Camuflagem
“Não sou eu!” Esta é uma
expressão que ouvi algumas vezes ao longo dos anos no consultório. As situações
são variadas, mas em todas elas o que acontece é que a pessoa não se identifica
nos comportamentos que tem. Uma destas pessoas dizia que não se reconhecia como
fumante, no entanto fumava regularmente e em boa quantidade. Outra dizia não
ver-se na pessoa dura e fria que era enquanto gerente do setor onde trabalhava,
chegava a espantar-se consigo mesma. Em outro caso a pessoa dizia não se reconhecer
no que os outros diziam dela, enquanto os outros ao seu redor falavam de uma
mulher forte, com garra, objetivos, ao contrário, ela se via fraca, pouco
persistente e sem objetivos. Em muitos casos esta falta de identificação da
pessoa consigo mesma ocorre porque ao longo da vida ela criou uma camuflagem,
aprendeu a ser o que se esperava dela.
Este fenômeno pode
acontecer por muitos motivos. Por exemplo, a primeira pessoa que fumava e não
se reconhecia fumante começou a fumar por participar de um grupo que fumava.
Assim, o comportamento de fumar foi adquirido via interseção, ou seja, a
depender da pessoa com as quais teve interseção tendeu a se adaptar. Já a
segunda pessoa, a gerente, não se reconhece em outro papel existencial, este é
um caso de como algumas pessoas criam papeis com os quais não se identificam. Nesta
mesma linha podemos citar uma mulher que engravida, mas não consegue se colocar
no papel de mãe, não se reconhece como mãe. Já a última pessoa não conseguia se
reconhecer nas referências externas, isso pode acontecer quando a pessoa
utiliza o espelho errado, o reflexo vem distorcido e não tem crédito.
Diferente destes, alguns
criam a si mesmos de outras formas, criam camuflagens para ganhar distância das
outras pessoas ou situações. Numa organização alguns se tornam especialistas em
camuflagem, sabem exatamente onde estar para não aparecer ou ser visto como
querem ser vistos. Assim pode ser o gerente que lidera sua equipe de forma
inadequada, não atinge os objetivos, mas é bem visto pelas avaliações de clima.
A boa interseção, amizade, que tem com as pessoas com quem trabalha garante que
tenha boas avaliações, e é isso que lhe garante permanecer onde está.
Camuflar-se é colocar uma
vestimenta que diga algo sobre você que não é verdade, mas que cumpre certa
função. Ao gestor cabe, a partir do que conhece de cada colaborador, saber se as
pessoas com quem trabalha são elas mesmas ou estão camufladas. Uma organização
onde pessoas camufladas trabalham é um ambiente perigoso, você não sabe com
quem está lidando. O gestor bonzinho, aquele que agrada seus colaboradores, que
se coloca a disposição para ouvir seus problemas pode ser aquele que repassa
todas as informações e causa sua demissão. A camuflagem de servidor dá a ele a
oportunidade de acertar o ponto fraco da pessoa, infelizmente isso existe.
Alguns camuflam-se por
tanto tempo que acabam por confundir-se com a própria camuflagem. Quando isso
acontece, a pessoa pode começar a perder a própria identidade frente ao
personagem que usa como camuflagem para seus propósitos. Como ilustração, trago
a frase emblemática de William Shakespeare "Ser
ou não ser, eis a questão" (no original em inglês: To
be or not to be, that is the question) a qual vem da peça A tragédia de Hamlet,
príncipe da Dinamarca. Alguns, depois de se camuflarem como ovelha
por muito tempo, não sabem mais ser lobo e outros, depois de serem lobos, não
conseguem mais ser ovelha. A recomendação é ter cuidado. Camuflar-se, optar por
deixar de ser você mesmo em prol de algo pode não ter volta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário