PLANEJAMENTO
CLÍNICO
Quem vamos atender? Quem será que
aparecerá em nossa porta solicitando atendimento? Não se sabe. Ainda assim há
toda uma preparação para esta pessoa que ainda não veio. Esta preparação começa
com o aluguel de uma sala ou a adequação de um cômodo da casa, pensando em
espaço, cor da tinta, acessibilidade, móveis e demais detalhes que compõem um
consultório. Há ainda os que não tem consultório, pois o consultório pode ser
um jardim público, uma praça, um café, a escolha deste local também é
preparação.
Além do espaço a pessoa que está por vir
desembolsará um valor financeiro pelo trabalho do filósofo, este também é um
fator que seleciona a pessoa que ainda não veio. Os que trabalham gratuitamente
atendem determinado público, os que cobram pelo atendimento recebem outro tipo
de público, os que cobram pouco (relativo) recebem um público, os que cobram
muito (relativo) recebem outro tipo de público. A preparação para o atendimento
está ainda atrelada à roupa, ao corte de cabelo, aos símbolos religiosos ou
lugares que o terapeuta frequenta.
A idéia da construção empírica do ser
terapeuta é bonita somente no papel, o dia-a-dia mostra que é necessário muito
prepara para que o resultado do processo terapêutico seja exitoso. O preparo
teórico, a saber, as leituras mínimas, o conhecimento da ferramenta que aplica,
um nível cultural adequado à região e ao público que atende. O planejamento
clínico começa muito antes do filósofo ser de fato clínico.
Quando o terapeuta recebe o partilhante em
seu consultório há um primeiro encontro, um primeiro contato, ali é apenas o
preparo anterior que dará a ele os subsídios para começar o trabalho. No
primeiro contato não havia nenhuma informação sobre a pessoa, mas agora ele já
é clínico de fato e precisa agir como tal. O uso de ferramentas filosófico
clínicas de acordo com estatuto do filósofo clínico diz:
Art. 26 - Em qualquer
tipo de terapia, seja individual, familiar, em grupo, consultoria empresarial,
deverão ser colhidos os Exames Categoriais, a Estrutura do Pensamento,
individual ou mediante amostra significativa do grupo, antes de qualquer
procedimento clínico terapêutico, salvo casos emergenciais. (Estatuto do
Filósofo Clínico)
Neste caso cabe então ao filósofo o
conhecimento das ferramentas que tem para não fazer de todo trabalho um
atendimento emergencial.
Depois do primeiro contato o filósofo
colhe o Assunto Imediato junto à pessoa e tem então o primeiro contato com um
mundo totalmente novo. Como diz Packter (Caderno A, p. 23) “A categoria Assunto
nos informa rapidamente a questão e o jogo comunicativo em curso”. No primeiro
contato o filósofo identificará o vocabulário da pessoa, suas composições
verbais, a forma como constrói o seu discurso. Esta etapa, entre outras
funções, tem a função de dar ao filósofo o horizonte linguístico com o qual irá
trabalhar. Mais uma vez vem o planejamento clínico, sendo que a depender da
linguagem utilizada pela pessoa será necessário ao filósofo buscar estes
elementos em livros especializados, sites na internet, enfim, preparar-se para
o próximo atendimento.
Preparado então a partir do Assunto
Imediato, das questões colocadas pelo seu partilhante o filósofo se prepara,
para a historicidade. De início, a coleta da Historicidade já pode se apresentar
como uma dificuldade, visto que a coleta dos dados nem sempre é como usualmente
se ensina. Algumas pessoas não têm oralidade para contar verbalmente os dados
de sua vida, então é necessário ao terapeuta, pelos dados até então coletados,
planejar a melhor maneira de conduzir a coleta da história de vida. Outra
demanda que pode surgir ainda no início do trabalho clínico é a ausência de uma
Historicidade pela própria pessoa; em casos como esses, o terapeuta pesquisará
por meio de quem ele chegará aos dados históricos.
Uma vez que já tenha a história, ainda
estarão faltando os passos de divisão e enraizamentos. Tanto um quanto o outro
momento da clínica são determinantes nas conclusões posteriores feitas pelo
próprio terapeuta na hora da compilação dos dados diagnósticos. Não saber onde
dividir pode fazer com que alguns discursos pareçam incompletos, visto que a
pessoa poderá narrar sobre si própria de maneira fracionada. Isso, na verdade,
está acontecendo porque o próprio filósofo conduziu dessa maneira ao colocar um
mesmo assunto em dois segmentos diferentes. E esse é apenas um dos desafios que
podem surgir ao se fazer mal a divisão dos dados.
Já o enraizamento é a ferramenta pela qual
o filósofo chegará ao conhecimento de dados por ele incompreendidos. O mau uso
dessa ferramenta pode acarretar sérios problemas, um dos quais é o fim da
clínica. Caso, ao longo da Historicidade, o filósofo não esteja atento aos
pontos de dor do partilhante, poderá enraizar-se sobre estes. Ao fazer isso,
algumas pessoas não aguentam o sofrimento e preferem ficar com a questão não
resolvida do que sofrer. Outro problema muito comum é o partilhante entender o
que vive como um ponto importante e dedicar ele mesmo mais atenção a esse
ponto. Muitos outros problemas podem surgir da falta de planejamento já nos
momentos iniciais da clínica filosófica.
Tomados os devidos cuidados desde os
momentos iniciais, o filósofo obtém um rico material que será compilado na
forma de Estrutura de Pensamento e Submodos Informais. Com esses dados em mãos,
é possível identificar o Assunto Último e como esse deve ser trabalhado.
No Assunto Último podem aparecer os
seguintes problemas:
- Choque entre tópicos;
- Choque entre categorias;
- Choque entre categorias e tópicos;
- Choque intratópico;
- Problemas autogênicos;
- Mau uso dos submodos;
- Falta de submodo adequado ao que
vivencia.
As questões acima aventadas são as mais
comuns. Até o momento, é possível perceber que o foco é a pessoa, ou seja, é a
partir da pessoa que o filósofo vai adaptar suas ferramentas para trabalhar com
as questões por ela trazidas. A ideia que se tem até o momento é que o trabalho
metodológico deve ser linear para que se tenha o efeito desejado, mas é
justamente o contrário. A Filosofia Clínica apresenta uma série de ferramentas
que devem ser usadas de acordo com a singularidade da pessoa. O método é a base
a partir da qual é possível identificar o início, o meio e o fim ou de onde se
parte e para onde se encaminha. Uma clínica subordinada ao método não é
filosófica, mas uma tentativa frustrada de enquadrar a pessoa desrespeitando
sua singularidade.
Essa singularidade em movimento pode se
tornar um problema caso três critérios básicos não sejam levados em conta ao
longo do atendimento:
1- O dado padrão ou normativo;
2- Sua relação com o Assunto Imediato ou
Último;
3- O que é atual.
Esses três critérios garantem que cada
dado utilizado pelo terapeuta como material clínico tenha um lastro histórico
que esteja de acordo com a questão atual. A falta de observância desses critérios
pode resultar que o filósofo esteja trabalhando conteúdos caducos ou com
ferramentas caducas.
O resultado mais comum disso é a falta de
efeito clínico, ou seja, o clínico trabalha com a pessoa e o resultado não
aparece. Em outros casos, já um pouco mais graves, o terapeuta pode estar
construindo um problema, uma questão que não existia passa a existir. A
atualização dos dados acontece cada vez que o partilhante chega ao consultório,
visto que em uma semana podem acontecer muitas coisas, assim como pode não
acontecer, do ponto de vista clínico.
Com o Assunto Último em mãos, os dados
atualizados e o conhecimento dos Submodos Informais, o filósofo pode compor o
remédio adequado à pessoa. Dito de maneira bem simples, o filósofo identifica o
que deve ser trabalhado ao longo da Historicidade, montagem da EP e verificação
dos Submodos Informais. A partir disso, escolhe os conteúdos e Submodos
adequados à questão e encaminha o trabalho. Ao longo do percurso, diversos
conteúdos e Submodos serão utilizados para compor os diferentes momentos da
clínica. Em cada momento as ferramentas são adaptadas, criadas e até mesmo
ensinadas ao partilhante.
Mais uma vez é importante ressaltar que o
remédio é criado de acordo com a necessidade da pessoa. Esse é um alerta de que
o trabalho filosófico clínico é subordinado à pessoa com quem o trabalho
acontece, nunca de acordo com o que deseja o clínico.
Bibliografia