5 paradoxos da lógica e da matemática
Por Luiza Lages
Um paradoxo é uma declaração que vai contra o senso comum, expectativas ou definições. Na filosofia e na lógica, por exemplo, os paradoxos são importantes argumentos críticos, e já foram responsáveis pela organização ou reorganização de fundamentos de várias áreas do conhecimento. Parece complexo, não? Mas a gente te explica com calma. De uma vastidão de problemas paradoxais da lógica e da matemática, trazemos cinco deles que já deram um nó na cabeça de muita gente. Dá uma olhada:
1. Paradoxo de Russell (e Paradoxo do Barbeiro)
Em 1901, enquanto trabalhava em seu livro Os princípios da Matemática, Bertrand Russell descobriu um paradoxo que expunha uma falha nos fundamentos da Teoria dos Conjuntos, de Georg Cantor – o que abalou o mundo da matemática e levou cientistas a repensarem a lógica moderna. Segundo a teoria de Cantor, um conjunto pode conter outros conjuntos, inclusive a si mesmo. Por exemplo, o conjunto das ideias é uma ideia. Mas isso não é verdade para todos os conjuntos, já que existem alguns que não podem conter a si mesmos. É o caso do conjunto de todos os números, que não é um número, ou do conjunto de todas as frutas, que não é uma fruta.
Aí Russell resolveu complicar a história. O matemático pegou esse conjunto dos conjuntos que não contém a si mesmos (aquele que inclui o conjunto de todos os números e o de todas as frutas) e perguntou: “Esse conjunto pertence a si mesmo?”. Existem duas repostas possíveis: sim, ele pertence a si mesmo, ou não, não pertence a si mesmo. Se a resposta é que ele pertence a si mesmo, ele é um conjunto que não pertence a si mesmo (porque essa é a característica que define os participantes desse conjunto específico). E se a resposta for que ele não pertence a si mesmo, então ele é um conjunto que pertence a si mesmo. Tá aí o paradoxo de Russell: a resposta afirmativa leva a negação, e vice-versa.
Mas esse paradoxo não fica restrito à matemática, e pode ser entendido também no contexto da autorreferência, que é quando uma afirmação faz referência a si mesma. Ele também é conhecido como o Paradoxo do Barbeiro, contado pelo próprio autor para melhor explicar suas ideias: em uma cidade com uma lei rígida quanto ao uso da barba, a regra é que todo homem adulto é obrigado a se barbear diariamente, mas não precisa fazer a própria barba. Existe um barbeiro na cidade para esses casos, para o qual a lei diz que “o barbeiro deverá fazer a barba daqueles que optarem por não fazer a própria barba”. Dessa afirmação, surge o paradoxo, já que como resultado o barbeiro não pode se barbear. Por ser o barbeiro, fazer a própria barba significaria ser barbeado pelo homem que faz a barba só daqueles que optaram por não fazer a própria barba. E ele não pode ir ao barbeiro, pois isso significaria fazer a própria barba, o que não é a função do barbeiro.
2. Paradoxo do Mentiroso
Ainda no terreno da autorreferência, há um paradoxo que existe nas mais variadas formas desde os filósofos da Grécia Antiga. Ebulides de Mileto, no século 4 a.C., perguntou: “Um homem diz que está mentindo. O que ele diz é verdade ou mentira?”. Mais uma vez, encontramos uma afirmativa que leva à negação e uma negação que leva à afirmativa. Se o homem estiver mentindo, então ele está falando a verdade. Se o homem estiver falando a verdade, então ele está mentindo. O problema revelado aqui é da ordem do senso comum: o que entendemos por verdade e mentira nos leva a contradições.
O Paradoxo do Mentiroso já foi registrado assumindo diferentes formas, contando diferentes histórias, em diversos tempos e culturas. Uma das mais populares é o Paradoxo do Pinóquio. O personagem da literatura infantil, criado por Carlo Collodi, afirma: “O meu nariz vai crescer”. Quem conhece a história sabe que o nariz do boneco de madeira cresce a cada vez que ele conta uma mentira. Bem, se o nariz do boneco crescer, então a afirmação era verdadeira e nada deveria ter acontecido. Se o nariz não crescer, então a afirmação era uma mentira e o nariz deveria ter crescido.
A partir de uma afirmação derivada da proferida por Ebulides em sua forma mais simples (“Esta afirmação é falsa”), Kurt Gödel demonstrou o Teorema da Incompletude, na lógica moderna. Em linguagem aritmética, o matemático disse que “esta afirmação é indemonstrável”. Se um axioma (princípio matemático que não precisa de demonstração) desenvolvido tendo como base essa estrutura é falso, então ele é falso e demonstrável, o que é incoerente. Se o axioma é verdadeiro, então ele é verdadeiro e indemonstrável, e, portanto, incompleto. Assim, qualquer teoria na qual seja possível formular uma afirmação como essa é necessariamente incompleta.
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3. O problema de Monty Hall
No final dos anos 80, o humorista Sérgio Mallandro apresentava o programa infantil Oradukapeta, no SBT. O quadro mais popular do programa era a “Porta dos desesperados”, em que crianças da plateia escolhiam uma entre três portas. Atrás de uma delas havia prêmios, e das outras duas, monstros fantasiados. Agora vamos lá, suponha que você é um participante e escolheu a porta 1. Outro participante escolhe a porta 2 e a abre primeiro, revelando um monstro. Quando o apresentador pergunta se você deseja trocar a porta selecionada, qual seria a melhor decisão?
Muitas pessoas diriam que a chance de encontrar um prêmio é agora de uma chance em duas, e que tanto faz qual for a decisão final. Mas em 1975, nos Estados Unidos, a escritora Marilyn vos Savant disse em sua coluna na revista Parade que, em uma situação similar, o participante deveria optar por trocar de portas. Segundo ela, a troca levaria a uma probabilidade de 2/3 de ganhar o prêmio, enquanto a chance de levar a melhor ao permanecer com a escolha inicial seria de apenas 1/3.
Isso acontece porque, ao escolher uma porta, a chance de acerto é inicialmente de 1/3. Já tendo sido revelada uma porta falsa, caso a troca seja efetuada, deve-se somar ao 1/3 de chance da porta restante, o 1/3 de probabilidade que era conferido à porta revelada, chegando então a duas em três chances de acertar.
Muitos leitores, entre eles especialistas, não foram convencidos pelas explicações da colunista, e escreveram à revista alegando que a proposta deveria estar errada. Com a polêmica, foram conduzidas simulações e provas matemáticas foram desenvolvidas para mostrar que, apesar de fugir ao senso comum, vos Savant estava certa.
O problema de Monty Hall ganhou o nome do apresentador do programa de TV Let’s Make a Deal, que funcionava com uma dinâmica bem próxima à da Porta dos Desesperados, de Sérgio Mallandro. É um paradoxo classificado como verídico pelo sistema do filósofo e lógico Willard Van Orman Quine, já que apresenta resultados tão pouco intuitivos que parecem absurdos, mas que são demonstrados como verdadeiros.
4. Aquiles e a tartaruga
O que aconteceria se uma tartaruga apostasse corrida com um atleta? A resposta parece fácil, mas o filósofo pré-socrático Zeno de Eleia complicou as coisas com um de seus paradoxos do movimento. A história contada para explicar o problema proposto pelo pensador é a seguinte: Aquiles e uma tartaruga decidem apostar uma corrida e, como a velocidade de deslocamento do herói da mitologia grega é muito maior que a do pequeno réptil, ele dá uma vantagem para a tartaruga, que começa a prova à frente.
Quando Aquiles alcança o ponto A, de onde saiu a tartaruga, ela já está à frente, no ponto B. E quando ele chega ao ponto B, a tartaruga já se encontra no ponto C. Ao Aquiles alcançar o ponto C, ela já está em D, e assim sucessivamente. Dessa forma, o guerreiro nunca conseguiria ultrapassar a tartaruga. Matematicamente, seria como pensar em um limite: o limite da expressão teria o espaço entre os dois corredores tendendo a zero – e isso significa dizer que a expressão se aproximaria cada vez mais do número 0, sem nunca alcançá-lo.
Um dos problemas é que Zeno desconsiderou a variável do tempo. O paradoxo supõe que a soma de infinitos intervalos de tempo é infinita, mas a soma dos infinitos intervalos de tempo que Aquiles gasta para se aproximar da tartaruga, na verdade, converge para um valor finito. Então o herói só não conseguiria alcançar a tartaruga em um intervalo de tempo específico. Apesar das incoerências, o paradoxo foi importante para pensarmos os infinitos, a noção de referencial e movimento.
5. Paradoxo do enforcamento inesperado
Um juiz decreta a sentença de um homem condenado, e conta para o prisioneiro que ele vai ser enforcado na próxima semana, entre segunda e sexta-feira, em um dia inesperado, ao meio-dia. O homem entende a sentença de tal forma que fica aliviado, certo de que não vai ser executado.
O raciocínio dele é o seguinte: quando chegar a quinta a noite e ainda não houver ocorrido a execução, ele irá saber que esta não pode mais acontecer na sexta, já que isso seria esperado, o que contradiz a sentença – que deixou claro que ele seria enforcado em um dia inesperado. Então, se chegada a quarta-feira e a execução não houver acontecido, a mesma não poderá ser na quinta, pelo mesmo motivo apresentado antes. E assim por diante, não poderá ocorrer na quarta, na terça e nem na segunda. Mas na quarta-feira o prisioneiro é enforcado, uma vez que a lógica desenvolvida por ele tornou a sua execução inesperada.
Os lógicos entendem que o problema do paradoxo está em sua natureza de autorreferência e na sentença contraditória do juiz que, ao estipular um tempo determinado (meio-dia) e contado (uma semana) para o enforcamento, não poderia também falar em inesperado. Para a epistemologia, o paradoxo pode também ser um problema associado ao conhecimento – o que sabemos e o que esperamos entra em jogo.
Bônus: Paradoxo do avô
Um viajante no tempo volta ao passado para um momento em que seus avós ainda não se conheciam, mata seu avô e, como consequência, impede o próprio nascimento. O problema é que, sem ter nascido, o viajante não pode voltar no tempo para matar seu avô, o que significa que ele nasceu.
Nem da lógica e nem da matemática, essa é a descrição do Paradoxo do avô, que foi proposto pela primeira vez pelo escritor de ficção científica René Barjavel, em sua obra Le Voyageur imprudent, de 1943. O autor provou que qualquer um pode desenvolver um paradoxo, e que um paradoxo é um olhar crítico sobre como se vê e como se organiza o mundo.
A natureza contraditória do Paradoxo do avô, que mostra a impossibilidade dos eventos ocorrerem como descritos, está associada a uma visão de como é a ligação entre passado e futuro. Em diferentes cenários, com diferentes perspectivas sobre a estrutura temporal, o paradoxo não faria sentido. Por exemplo, a partir da noção de que o passado é imutável, seria impossível matar o avô. Também podemos pensar que a viagem no tempo cria ou se associa a uma linha do tempo alternativa, em um universo paralelo, em que, ao matar o avô, aquele que seria o viajante não chega a nascer.
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