Partir...
É preciso cuidado ao
considerar a Filosofia Clínica apenas como a filosofia acadêmica adaptada ao
consultório. Ela é muito mais do que isso: acaba se constituindo como uma nova
forma de olhar o mundo, ou seja, uma nova ferramenta de observação da
realidade. Como ferramenta ela faz com que seus pesquisadores retomem estudos
que há muito estavam parados e desenvolvam novas respostas. Uma das perguntas
que é tão antiga quanto a filosofia é: “Para onde vamos depois?” Para alguns, a
pergunta é ainda diferente: “Existe um depois?” A questão é interessante, mas o
intrigante é o fato de que o ser humano não sabe o que acontece quando ele
morre.
A medicina tem uma
resposta fácil para o que ela se propõe, a resposta é muito boa. Segundo
pesquisas, para a medicina morte é o término das funções vitais. Com base nessa
definição é interessante pensar na sua vida, nas suas funções vitais, naquilo
que faz de você um ser vivo. Como se diz no popular, trocando em miúdos, se
pensar na sua vida, no seu dia de trabalho, convivência com a família, lazer,
estudos, etc., o que é que faz você viver? Algumas pessoas vivem por causa das
buscas que estabeleceram na vida, ou seja, elas vivem enquanto tiverem um
objetivo, por exemplo: ficar rico. Então, para essas pessoas, a busca de ficar
rico é a sua função vital e quando esta parar de funcionar, se não houver nada
a se colocar no lugar a pessoa pode morrer.
É claro que o sentido
de morrer do texto é figurado, como alguém morreria vivo? É simples: pense em
quantas pessoas das quais você conhece que estão vivas simplesmente porque se
acostumaram a estar vivas? Elas acordam pela manhã, se encaminham para seu
trabalho, conversam com a esposa e filhos no final do dia, dormem e no outro
dia começa tudo de novo. Não é a repetição dos dias que mata, mas a perda da
função vital. Algumas pessoas, as quais foram lembradas ontem por ocasião do
dia de Finados, estão muito mais vivas do que muitos vivos, sua função vital
continua pulsando. Talvez não no seu peito, mas em centenas de milhares.
Um ótimo exemplo são os
filósofos. Quantos deles tinham como função vital questionar e mesmo depois de
mortos continuam desafiando? Isto mostra que estes personagens, mesmo depois de
muito tempo sem uma vivência corporal continuam vivos. Em Filosofia Clínica, o
corpo é apenas uma das partes que compõem uma pessoa e por ele passam apenas
alguns dos vários aspectos que formam cada ser humano. Ao seu lado, todos os
dias existem pessoas para quem a vida já passou, eles já partiram, sua função
vital já terminou. E não há nada de errado com isso, estas pessoas podem
continuar vivendo por funções vitais de outras pessoas.
Da mesma forma que num
hospital, quando as funções vitais começam a se debilitar o médico liga a
pessoa aos aparelhos e mantém a pessoa viva, existencialmente também pode-se
ligar a pessoa a dispositivos mecânicos que vão garantir sua sobrevivência,
reorientar sua caminhada, ao menos enquanto o corpo tiver vida. Em outras
palavras, se pode colocar na vida da pessoa coisas que a ajudam ter força vital.
Um marido pode colocar na vida da esposa um filho, um empresário pode colocar
em sua vida outra empresa, alguém que gosta de aprender pode colocar outro
curso superior. Há várias maneiras de se continuar vivo, assim como há muitos modos
de se morrer em vida.
Rosemiro A. Sefstrom
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