“Torna-te o que
és”
Ao trabalhar o tema
“identidade” com meus alunos do ensino fundamental, deparei-me, no material
didático, com a citação de Maria Helena Pires Martins, a qual afirma que o ser
humano é o único ser que precisa aprender a ser humano.
De acordo com a autora,
o ser humano é o único ser que vem ao mundo indeterminado e precisa determinar
a si próprio. Ainda sobre a identidade há um aspecto interessante a se
trabalhar, ou seja, quem você pensa que é e quem você é na realidade. Dois
filósofos usaram uma frase interessante mostrando, desde muito tempo, o
entendimento de que o ser humano é movimento e que falar em natureza humana é
um erro. Píndaro, filósofo do século V a.C. e Nietzsche século XIX disseram:
“Torna-te o que és”. Esta pequena frase reflete uma realidade muitas vezes
constatada em consultório, de pessoas que passaram sua história acreditando ser
pessoas que não são. E algumas vezes são tão diferentes que se tornam
irreconhecíveis a si mesmas dependendo do espelho que usam para se ver.
O que você acha de você
mesmo é uma ideia, uma abstração que se forma ao longo de sua história de vida.
Essa ideia dependerá de muitos fatores, como o tempo histórico, lugar, as
circunstâncias, relações e tantos outros fatores. O ser de cada um enquanto ideia
é considerado em si mesmo como verdadeiro, uma vez que é apenas uma ideia, ou
um conceito a respeito de si mesmo. Neste conceito estão contidos o que penso,
sinto, intuo, elaboro a respeito de quem fui, sou ou serei. Este conceito é
singular, uma vez que é ou está somente comigo, não há como ser compartilhado
de forma prática por ser apenas uma ideia.
O que acontece é que
muitas vezes a ideia de quem você é não coincide com a ideia que os outros têm
de você. Assim, enquanto abstração, os concieitos que você tem de você mesmo
não tem impactos sociais, mas quando a prática diária acontece e entra em
contato com os outros, aí sim, os outros estão formando uma ideia de quem você
é. Sensorialmente, ou seja, sua presença física e prática com os outros é que dá
a estes a oportunidade de saber quem você é. E isso se dará não pelo discurso,
mas pela prática e é neste momento que podem começar os problemas, angustias,
chateações. Pois, na sua ideia você é uma pessoa e na prática outra, como isso
acontece?
Isso acontece porque
muitas vezes as abstrações, ou seja, tudo aquilo que tem em suas ideias vai
para a realidade de forma diferente. Um bom exemplo destes casos é a vez em que
se apaixonou por aquela menina da escola, pensou centenas de vezes no que ia
dizer para ela e quando tentou fazê-lo na prática ...
É bem claro que o
pensamento tem um rompimento com a prática, algumas pessoas percebem e tentam
trabalhar esta questão, mas muitas pessoas não veem que suas ideias não
coincidem com sua prática.
Essa não coincidência é
chamada em Filosofia Clínica de equivocidade, o termo equícoco é todo termo que
tem mais de uma interpretação ou não é compreendido. Quando o que a pessoa acha
dela mesma é diferente do que ela é, pode ser o caso de a pessoa ter uma
equivocidade ligada ao que ela acha de si mesma. Você pode se achar burro,
feio, fraco, pobre, solitário e isso não ser verdade, outras pessoas ao seu
redor acusarem isso e mesmo assim não mudar a sua opinião.
“Torna-te o que és” é o
anúncio de Píndaro e Nietzsche de que em muitas vezes o que proclamamos a
respeito de nós mesmos está muito longe do que somos, tanto para o bem quanto
para o mal. Assim como isso é muito importante para algumas pessoas, motivo de
terapia inclusive, para outras é algo insignificante.
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