Encontro Nacional

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quinta-feira, 11 de junho de 2015

PLANEJAMENTO CLÍNICO

Quem vamos atender? Quem será que aparecerá em nossa porta solicitando atendimento? Não se sabe. Ainda assim há toda uma preparação para esta pessoa que ainda não veio. Esta preparação começa com o aluguel de uma sala ou a adequação de um cômodo da casa, pensando em espaço, cor da tinta, acessibilidade, móveis e demais detalhes que compõem um consultório. Há ainda os que não tem consultório, pois o consultório pode ser um jardim público, uma praça, um café, a escolha deste local também é preparação.
Além do espaço a pessoa que está por vir desembolsará um valor financeiro pelo trabalho do filósofo, este também é um fator que seleciona a pessoa que ainda não veio. Os que trabalham gratuitamente atendem determinado público, os que cobram pelo atendimento recebem outro tipo de público, os que cobram pouco (relativo) recebem um público, os que cobram muito (relativo) recebem outro tipo de público. A preparação para o atendimento está ainda atrelada à roupa, ao corte de cabelo, aos símbolos religiosos ou lugares que o terapeuta frequenta.
A idéia da construção empírica do ser terapeuta é bonita somente no papel, o dia-a-dia mostra que é necessário muito prepara para que o resultado do processo terapêutico seja exitoso. O preparo teórico, a saber, as leituras mínimas, o conhecimento da ferramenta que aplica, um nível cultural adequado à região e ao público que atende. O planejamento clínico começa muito antes do filósofo ser de fato clínico.
Quando o terapeuta recebe o partilhante em seu consultório há um primeiro encontro, um primeiro contato, ali é apenas o preparo anterior que dará a ele os subsídios para começar o trabalho. No primeiro contato não havia nenhuma informação sobre a pessoa, mas agora ele já é clínico de fato e precisa agir como tal. O uso de ferramentas filosófico clínicas de acordo com estatuto do filósofo clínico diz:

Art. 26 - Em qualquer tipo de terapia, seja individual, familiar, em grupo, consultoria empresarial, deverão ser colhidos os Exames Categoriais, a Estrutura do Pensamento,  individual ou mediante amostra significativa do grupo, antes de qualquer procedimento clínico terapêutico, salvo casos emergenciais. (Estatuto do Filósofo Clínico) 

Neste caso cabe então ao filósofo o conhecimento das ferramentas que tem para não fazer de todo trabalho um atendimento emergencial.
Depois do primeiro contato o filósofo colhe o Assunto Imediato junto à pessoa e tem então o primeiro contato com um mundo totalmente novo. Como diz Packter (Caderno A, p. 23) “A categoria Assunto nos informa rapidamente a questão e o jogo comunicativo em curso”. No primeiro contato o filósofo identificará o vocabulário da pessoa, suas composições verbais, a forma como constrói o seu discurso. Esta etapa, entre outras funções, tem a função de dar ao filósofo o horizonte linguístico com o qual irá trabalhar. Mais uma vez vem o planejamento clínico, sendo que a depender da linguagem utilizada pela pessoa será necessário ao filósofo buscar estes elementos em livros especializados, sites na internet, enfim, preparar-se para o próximo atendimento.
Preparado então a partir do Assunto Imediato, das questões colocadas pelo seu partilhante o filósofo se prepara, para a historicidade. De início, a coleta da Historicidade já pode se apresentar como uma dificuldade, visto que a coleta dos dados nem sempre é como usualmente se ensina. Algumas pessoas não têm oralidade para contar verbalmente os dados de sua vida, então é necessário ao terapeuta, pelos dados até então coletados, planejar a melhor maneira de conduzir a coleta da história de vida. Outra demanda que pode surgir ainda no início do trabalho clínico é a ausência de uma Historicidade pela própria pessoa; em casos como esses, o terapeuta pesquisará por meio de quem ele chegará aos dados históricos.
Uma vez que já tenha a história, ainda estarão faltando os passos de divisão e enraizamentos. Tanto um quanto o outro momento da clínica são determinantes nas conclusões posteriores feitas pelo próprio terapeuta na hora da compilação dos dados diagnósticos. Não saber onde dividir pode fazer com que alguns discursos pareçam incompletos, visto que a pessoa poderá narrar sobre si própria de maneira fracionada. Isso, na verdade, está acontecendo porque o próprio filósofo conduziu dessa maneira ao colocar um mesmo assunto em dois segmentos diferentes. E esse é apenas um dos desafios que podem surgir ao se fazer mal a divisão dos dados.
Já o enraizamento é a ferramenta pela qual o filósofo chegará ao conhecimento de dados por ele incompreendidos. O mau uso dessa ferramenta pode acarretar sérios problemas, um dos quais é o fim da clínica. Caso, ao longo da Historicidade, o filósofo não esteja atento aos pontos de dor do partilhante, poderá enraizar-se sobre estes. Ao fazer isso, algumas pessoas não aguentam o sofrimento e preferem ficar com a questão não resolvida do que sofrer. Outro problema muito comum é o partilhante entender o que vive como um ponto importante e dedicar ele mesmo mais atenção a esse ponto. Muitos outros problemas podem surgir da falta de planejamento já nos momentos iniciais da clínica filosófica.
Tomados os devidos cuidados desde os momentos iniciais, o filósofo obtém um rico material que será compilado na forma de Estrutura de Pensamento e Submodos Informais. Com esses dados em mãos, é possível identificar o Assunto Último e como esse deve ser trabalhado.
No Assunto Último podem aparecer os seguintes problemas:
- Choque entre tópicos;
- Choque entre categorias;
- Choque entre categorias e tópicos;
- Choque intratópico;
- Problemas autogênicos;
- Mau uso dos submodos;
- Falta de submodo adequado ao que vivencia.
As questões acima aventadas são as mais comuns. Até o momento, é possível perceber que o foco é a pessoa, ou seja, é a partir da pessoa que o filósofo vai adaptar suas ferramentas para trabalhar com as questões por ela trazidas. A ideia que se tem até o momento é que o trabalho metodológico deve ser linear para que se tenha o efeito desejado, mas é justamente o contrário. A Filosofia Clínica apresenta uma série de ferramentas que devem ser usadas de acordo com a singularidade da pessoa. O método é a base a partir da qual é possível identificar o início, o meio e o fim ou de onde se parte e para onde se encaminha. Uma clínica subordinada ao método não é filosófica, mas uma tentativa frustrada de enquadrar a pessoa desrespeitando sua singularidade.
Essa singularidade em movimento pode se tornar um problema caso três critérios básicos não sejam levados em conta ao longo do atendimento:
1- O dado padrão ou normativo;
2- Sua relação com o Assunto Imediato ou Último;
3- O que é atual.
Esses três critérios garantem que cada dado utilizado pelo terapeuta como material clínico tenha um lastro histórico que esteja de acordo com a questão atual. A falta de observância desses critérios pode resultar que o filósofo esteja trabalhando conteúdos caducos ou com ferramentas caducas.
O resultado mais comum disso é a falta de efeito clínico, ou seja, o clínico trabalha com a pessoa e o resultado não aparece. Em outros casos, já um pouco mais graves, o terapeuta pode estar construindo um problema, uma questão que não existia passa a existir. A atualização dos dados acontece cada vez que o partilhante chega ao consultório, visto que em uma semana podem acontecer muitas coisas, assim como pode não acontecer, do ponto de vista clínico.
Com o Assunto Último em mãos, os dados atualizados e o conhecimento dos Submodos Informais, o filósofo pode compor o remédio adequado à pessoa. Dito de maneira bem simples, o filósofo identifica o que deve ser trabalhado ao longo da Historicidade, montagem da EP e verificação dos Submodos Informais. A partir disso, escolhe os conteúdos e Submodos adequados à questão e encaminha o trabalho. Ao longo do percurso, diversos conteúdos e Submodos serão utilizados para compor os diferentes momentos da clínica. Em cada momento as ferramentas são adaptadas, criadas e até mesmo ensinadas ao partilhante.
Mais uma vez é importante ressaltar que o remédio é criado de acordo com a necessidade da pessoa. Esse é um alerta de que o trabalho filosófico clínico é subordinado à pessoa com quem o trabalho acontece, nunca de acordo com o que deseja o clínico.

Bibliografia
______. Cadernos de Filosofia Clínica: Caderno A. Porto Alegre: [s.n.], [19--]. (Manuscritos não publicados).

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