miúdos, se pensar na sua vida, no seu dia de trabalho, convivência com a família, lazer, estudos, etc., o que é que faz você viver? Algumas pessoas vivem por causa das buscas que estabeleceram na vida, ou seja, elas vivem enquanto tiverem um objetivo, por exemplo: ficar rico.  Então, para essas pessoas, a busca de ficar rico é a sua função vital e quando esta parar de funcionar, se não houver nada a se colocar no lugar a pessoa pode morrer.
É claro que o sentido de morrer do texto é figurado, como alguém morreria vivo? É simples: pense em quantas pessoas das quais você conhece que estão vivas simplesmente porque se acostumaram a estar vivas? Elas acordam pela manhã, se encaminham para seu trabalho, conversam com a esposa e filhos no final do dia, dormem e no outro dia começa tudo de novo. Não é a repetição dos dias que mata, mas a perda da função vital. Algumas pessoas, as quais foram lembradas ontem por ocasião do dia de Finados, estão muito mais vivas do que muitos vivos, sua função vital continua pulsando. Talvez não no seu peito, mas em centenas de milhares.
Um ótimo exemplo são os filósofos. Quantos deles tinham como função vital questionar e mesmo depois de mortos continuam desafiando? Isto mostra que estes personagens, mesmo depois de muito tempo sem uma vivência corporal continuam vivos. Em Filosofia Clínica, o corpo é apenas uma das partes que compõem uma pessoa e por ele passam apenas alguns dos vários aspectos que formam cada ser humano. Ao seu lado, todos os dias existem pessoas para quem a vida já passou, eles já partiram, sua função vital já terminou. E não há nada de errado com isso, estas pessoas podem continuar vivendo por funções vitais de outras pessoas.
Da mesma forma que num hospital, quando as funções vitais começam a se debilitar o médico liga a pessoa aos aparelhos e mantém a pessoa viva, existencialmente também pode-se ligar a pessoa a dispositivos mecânicos que vão garantir sua sobrevivência, reorientar sua caminhada, ao menos enquanto o corpo tiver vida. Em outras palavras, se pode colocar na vida da pessoa coisas que a ajudam ter força vital. Um marido pode colocar na vida da esposa um filho, um empresário pode colocar em sua vida outra empresa, alguém que gosta de aprender pode colocar outro curso superior. Há várias maneiras de se continuar vivo, assim como há muitos modos de se morrer em vida.


Rosemiro A. Sefstrom

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