Adulto
Algumas pessoas deitaram-se
aos dezessete anos e acordaram aos quarenta, cinquenta anos, olharam para si
mesmas e não se reconheceram. Olham o espelho e não conseguem se identificar na
mulher ou homem que se tornaram, olham a casa, os filhos e as responsabilidades
e se entendem estranhas em meio a tudo isso. Olham para os filhos, sabem que
são seus filhos, mas sentem-se incapazes de serem pais ou mães. Chegam ao
trabalho, sobre a mesa repousa um crachá onde se lê “gerente”, mas não entendem
como chegaram até a gerência! O estranhamento consigo mesmo se deu após uma
visita na casa dos pais em que a mãe, uma senhorinha muito simpática anunciou à
filha, já com seus quarenta e cinto anos: “Minha filha, quem diria que um dia
você seria essa mulher forte, corajosa, mãe de dois filhos, gerente de uma
empresa. Enfim, uma mulher adulta”.
Não foi intencional, mas
a mãe colocou a filha diante do espelho, algo que até então ela não tinha
feito. O interessante é que ao se ver, ela não se reconheceu como uma mulher
com quarenta e cinco anos, mãe de dois filhos e gerente de uma empresa. O que
ela vê dela mesma é aquela menina que terminou o ensino médio, a menina que
recém começou o namoro, que queria ser advogada. O que aconteceu para que, ao
ser colocada diante de si mesmo tivesse este estranhamento? Como que desde os
dezessete até os quarenta e cinco anos não houve esse estranhamento? Ocorre que ao longo desses vinte e oito anos
a menina apenas seguiu o curso das coisas. Pouco tempo depois de arrumar o
namorado acabou por engravidar e o sonho de ser advogada foi abortado em
detrimento ao filho que nasceu. Seu namoro com o que parecia ser o amor de sua
vida durou o suficiente para ter mais um filho, exatamente dez anos.
Essa mulher de quarenta e
cinco anos agora tem uma crise de identidade e idade, primeiro, porque ela não
tem a idade que tem e depois porque não é quem a mãe descreveu. Diante desta
crise vem parar na terapia, porque alguns dias depois de se reconhecer como uma
menina de dezessete anos em um corpo de quarenta e cinco a mãe de dois filhos
começa a se comportar como uma adolescente. Natural, o que ela reconhece dela
mesma tem dezessete anos, mais nova que sua filha mais nova que tem dezoito. A
filha estranha as novas roupas da mãe, principalmente o comportamento sexual da
mãe, que agora namora um rapaz muito mais jovem, fez uma tatuagem de borboleta
e agora fala gírias. Na vida profissional a situação fica interessante, ela
volta a estudar, vai fazer direito, nada de estranho, vai retomar de onde parou.
Mas e a vida adulta que ela tinha até dias atrás?
A grande dificuldade para
esta mulher pode ser entrar num consenso entre a idade que ela voltou a ter,
dezessete, e a idade que realmente tem, quarenta e cinco. Em Filosofia Clínica o
que se faz para que esta pessoa consiga equacionar todos os elementos que
entraram em movimento com os que já estavam em movimento chama-se atualização.
A mãe de dois filhos pode buscar elementos da juventude dela que ela pode viver
hoje, adaptando-os à realidade atual. Esta adaptação se faz necessária para que
os elementos de sua adolescência possam compor com os elementos de sua vida
adulta. A partir da história de vida desta mulher, o filósofo buscará os
elementos da juventude e junto com ela irá adaptá-los a sua vida adulta. A questão
não é deixar de viver aos quarenta coisas da juventude, mas de viver a
juventude do jeito que é possível aos quarenta. Algumas pessoas não se tornam
adultas, mas acordam um dia adultas e precisam equacionar o jovem que tem
dentro de si com o adulto que precisam ser.
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