Encontro Nacional

Encontro Nacional

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O que não temos

Há um tempo atrás escrevi algo sobre Papéis Existenciais, ou seja, o rótulo que nos damos. Este papéis ou rótulos são como um casaco, um uniforme que vestimos em cada uma das nossas atividades da vida. Quando estamos em casa somos pais, maridos, irmãos; no trabalho, somos colaborador, gerente, diretor, dono, e assim por diante. Para algumas pessoas esses uniformes mudam conforme a pessoa muda de acordo com as circunstâncias. Um exemplo, apenas para ilustrar é o caso de uma pessoa que frente a uma platéia fala, graceja, tem uma desenvoltura de dar inveja, ele é palestrante. Quando desce do palco e assume o papel existencial de namorado tem grandes dificuldades para dizer o que sente para sua namorada. Algumas pessoas mudam tanto que quando assumem um determinado Papel Existencial não reconhecem a si mesmas.
Cada vez que falo nestes rótulos lembro-me de um antigo desenho da década de 1950 da Walt Disney, no qual Pateta vive um motorista e a Motor Mania. No início do desenho o narrador faz a descrição de uma das melhores pessoas que se pode conhecer na vida, o senhor Walker. A expressão usada para definir este senhor é: “Viva e deixe viver”. No entanto, quando ele pega no volante ele muda tanto que sua personalidade muda completamente, ele se torna o motorista. Do momento em que se torna motorista até o momento em que desce se torna um homem furioso, mal educado, violento. Ao descer do carro, novamente retorna ao personagem calmo, educado, uma pessoa de índole invejável. É uma história simples, mas de uma profundidade impressionante, lembrando o quanto algumas pessoas se transformam ao se revestirem de outro papel existencial. Como o pai, aquele homem rude, bruto, quase violento quando educou seus filhos, e que hoje é um homem calmo, doce, quase bobo, no papel de avô.
Há um tempo atrás, em reflexões durante nossos encontros de Filosofia Clínica Packter dizia: “Existe coisa mais injusta do que cobrar algo que o outro não tem para lhe dar?” Algumas pessoas, para não dizer a maior parte das pessoas assume pela vida diversos papéis existenciais e em alguns se torna muito boa, em outros nem tanto. Como aquela menina, que é uma ótima filha, ótima neta, uma namorada perfeita, como profissional, irrepreensível, mas uma péssima mãe. Em cada um dos rótulos que ela assumiu aprendeu a fazer ou não determinadas coisas para cumprir a caminhada daquele papel existencial. Alguns filhos nunca perceberam a perfeição de sua mãe nas mais diversas áreas, mas cobraram e muito o que ela não tinha para dar, o ser mãe.
Em alguns filhos, existe a mágoa  por não se sentirem amados pelo pai, pois, segundo eles seu pai nunca os amou. Talvez até tenham razão. Mas quantos destes pais, depois de adultos mostram que podem não ser pais, nunca assumiram este uniforme, mas são e serão ótimos amigos dos filhos. Dão aos filhos todo o amor que não tinham para dar como pai através da amizade. Nas ideias é bastante simples de dizer e até mesmo de entender, mas na prática esta facilidade desaparece. É interessante entender que serei um bom amigo, filho, neto, marido, mas talvez não seja um bom pai. Não por falta de querer, esforço ou dedicação, mas porque não tinha na minha estrutura o necessário para ser pai.

Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Murphy, o administrador

Faz algum tempo que observo pessoas falando de grandes oportunidades, negócios altamente rentáveis, chances de se ganhar muito dinheiro. No entanto, as mesmas pessoas que falam dessas oportunidades são as mesmas que nada fazem para aproveitar essa grande chance. Algumas dessas pessoas são povoadas de pré-juízos, ideias prontas, verdades sem comprovação e muitas delas são administradores.
Quando se fala em pré-juízo é quase impossível não pensar em Murphy, as leis de Murphy. Essas leis foram inventadas por um militar da força aérea estadunidense quando desenvolviam um equipamento de medição. O aparelho por ele criado foi instalado por um técnico e ao utilizá-lo houve uma pane. Murphy foi chamado para consertar o equipamento quando percebeu que a instalação estava toda errada, assim formulou a frase: “Se alguma coisa tem a mais remota chance de dar errado, certamente dará”.
Um administrador Murphy começa por pensar: “Nada e tão fácil quanto parece”. Ele observa as circunstâncias com desconfiança, faz muitos cálculos, pensa sobre o assunto e chega a uma conclusão, pois: “Conclusão é o ponto onde você ficou cansado de pensar”. Este mais novo administrador tomou uma decisão, ele vai encaminhar as questões que precisa resolver e pensa: “Toda vez que você decide fazer algo, tem sempre outra coisa para ser feita antes”. Realmente, percebe o administrador, percebe que não era tão simples quanto parecia, ele é que estava cansado de pensar e decidiu pelo cansaço.
Quando ele percebe que a questão vinha antes da principal pode ser resolvida ele percebe que: “Qualquer coisa leva mais tempo do que você espera”. Mas que ele tem as contas para pagar, família para alimentar, enfim, suas contas não se pagam sozinhas. Mas mesmo assim a oportunidade ainda parece muito boa e ele retoma o pensamento sobre levar a diante sua decisão e percebe que precisará de pessoas, quando percebe: “Todo cargo tende a ser ocupado por um funcionário não qualificado para desempenhar suas funções”. Lembrando da falta de mão de obra na região.
Mas, o adminstrador Murphy não se dá por vencido, percebe que a falta de preparo torna a mãe de obra mais barata, isso facilitaria o seu negócio, mas: “Se alguma coisa parece que está indo bem, obviamente você se esqueceu de algo”. Realmente, ele percebe que essas ideias todas são muito boas, mas acaba percebendo que: “Toda solução cria novos problemas”. Assim ele permanece sentado, sem fazer o menor movimento em direção à sua oportunidade de ganhar muito dinheiro, pois: “Não há melhor momento do que hoje pra adiar pra amanhã o que você não vai fazer nunca”.
Um administrador que se pautar por Murphy jamais tomará alguma decisão, geralmente ele é levado a decidir em função de uma série de fatores, mas sempre levando em conta: “Se você perceber que ha quatro maneiras de uma coisa dar errada, e driblar as quatro, uma quinta maneira surgira do nada”. Mesmo nos tempos de bonança este tipo de administrador está vivendo uma tempestade, não há tempo para reparos, aperfeiçoamento. Muitos destes administradores tem ideias perfeitas, mas pré-juízos que os levam para longe dessas ideias, afinal: “Se alguma coisa pode dar errada, acontecerá”. As frases de Murphy foram retiradas da internet, site: http://www.1001inutilidades.com.br/murphy.htm.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Desafios

Nascidos em família humilde, foram vários os dias em que a comida era apenas o suficiente, fome não! As roupas eram costuradas pela própria mãe e era proporcional ao mais velho, isso significa que os mais novos raramente viam roupas novas. Desde cedo tiveram de ajudar na lida, uns na roça, outros na serraria, outros no carvão, outros... cada um, desde cedo, tinha sua tarefa para colaborar com a casa. Estudar? Para os que conseguiram, muitos mais por esforço do que por incentivo, fizeram porque sabiam que não sairiam da condição de vida que tinham sem os estudos. O primeiro emprego era tudo, conseguiram e se agarraram a ele, faziam o máximo possível para mostrar um bom trabalho. Eis que, com o trabalho, muita vontade e uma oportunidade conseguiram montar o próprio negócio.
O negócio foi montado, agora vinha a outra parte do desafio: dar continuidade e continuar crescendo ou morrer na praia como tantos outros. Segundo um destes tantos empresários: “Ter uma empresa é como andar de bicicleta, se parar de pedalar cai”. Tentando não cair, aprendendo com a árdua tarefa de administrar, aos poucos foram edificando suas empresas. Ao longo do caminho veio a crise, inflação, Plano Collor, alguns caíram pelo caminho, mas não desistiram, recuperaram as pernas e continuaram caminhando. O fazer-se empresário modificou-se ao longo do tempo e agora já não se pode mais ser chefe, é necessário ser líder, um novo aprendizado. Criados num tempo em que se usava calculadora, agora a empresa é gerida com base em complexos sistemas. As dificuldades destes empresários foram as mesmas para muitas pessoas, o trabalho árduo também, as oportunidades provavelmente também estavam lá.
Estes empresários são de uma época onde as dificuldades eram de ordem primária, onde os objetivos estavam em lutar pelo básico ou pouco mais. E a geração atual, que história irá contar? Nascido numa casa confortável, comida à vontade, geralmente escolhida, logo cedo matriculado em escola particular. A roupa, caso não seja “de marca”, serve apenas para ser usada em casa, pois se tem uma imagem a preservar. Logo cedo entra em contato com a informática, computadores, tablet, celulares, vídeo games, os mais modernos, de preferência.
Chegando na idade, com ajuda dos pais ou do governo entra na faculdade e cursa o curso que escolhe, se estudou para isso. As oportunidades de emprego surgiram já na faculdade, mas era necessário avaliar qual delas era a melhor, pois algumas não pagam o suficiente para se manter. Entra então no primeiro emprego, percebe se as condições de serviço são adequadas as suas necessidades. Para alguns fazer faculdade e estudar é muito puxado, seria o caso de adiar a ideia de trabalhar por mais alguns anos, dedicando-se exclusivamente aos estudos. Isto sem deixar a balada do final de semana, as idas ao jogo do time favorito, comprar roupas adequadas ao seu nível social.
Em cada um dos tempos existem dificuldades. Nos tempos antigos a dificuldade estava em viver numa condição de privação e ainda assim lutar por dias melhores. Muitos tentaram e pararam ao longo do caminho, entenderam que já tinham caminhado o suficiente para a realidade de onde saíram. Nos dias de hoje o desafio é outro, ao menos para alguns: o desafio é desapegar-se dos confortos que tem para poder lutar pelos que ainda não tem. Os desafios do passado fizeram as pessoas de sucesso de hoje, mas é provavelmente os desafios de hoje que farão os sucessos de amanhã.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Relevante, Importante ou Determinante?

Em Filosofia Clinica, quando se vai atender uma pessoa, pede-se a ela que conte sua história de vida. A partir desse material o filósofo elabora o que chamamos de Estrutura de Pensamento e busca os submodos informais que serão usados didaticamente com a pessoa. Mas, enquanto o filósofo coleta os dados da história da pessoa seus conteúdos começam a aparecer basicamente de três modos, relevante, importante e determinante. Há um quarto tipo de conteúdo, o irrelevante, deste tipo de conteúdo o filósofo pouco ou nada se ocupará. A distinção dos conteúdos acontece para que o terapeuta dispense atenção com os conteúdos existências que será trabalhados ao longo da terapia.
O primeiro tipo de conteúdo é o relevante, segundo o dicionário, relevante é aquilo que se destaca, ou seja, que se sobressai. Estes conteúdos são aqueles que aparecem de maneira diferente dos demais, ou seja, que se apresentam mais abertamente, que se destacam. É como uma pessoa que todos os dias é calma, doce, tranqüila e num dia tem um acesso de fúria e quebra o telefone frente aos colegas de trabalho. Por mais que o acontecido não seja um fato isolado, é relevante, isso porque se destaca do comportamento comum.
O segundo tipo de conteúdo é importante, de acordo com o dicionário, importante é aquilo que desfruta de autoridade, que é essencial. Em Filosofia Clinica o terapeuta observa na história da pessoa os conteúdos importantes, não necessariamente são relevantes, mas  importantes. Um exemplo claro é aquele homem que pouco fala de sua vida, de suas coisas, mas que coloca em primeiro lugar na sua vida a família. Aqui a família não está em relevo, mas é tida como essencial.
Por fim temos os conteúdos determinantes, pelo dicionário, determinante é aquilo que determina, pode ser entendido ainda como causador. Veja que aqui não é relevo, nem importante, mas o que determina, o causador. Este tipo de conteúdo que se encontra na história de vida da pessoa é aquele que movimenta, que faz a atitude acontecer. Pode ser o caso daquela menina que sabe da importância da família, se coloca em destaque no namoro, mas seu amor determina um comportamento de submissão. Esse exemplo é para ilustrar que mesmo com conteúdos importantes e relevantes, se eles estiverem indo contra um determinante, provavelmente perderão.
Tudo isso foi dito para levar a uma pequena reflexão, de acordo com o seu dia, com os seus compromissos. Pare um pouco, pegue um pedaço de papel e uma caneta e anote. Primeiro anote aquilo que para você é relevante, ou seja, aquilo que merece destaque, que se sobressai. Depois disso, em uma segunda etapa anote o que é importante, que merece sua atenção pela necessidade que tem. Por último veja se o que é relevante e importante está de acordo com o que domina sua vida.
Muitas pessoas tem como relevante a própria saúde, como importante a família, mas o trabalho é determinante. Esses são os mesmos que um dia acordam, olham para trás e se lamentam porque tudo o que era importante se perdeu pelo caminho. Aquilo que for determinante dará a direção, orientará a existência. Veja se o que orienta sua existência não é exatamente aquilo que é irrelevante, fútil, banal.

Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Colheita

O que você recebe por aquilo que faz? Quando você leu esta pergunta pensou em que? Pensou no que faz no trabalho, com a família, com os amigos, quando está sozinho? Cada pessoa pelo mundo é infinitamente diferente de qualquer outra, mas muitas pessoas pelo mundo compartilham de uma característica: a necessidade de um retorno pelo que fazem. Estas pessoas, cada uma a seu modo, procuram ao longo da vida e nas mais diversas formas saber qual é o retorno por aquilo que faz, fez ou ainda vai fazer. Este retorno tem o nome de experimentação. A experimentação, em Filosofia Clinica, é concebida como o final de um processo, o resultado de tudo aquilo que é considerado o processo.
Para muitas pessoas a experimentação não existe, são pessoas que tocam a vida olhando somente para a frente, não olham para o presente como o resultado daquilo que fizeram. Estas pessoas não consideram interessante olhar para o passado, uma vez que não se pode separar o que é resultado de suas atitudes, da mão de Deus, da sorte, enfim, de fatores que fogem ao seu controle. Algumas pessoas não aprenderam a medir os resultados dos seus processos e acabam por fazer grandes confusões, atribuindo apenas às coisas ruins como resultantes de sua vida.
Aquelas pessoas que medem, quantificam ou apenas observam os resultados de seus processos fazem de diferentes maneiras. Algumas pessoas medem o resultado de sua vida pelo que têm, são pessoas que ao abrirem os olhos precisam ver bens, saldo bancário, casa na praia, imóveis alugados. A estas pessoas o capital é a medida que usam para saber se os processos que encaminharam em sua vida deram resultado. Isto aparece em frases como: “De que adianta família feliz e passando fome, passei uma vida trabalhando e continuo na mesma”. Na há nada de errado em colher os resultados de sua vida por esse método, mas provavelmente decepcionará a muitos ver que seus processos são menos sofridos e ganharam muito mais.
Outros medem sua existência pelo que se tornaram, são pessoas que colocam a si próprias como medida de resultado de sua vida. A elas interessa saber quem são, para algumas só para si mesmas, outras pessoas precisam que um público as aprove. Há quem viva muito bem sabendo que saiu de uma vida humilde e hoje se tornou um grande empresário, pensador, professor, trabalhador. Para muitos esse “ser” precisa ser dividido, são pessoas que precisam do reconhecimento externo. Como o caso daquele que consegue um título e espera que todos se relacionem com ele por isso. Posso citar o caso de pessoas que dizem: “Você não me conhece? Eu sou o Fulano de Tal, todos me conhecem”. Para estas pessoas o reconhecimento externo é a medida de quem elas são ou conseguiram ser na vida.
Tive a feliz oportunidade de rever o antigo reverendo da paróquia onde morava. Para este padre,  qual seria a experimentação de sua vida? Em Filosofia Clínica não há como saber, precisaria conhecer a história de vida desse sacerdote para saber como ele mede sua vida. Mas, pelo que prega o evangelho, a santidade deste vocacionado não se mede por suas conquistas pessoais e títulos, mas por aquilo que foi capaz de fazer pelos outros. Lembrando que, segundo as Escrituras, a mão direita não precisa saber o que a esquerda está fazendo.  Há, em alguns casos, uma experimentação esperada, como o lucro por um investimento na bolsa, mas não há na vida. Cada um de nós pode medir e ficar feliz com o resultado a que chegou. Alguns vão medir pelas emoções que viveram, como a música interpretada por Roberto Carlos, outros pela fé. Com o que você está medindo?

Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Quanto vale uma vida?

Antes de qualquer resposta a priori é necessário entender que não há uma medida de valor que possa quantificar uma vida. Cada ser em sí é único, insubstituível, com suas características, jeito de ser, maneira de ver o mundo. No entanto, é interessante pensar em algo que comumente se vê e não se percebe: que a vida de uma pessoa é tratada, em muitos casos, a partir de um juizo de valor.  Nesses casos, nem sempre muito claros, as pessoas que dependem do outro ficam a mercê de seu juízo de valor. Em Filosofia Clínica todo o juízo de valor é chamado de axiologia, assim como na Filosofia Acadêmica. Assim, axiologia me diz o que é importante para a outra pessoa, ou seja, o que ela considera importante para si; não necessário, mas importante.
Hoje pela manhã ao ver o jornal, deparei-me com uma notícia muito comum nos dias de hoje. O jornalista dizia que um jogador de futebol engravidou uma moça. Até então normal, mas o que espanta é dizer que o jogador já avisou a família que cumprirá com todas as obrigações financeiras. Não conheço o jogador e muito menos a moça, mas se pode perguntar: qual é o valor desta vida gerada pelos dois? Posso arriscar, talvez cometendo um erro vergonhoso, mas parece que para ela ter um filho é garantir uma boa quantia em dinheiro para si, o filho é um meio para ganhar a vida. Para o jogador o filho é a consequência de uma atitude que vai lhe custar dinheiro, só. A vida de uma pessoa que ainda nem nasceu já tem preço.
O filme “Antes de Partir”, estrelado por Jack Nicholson no papel do rico empresário e dono do hospital Edward Colen e Morgan Freeman no papel do mecânico Carter Chambres, apresenta uma brilhante história que mostra o fim da vida de dois homens que morrerão de câncer, Neste filme, ao chegar ao hospital, por se saber uma pessoa simples, humilde, Chambers pede apenas que o médico olhe seus exames. O mesmo se nega, pois não é sua competênca, isso deveria ser feito pelo médico que acompanhava seu caso. Em contrapartida, o rico Colen reclama do fato de ser colocado em um quarto com outra pessoa, quando ele mesmo disse que hospital não é hotel.  Naquele momento ele se colocou acima de todas as outras pessoas, queria que fosse feita a sua vontade, como se afirmasse que “a vida de uma pessoa tem seu preço e é sempre menor que o meu”.
Ontem, um daqueles jornais sensacionalistas noticiava a morte de uma jovem pelo namorado. Segundo a notícia, o jovem assassinou a ex-namorada a facadas porque estava apaixonado por ela e ela o deixou. Não é difícil ver meninos e meninas que condenam o seu companheiro ao seu amor, alguns condenam a si próprio. Um amor que sufoca, que faz do outro objeto de uso, que transforma a outra vida em posse. A vida tem valor quando é minha, se não for minha não será de ninguém.
Desde sempre, para não dizer há muito tempo, israelenses e palestinos que vivem num pequeno pedaço de terra no Oriente Médio estão em guerra. Lá, antes de tudo, sua guerra é por terra e água, recursos escassos naquela região. Um pouco além deste lugar, outras regiões também estão em guerra e além de terra, água, riquezas e poder existe a questão religiosa envolvida. O interessante é que a maioria das religiões prega o respeito e o valor à vida, mas apóiam práticas violentas contra pessoas que não têm o mesmo credo. Estou falando de países distantes, mas aqui, do lado da nossa casa, pode haver uma pessoa de outra religião. Alguns pensam: “a vida dessa pessoa tem valor se ela tiver a mesma religião que eu.”
Não é por um destes fatores isolados, mas o conjunto de vários fatores que mostra para cada um quanto vale uma vida. Pense um pouco sobre isso, veja se as suas atitudes mostram que você valoriza a vida. Lembre-se que, assim como você mede, também pode ser medido.


Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Viver da morte

Há pouco tempo ficamos sabendo que um grande amigo estava doente, acompanhamos a distância todo o seu tratamento e o sofrimento da família. Depois de certo tempo estava ele recuperado de um grave problema no fígado, era assim que parecia. Pouco tempo depois o problema retorna e agora somente um transplante pode realmente mantê-lo vivo. Diante desta situação sua esposa comenta em uma conversa: “é ruim imaginar que alguém deve morrer para ele viver”. Para ela não é um dilema vazio, mas a dura realidade de que alguém vai ter de morrer para que seu marido continue vivo. Para ela, o fato de o marido viver da morte de outra pessoa é algo que desconforta, incomoda. Depois de refletir um pouco sobre sua situação pensei na minha própria, de terapeuta. Por natureza um terapeuta é alguém que vive do sofrimento de outras pessoas, ou seja, se não houvesse sofrimento, dor, provavelmente não haveria ganhos. Há, muito provavelmente, muitos outros profissionais que vivem da morte do outro, do sofrimento alheio.
No entanto, quando uma pessoa chega ao ponto de precisar de transplante, por qualquer motivo que seja ela está dando ao órgão da pessoa que faleceu a chance de continuar vivo. Por exemplo, morre um jovem em um acidente de automóvel, seus órgãos estão em perfeito estado, a pessoa que precisa destes órgãos pode dar a eles continuidade de vida. Já houve alguns casos em que a família do doador vê na pessoa que recebeu o órgão a continuidade da vida, alguém com quem estabelecem um vínculo para o resto da vida. Por mais que a pessoa que precisa de transplante espere pela morte de alguém para continuar vivendo não é ela quem diz quem e quando vai morrer para obter o que precisa. É ela o receptáculo para a continuidade, a oportunidade que um órgão tem de continuar vivendo, como uma parte de uma pessoa que continua sua jornada em outro lugar.
Na terapia não é muito diferente: o terapeuta é aquele que, mais do que muitas outras pessoas, consegue trabalhar com a dor do outro. É ele a pessoa que tem as condições para, mesmo com toda a dor que compartilha com a pessoa, encontrar um caminho onde não exista dor ou sofrimento. Não é o terapeuta quem provoca ou deseja a dor, mas sim aquele que estuda, se prepara, para estar diante de alguém como um caminho. Muito ao contrário do que parece, não vive ele da dor das pessoas que lhe procuram, mas da alegria de suas realizações, do encantamento de seus sonhos, do brilho ainda existente em cada olhar. Quando não consegue auxiliar uma pessoa em seu caminho também se chateia, chora, sofre a dor de não ter conseguido.
Assim, profissionais que pretensamente vivem da morte do outro, assim como pessoas que esperam pela morte do outro para a doação do órgão, são as oportunidades de a vida continuar. É muito provável que um médico não tenha como sonho ver as pessoas doentes, mas que elas estejam bem, saudáveis. A dor e a doença fazem parte da vida de cada um, assim como os profissionais que abraçaram a causa de estar junto nos momentos mais difíceis. Muitos destes profissionais dedicam suas vidas para que os outros possam continuar vivos, dedicam sua saúde para que outros possam permanecer saudáveis, dedicam sua sanidade para que outros permaneçam sãos. Não se vive da morte do outro, mas se dá oportunidade do outro continuar vivo em mim.

OBS.: Esta é uma fotografia tirada por mim do Santo Sepulcro em Jerusalém/ Israel.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Ela é infiel?

Em Filosofia Clinica, uma das recomendações iniciais da clinica é que tudo o que a pessoa disser deve ser entendido a partir da história de vida dela. Essa recomendação também vale para os termos que a pessoa usa. Quando ela fala, tudo deve ser entendido de acordo com os significados que ela dá aos termos. O significado usual de dicionário que utilizamos vale para escrever um livro, poema ou até mesmo um artigo, mas para as pessoas não. Assim como qualquer outra palavra, infidelidade também é uma palavra que tem sentido só de acordo com a pessoa que a pronuncia.
No entanto, para ter um ponto de partida podem-se usar as definições dos dicionários e a partir delas continuar. Infidelidade, de acordo com dicionários online, pode ser entendida como deslealdade, traição. A palavra infidelidade tem uma conotação mais religiosa, por isso, ao longo do tempo entra cada vez mais em desuso, a palavra que ganha seu lugar é a traição. A palavra traição, de acordo com o Wikipédia, é “como uma forma de decepção ou repúdio da prévia suposição, é o rompimento ou violação da presunção do contrato social”. Veja que a palavra traição é entendida primeiro como uma decepção e depois como o rompimento de um contrato social.
Antigamente o contrato social do casamento era regido única e exclusivamente pela igreja, era ela quem dizia o que era fidelidade e o que era traição. Nos dias de hoje tanto a fidelidade, uma questão de fé, quando a traição, uma questão de contrato ganham significados diferentes em cada união. Pense que uma mulher jovem uniu-se à um homem pelo seu dinheiro, assim como ele uniu-se a ela pela beleza que ela tem. No contrato social estabelecido entre os dois a fidelidade acontecerá enquanto ele for o provedor do dinheiro e ela da beleza. Se, por acaso, por algum motivo ele não tiver mais dinheiro para alimentar o relacionamento, ele está traindo ela. O mesmo acontecerá se ao longo do relacionamento ela não cuidar de si mesmo e ficar feia.
Até aqui os exemplos foram distantes e bastante caricaturais, mas agora, imagine o relacionamento que você começo com sua esposa. O contrato que cada um de vocês aceitou no dia que resolveram se unir, o que dava a cada um de vocês os critérios de fidelidade? Aquele critério que se um homem é casado e por acaso mantiver com outra mulher fora do casamento ser considerado traição, esse pode não ser um critério. Não é difícil de saber de casais que vivem o que chamam de relacionamento aberto, mesmo nesses relacionamentos há critérios de fidelidade. Em muitos casamentos como este a fidelidade está em cada um continuar ligado ao outro por amor, o dia em que um dos dois amar outra pessoa, aí aconteceu a infidelidade.
Pegue por exemplo o filme Ray, que conta a história de vida do cantor Ray Charles. Ao longo de sua vida ele jamais traiu sua mulher e ela, ao menos pelo que passa no filme nunca sentiu-se traída. Há uma cena muito bonita quando ela pede que ele deixe na estrada o que é da estrada, referindo às drogas. Pelo filme, provavelmente ela sentiu-se muito mais traída pelas drogas que ele utilizou e escondeu dela do que pelas mulheres com que teve relações.
Na relação entre marido e mulher, pais e filhos, patrão e empregados, amigos, os critérios que definem a fidelidade são definidos na relação. Assim como os critérios são definidos na relação, também é a partir da relação que se pode saber se alguém foi traído. Seria interessante saber quais foram os critérios que escreveram o seu contrato social de união com o outro. Só assim se saberá quando está sendo traído.

Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Suicídio

Já estive envolvido em muitas conversas sobre suicídio, na maior parte delas surge uma pessoa que afirma: “A pessoa que se suicida, nada mais quer do que matar alguma coisa em si”. Para quem diz isto, o suicida na verdade quer apenas se desfazer de algo em si mesmo. No entanto, como o ser humano é um todo e não há a possibilidade de separar apenas a parte que a pessoa não suporta mais, o suicídio acontece. Estas pessoas, por não saberem como matar, ou seja, retirar de si aquilo que as aflige, acabam por retirar a vida corporal.
Em Filosofia Clínica, o entendimento é de que o ser humano é um todo, mas este todo é constituído de partes, algumas mais e outras menos divisíveis. Quando um filósofo clínico interage com uma pessoa no consultório ele a observa como um todo, ou seja, como uma pessoa que lhe procurou. Mas, ao longo do processo ele coleta a história de vida da pessoa e com esta história monta o que chamamos de Estrutura de Pensamento. Esta estrutura nada mais é do que o conteúdo da história compartimentado segundo sua peculiaridade. Desse modo, o que a pessoa diz de si mesmo é o tópico 02. O que a pessoa disser no consultório a respeito de medo, amor, ódio, alegria, etc., são conteúdos, por exemplo que serão categorizados por emoções.
A montagem a Estrutura de Pensamento leva em conta trinta tópicos, ou seja, trinta identidades diferentes que o conteúdo da história de vida da pessoa pode ter. Esses trinta tópicos podem estar em relação harmoniosa, quando a pessoa sente-se bem, vive um bem estar subjetivo. Mas, estes conteúdos também podem estar em choque e quando isso acontece diz-se que há choque entre tópicos. Seria o caso de uma pessoa que tem medos terríveis de ficar sozinha, mas não consegue manter o casamento.  O mal estar subjetivo vai ser mais ou menos evidente de acordo com cada pessoa, algumas podem estar morrendo por dentro, mas nem a pessoa mais próxima perceberá.
Quando dois tópicos entram em choque, em algum tópico da Estrutura de Pensamento a pressão aparecerá. O exemplo mais corriqueiro é aquele em que o empresário tem uma série de decisões para tomar, mas não sabe se o resultado será bom ou ruim à empresa. Isso o incomoda por alguns dias e logo lhe aparecem aftas na boca, outros têm gastrite, alguns emagrecem e assim será diferente para cada pessoa. No exemplo acima, o choque entre dois tópicos causou uma pressão nas sensações que apareceram em forma de afta, gastrite ou emagrecimento.
Retomando o caso do suicídio, agora conhecendo um pouco mais de Filosofia Clinica, a pessoa pode sim, querer tirar apenas uma parte dela e por isso acaba tirando a própria vida. Mas, assim como um cirurgião corta e retira do corpo um nódulo, também é possível que o filósofo ao longo de um trabalho terapêutico retire da pessoa aquilo que tanto lhe faz mal. Para algumas pessoas, a terapia parece não ser a solução para o seu problema, mas pedir ajuda, significa entender que muitas vezes na vida é preciso caminhar acompanhado.
Tudo o que está escrito acima sobre o suicídio é apenas uma das possibilidades, faço questão de deixar claro que não existem duas pessoas iguais. Para muitas pessoas, o suicídio será totalmente diferente do que está acima, podemos lembrar o caso de Getúlio Vargas que em carta deixou registrado o que foi o suicídio para ele: “Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”

Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Visão econômica

Estamos no período de festas, época de Natal e Ano Novo,  Carnaval, Páscoa, época em que as familias se reunem e festejam o final de um e o inicio de outro ano. Mas também é a epoca do ano em que muitos trabalham dobrado, pessoas cujos dias começam muito cedo e terminam muito mais tarde. As reflexões feitas a respeito deste período em sua maioria são otimistas e mostram um mundo perfeito, mas nem todos vivem este mundo perfeito. Um dos filósofos que se ocupou de mostrar uma das mazelas vividas até os dias atuais é Karl Marx, acompanhado por seu amigo Engels.
Marx é um filósofo com uma bibiografia muito extensa e dizer resumidamente como foi o seu pensamento é certamente incorrer em erro. Dizem que sua extensa obra esteve em evolução durante toda a sua vida, sendo dividida em novo e velho Marx. Outros dividem sua produçao do jovem humanista ao materialismo histórico. A vida do filósofo era muito simples, passando por vezes dificuldades econômicas muito sérias, das quais era tirada por seu amigo Engels. Já no final de sua vida completou sua obra falando de economia, uma parte da história até então ignorada pelos historiadores.
A mazela a que me referia no início deste escritoé a exploração de uma classe social por outra e a falsa impressão de liberdade na escolha da profissão, estilo de vida, lugar onde se vai morar, etc. Sabe-se que toda a riqueza produzida vem do trabalho e se uma classe é mais rica que outra é porque uma classe está abusando da riqueza da outra.  Em outras palavras a riqueza da classe A é fruto da exploração da riqueza da classe B. Esse fato faz com que a relação entre as pessoas no capitalismo aconteça de forma que não há mais relação entre pessoas, mas entre objetos.
Assim como o trabalhador, o trabalho também se torna um objeto que é vendido em troca de salário, o qual em maior ou menor escala vai garantir a subsistência da família. O capitalista, por sua vez, trabalha para produzir lucro, ou seja, controla os meios de produção para que se tenha lucro.  Através do controle, o capitalista obtem a mais valia, que é aquilo que o trabalhador produz além do que é pago.  Então, a mais valia, ou seja, o que o trabalhador faz a mais do que recebe é o lucro do capitalista. Quanto mais o trabalhador fizer, maior será o lucro. Para Marx este entendimento só é possível porque o ser social das pessoas é que determina sua consciência.
Para Marx e muitos outros filósofos o mundo é que determina a forma como o ser humano pensa, mas isto é uma verdade que se aplica a ele, Marx. Muitas pessoas olham pela janela e não olham seu trabalho sendo vendido a um patrão, mas veem o dia de sol, sentem o perfume das flores, conversam com as pessoas e fazem aquilo que gostam. Trabalhar, assim como outras coisas da vida pode ser muito mais que obrigação, venda, troca, mais valia, pode ser a realização pessoal. Olhar a vida como uma relação de comércio é torná-la muito pobre. Aqui fiz apenas um pequeno recorte do pensamento de Marx, o qual é muito usado como justificativa para ser ou fazer determinadas coisas. É importante ter em mente que uma frase de um autor não reflete o pensamento e o trabalho de uma vida inteira.

Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Harlem Shake / Marilyn Manson

A nova moda na internet é o “Harlem Shake”, nome da música criada pelo DJ Baauer, também conhecido por Harry Rodrigues. A música toda pode ser resumida nas quatro frases que seguem: Con los terroristas / (ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta) / And do the Harlem Shake /Shake, Ey (shake). Esta é uma música eletrônica que tem uma dança peculiar: inicialmente apenas uma pessoa aparece dançando e ao ser dita a frase “And do the Harlem” aparecem muitas outras pessoas. As pessoas que aparecem numa segunda etapa dos clipes estão geralmente em trajes esquisitos, ridículos e encenam o ato sexual. Isso é uma música e uma dança que se tornou o novo modismo da internet.
Diferente do DJ Baauer há um cantor conhecido por Marylin Manson, também chamado de Brian Hugh Warner. Seu nome artístico é a junção dos nomes de Marilyn Monroe e Charles Manson, apontando a grande contradição existente dentro de si. Para muitos ele é um cantor satânico, demoníaco. Seus clipes são impactantes o que afasta a maior parte das pessoas, sua forma de colocar as ideias no papel e transformá-las em música faz com que sejam criados muitos mitos em torno de seu personagem.  O personagem Manson é também conhecido e já reconhecido por suas obras em aquarela, segundo especialistas, obras que poderiam ser classificadas como expressionistas.
O que você diria se visse alguém que em poucos minutos trocasse a música eletrônica Harlem Shako pelo Heavy Metal de Marilyn Manson? Provavelmente diria se tratar de uma pessoa bipolar, ou seja, alguém que varia entre comportamentos eufóricos e depressivos. Mas, considere que algumas pessoas podem ter dentro de si vários conteúdos e que cada um deles tem seu próprio veículo de comunicação. Em entrevista ao programa Amaury Junior respondendo a pergunta sobre o motivo pelo qual se tornara pintor,  Manson fala: “Eu costumava pintar quando não podia exprimir o meu sentimento numa canção”. Ao afirmar isto, o cantor está deixando claro que aquilo que diz em suas músicas é o que realmente pensa, seus clipes são uma clara demonstração de sua dualidade.
Até aqui tudo bem, o que fiz foi ilustrar dois pontos, o Harlem Shake tido como legal, bom, recomendável, engraçado. Do outro lado Marilyn Manson, tido como anti-Cristo, obscuro, pesado, mal visto, não recomendado. Essa é a postura dos nossos dias: em boa parte se recomenda a alegria, a felicidade, ainda que fugaz, momentânea. A tristeza, a solidão, a dúvida, devem ser erradicadas, resolvidas. A pílula da felicidade não é só vendida nas farmácias, mas vendida em discos chamados CDs, DVDs, em revistas que publicam a receita para a alegria.
Músicos como Manson mostram que a dubiedade pode ser um caminho de depuração e a arte uma bela ferramenta de expressão. Em Filosofia Clínica, Manson ganha acolhida não a partir do que dizem dele, mas a partir do que sua própria história fala de si. Sua tristeza, dubiedade, sua abertura contra as religiões não são tão novas: Nietzsche também tinha opiniões muito próximas e é tão expurgado quanto o cantor. Entender que cada um é diferente e tem diferentes formas para se comunicar é fácil, difícil é ver um filho ouvindo Maryn Manson, lendo Nietzsche e criticando seus valores de rebanho. Entender que há diferença qualquer um pode, aceitar, trabalhar e fazer desse mundo um lugar singular, isso não é para qualquer um.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Terapia de Casal

Das muitas experiências que um consultório lega a um terapeuta, a terapia de casais é, para mim, uma das mais interessantes. Casal, palavra que vem do latim casale ou ainda do latim casalis, quer dizer algo que pertence à casa, podendo também ser interpretado como doméstico. O casal também é tido como a união entre duas pessoas, estes formam um casal, seria então o casal algo próprio da casa, doméstico, assim como a união entre duas pessoas. O sentido que interessa aqui é a união entre duas pessoas, sendo que em muitos casos essa união não é harmoniosa, existem ruídos que prejudicam o bom andamento da relação. Quando os ruídos se tornam mais fortes alguns casais procuram ajuda, procuram uma terceira pessoa que possa mediar a relação. O homem ou a mulher, enfim, o que busca ajuda relata uma série de situações que precisam ser resolvidas para que a relação funcione bem.
No início do trabalho há apenas uma versão da história, um dos lados conta o que está funcionando mal, para ele os problemas são claros. Ao longo do processo, algumas vezes é possível trazer o marido ou a esposa, este ou esta vem contar o outro lado da história e dizer o que para ela(e) não está funcionando bem. Esta é a parte mais interessante, perceber o que, em cada um, é percebido como falho na relação. Até o momento ainda não vi um casal em que os dois concordem com o que causa ruído, cada um aponta questões diferentes como origem dos problemas na relação. A partir dos relatos, e coletados os dados de cada um dos dois é possível perceber que em muitos casos o motivo é o mesmo, mas a maneira como cada um vê é diferente. Isto quer dizer que o problema enfrentado pelo casal é o mesmo, mas cada um sente de maneira diferente e, por isso, relata de maneira diferente o ruído na relação.
Uma mulher, por exemplo, chega no consultório e aponta como problema de sua relação a dificuldade de conversar com o marido, que ele já não lhe escuta mais, não tem mais tempo para ela. Depois de alguma insistência ele vem ao consultório e se abre dizendo que o problema é ela que cobra demais, sempre quer mais, por mais que tenha parece que sempre está faltando alguma coisa. Muitos casais esquecem-se com rapidez como se conheceram, como conviviam nos primeiros anos de casamento, o que lhes fazia feliz juntos. Em muitos casos a solução para o casal é simples: basta recuperar o que foi perdido ao longo do caminho, o diálogo. Em outros casos, como o do casal acima, o auxílio do terapeuta pode estar em apontar para cada um onde está o real ruído, fazendo com que cada um observe a si mesmo no relacionamento.
Assim o marido pode percebe que não está mais dando tanta atenção à esposa porque agora tem filhos, dois para ser mais exato e estes tem a mensalidade da escola. Para pagar as contas ele aumentou o tempo de trabalho na empresa para não faltar dinheiro e dar o necessário à esposa e às crianças. Mas também ele não observa que ela sente sua falta, que precisa de um tempo com ele, não para falar sobre as contas, sobre os filhos, mas para cultivar o relacionamento amoroso. O relacionamento que existia ao longo do tempo foi murchando e se tornando um contrato burocrático entre um mantenedor e uma associação educativa, nem homem e nem mulher existem mais. O homem pode voltar a ver sua mulher, a pessoa com quem ele se casou e conversar, voltar a alimentar a relação e quem sabe eliminar os ruídos.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Doente, normal ou eu?

Uma das discussões mais presentes no cotidiano das pessoas é sobre o que é a doença. Pode-se procurar a definição em diversos lugares, inclusive na internet. Doença é, em resumo, um distúrbio das funções de um órgão, da psique ou de um organismo. Então eu posso ter um coração doente, sofrer de uma doença mental ou sofrer de uma doença física. Parece simples, mas não é. Quando olho apenas para um órgão e percebo que ele tem um distúrbio, por exemplo, meu coração funciona incorretamente e eu tenho pressão alta, pode-se dizer que tenho um órgão doente. Quando eu sofro de uma mania repetitiva, faço várias vezes a mesma coisa, nesse caso posso ser diagnosticado como transtorno obsessivo compulsivo. Neste caso, considera-se que estou com uma doença psíquica. Quando tenho um distúrbio sistêmico no meu corpo, como uma infecção, meu corpo está doente.
O outro lado da discussão é sobre a normalidade. Não há como falar em doença sem falar em normalidade. A definição de normal encontrada em diversos materiais tem a ver com padrão, ou seja, é normal aquilo que segue um determinado padrão. Esse padrão pode ser considerado algo determinado física, psíquica ou socialmente. Na questão física é um tanto fácil dizer o que é doente ou normal, isso do ponto de vista dos padrões que a medicina desenvolveu. O mesmo acontece para a questão psíquica, onde a normalidade é uma questão de a pessoa combinar ou não com o meio onde se encontra. Já na questão social a doença ser normal é seguir um padrão, ser igual ou parecido com as outras pessoas que nos cercam. O diferente, em qualquer aspecto que seja é ou pode ser considerado anormal, geralmente entendido como doente.
Na Filosofia Clinica estes dois termos nos passam longe dos olhos, ou seja, não sei o que é normalidade, muito menos o que é doença. Digo pelas minhas palavras, entre o normal e o anormal estamos cada um de nós. Pode-se dizer que entre a normalidade e a doença está você, eu e todas as outras pessoas. Quando uma pessoa vem para a terapia não a conheço, não tenho como saber o que é ou não normal a ela. Então, o problema não está em definir ou não a doença ou a normalidade, mas a maneira como se constrói essa definição. 
Pense em você mesmo, nas suas manias, nos seus hábitos. Se eu fosse acompanhar você durante um dia, será que acharia normal tudo o que você faz? É possível achar normal uma pessoa que sai para trabalhar às sete horas da manhã, chega às onze da noite e sonha com dias melhores? É possível achar uma pessoa normal aquela que compra um carro que vale mais do que a casa em que vive? Eu, você e qualquer outra pessoa temos nossas esquisitices, temos nossa própria normalidade, somos normais do nosso jeito. Ser normal do meu jeito significa entender que algumas coisas fazem parte do meu padrão, pensamentos, emoções, sensações, buscas.
Da mesma forma que sou normal do meu jeito, também fico doente do meu jeito. Minhas doenças podem ser normalidades para muitas pessoas, algumas pessoas realmente estão doentes quando estiverem sentadas na frente da televisão assistindo novela ao invés de ler um livro. Algumas pessoas estarão doentes quando não estiverem trabalhando, outras quando brigarem com os filhos, perderem a mãe. São doenças próprias de cada um, entre a normalidade e a doença está cada um de nós, normal e doente, do seu jeito.

Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Jogo Filosófico

Por intermédio do site da abril e por sugestão de minha irmã conheci um jogo interessante. O jogo é uma união de Street Fighter e conhecimentos filosóficos. É uma boa ferramenta para aprender filosofia e se divertir.

http://super.abril.com.br/multimidia/filosofighters-631063.shtml
Fundamentos

Numa conversa informal, alguém me contou que teve muita dificuldade em conversar com outra pessoa. Segundo este alguém, a dificuldade estava em concordar com as ideias que a outra apresentava, segundo ela, sem fundamento. Depois que a pessoa saiu fiquei pensando só na palavra fundamento. Entendo que quem me contava a respeito de seu contato com este outro falava dos fundamentos para os argumentos apresentados. Mas, com um pouco de paciência quero trabalhar um pouco os fundamentos, as bases do pensamento de uma pessoa a partir da Filosofia.
Na Filosofia, ao longo dos séculos, cada pensador expôs suas ideias tendo por base algum fundamento, ou seja, uma base, um alicerce. Tomando como exemplo Platão, quais seriam os fundamentos para ele dizer o que disse, afirmar o que afirmou? Este filósofo que pode ter vivido entre 428 e 348 a.C. dizia que tudo o que temos aqui na terra, ou seja, tudo o que podemos ter acesso pelos sentidos existe em quantidade e qualidades perfeitas no mundo das ideias. Vejam, ele diz que existem dois mundos, um mundo onde tudo existe em quantidade e qualidade perfeitos, a este mundo chama “Mundo da Ideias”. No outro mundo, neste em que vivemos, as coisas, objetos, se entregam aos sentidos, podemos ver, cheirar, degustar, tocar. No entanto, para ele, este mundo dos sentidos é uma imitação precária, mal feita de tudo aquilo que existe em perfeição no mundo das ideias. Parece um tanto descabido, uma doidice, mas foi com a contribuição deste filósofo que se produziu e se produz grande parte dos estudos que ainda hoje servem de base para a nossa vida.
Para se ter uma ideia, René Descartes, filósofo nascido mais de mil anos depois de Platão chegou ao auge dizendo que nós nem sequer estamos aqui. Para Descartes nosso pensamentos está produzindo tudo o que vivemos, até mesmo as sensações são fruto do pensamento. Isso parece estranho, mas é com base neste autor que uma ciência como a medicina age. Quando você vai ai médico e ele lhe pergunta os sintomas, dores, sensações, para ele tudo isto é físico, realmente está acontecendo. Sabemos que muitas vezes as aftas da boca são fruto de um negócio mal feito na empresa, as dores de estômago são conseqüência de uma demissão contra a vontade. Não se vai resolver a dor simplesmente pelo corpo, nestes casos, se vai apenas remediar. Assim como outras áreas do conhecimento, a medicina também busca na Filosofia conceitos que orientam o seu trabalho. Lembrando que acerca do que  que foi colocado acima existem tanto correntes a favor quanto contra, é parte do discurso.
Agora que conhecemos a ideia de Platão e de Descartes, volto a questão inicial: qual o fundamento para uma ideia como esta, a de que o corpo está separado do espírito? Eu, você e talvez o maior dos especialistas, Platão e Descartes não tenhamos certeza de onde ele realmente tirou essa ideia, mas sabemos como eles fundamentaram. Tanto em um quanto noutro filósofo o fundamento para suas ideias foram suas experiências de vida, toda uma história de estudo e dedicação. Agora, será que eu, na minha pretensão posso dizer que o que estes pensadores disseram é bobagem? Se o fizer, provavelmente nunca li seus escritos ou não entendo do que falam. Por mais que não tenham fundamento para mim, mas tem para aqueles que pensaram a respeito. Trazendo para nosso tempo, será que o que o outro, essa pessoa que me fala, o que ela diz não tem fundamento? Pode ser que eu não entenda, não concorde, mas sempre há um fundamento para o que o outro diz, ele mesmo.

Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Dói mais em mim do que em você!

Acredito que muitos já ouviram esta frase. Quando eu era pequeno, tinha como referência meu pai e minha mãe, tanto um quanto o outro procuraram corrigir ou orientar os meus modos. Engraçado, há muito tempo que não me lembrava da palavra modos. Quando criança, de vez em quando escutava: “Olha os modos”. Durante o processo educativo eu, assim como muitas outras crianças não tende a passar o dia fazendo tarefas do lar, mas com certeza faz de tudo por uma tarde brincando com os amigos. Essa vontade de ir brincar, por vezes brincadeiras inconseqüentes, era solenemente vetada com um não categórico, ao que geralmente se perguntava: “Mas por que não?” Minha mãe dizia: “Por que não”.
Com oito, dez anos, as respostas rápidas e nada explicativas de minha mãe pareciam apenas falta de vontade de deixar. Olhava para ela e pensava que poderia, quem sabe, argumentar, dizer que se fossemos faríamos isso ou aquilo, mas o não falava muito mais alto. Algumas vezes, como não era de ferro, acabava por desobedecer e quando ela menos esperava já estava na rua brincando. Pela desobediência recebia o velho e pedagógico puxão de orelhas, quando a “arte” era um pouco mais grave, umas palmadas e somente para aquelas muito graves, a cinta. Nunca entendi direito a escala de “arte” média, leve e grave, provavelmente a mãe deveria saber, pois a cada pouco estava cometendo alguma delas e sendo corrigido.
Quando me tornei homem, proprietário do meu próprio nariz, tornei-me dono daquilo que todos acham que tem em quantidade e qualidade o suficiente: o bom senso. Nesse momento comecei a tomar as minhas próprias decisões, comecei a errar e, agora, não havia mais o puxão de orelhas, a palmada ou cinta, tão temida. Agora os agentes corretivos são outros: para as minhas artes financeiras tem a Receita Federal, para as minhas artes contra os outros há a Polícia e assim por diante. Há muitas pequenas artes que não tive o privilégio de fazer, e fico muito feliz por não tê-las feito, não me fez falta. Mas, diferente de muitos que se identificaram até aqui, que ouviram os conselhos dos pais e se tornaram pessoas educadas, há muitos que não entenderam nada do que os pais disseram.
Para muitas pessoas, o aprendizado, chamado epistemologia em Filosofia Clinica, só acontece pelo tópico 02. Estas pessoas precisam viver na própria carne para poderem aprender. Algumas dessas aprendem que é errado mexer no que não é seu só após serem duramente castigadas, caso contrário, continuam fazendo. É por isso que, muitas vezes, o pai castiga em casa, para que outros não precisem fazê-lo. Não há nenhum tipo de apologia à violência, mas a atitude educativa dos pais diante de um filho. Infelizmente, muitas vezes minha mãe queria me deixar ir brincar, mas sabia que a torturante tarefa de matemática me faria bem no futuro.
Em muitos casos ser pai não é nada fácil, sofrer com um filho que precisa aprender sofrendo, é, para muitos pais, sofrer junto. Quando o pai se coloca no lugar do filho, o sofrimento desse filho se torna tão real para o pai quanto para o filho. É interessante, primeiro sofre-se como filho até ser enquadrado socialmente, depois pode-se sofrer como pai tentando enquadrar os filhos.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Fui amputado!

Há algum um tempo um amigo disse que não era mais o mesmo depois que entrou em um relacionamento. Segundo ele, desde que começou a namorar, deixou de fazer diversas coisas que sempre fez, de ver pessoas com quem tinha estreita convivência. Continuou dizendo que se sentia preso, como se diz, com a rédea curta. Até certo ponto suas reclamações pareciam até normais, pois de homem solteiro passou a homem comprometido, isso por si só já lhe tolhia a liberdade. Aprofundando um pouco mais a conversa contou que sua amada pediu que queimasse todas as fotos que tinha de antigos relacionamentos. Até aí tudo bem, contava ele, mas quando ela pediu que ele começasse a visitar somente quem ela aprovasse, aí ficou difícil. A dificuldade aumentou mais ainda quando ela começou a verificar as ligações, e-mails e até compartilhamentos e curtições do facebook. Terminou ele dizendo: “me sinto cada vez menor.”
Essa conversa lembra um filme, um clássico produzido em 1993, chamado “Encaixotando Helena”. Este filme conta a história de um médico que se apaixona por uma mulher, mas esta mulher não quer um relacionamento duradouro. Ele, envolvido por sua paixão, amputa as pernas e braços da amada. Ao amputá-la ele garante, ao menos para ele, que terá sua presença, que ela não o deixará. Há um toque de morbidade no filme, mas mostra de forma clara e chocante o que acontece em muitos relacionamentos. Ela, por ser objeto de amor do outro, se torna refém de uma condição que não tem como escapar.
O amigo citado no início sentia-se, de certa forma, como Helena, amputado de seus membros, diminuído em seu corpo. Cada pessoa tem seu corpo em algum lugar, não necessariamente esse de carne e osso que nos dá a referência. Para algumas pessoas seu corpo é sua casa, para outros suas amizades, para outros seu carro, enfim, cada um tem seu corpo de forma diferente. Considerando o corpo de cada um, dependendo do relacionamento, a pessoa pode ser amputada de diferentes formas. Imagine que seu corpo é sua biblioteca, você entra em um relacionamento que a pessoa começa a separar e doar parte de sua biblioteca, provavelmente, você pode se sentir amputado.
No relacionamento do amigo, sua esposa foi cortando aos poucos seu corpo, que eram as suas relações. Quando ele se percebeu pequeno, reduzido, encaixotado, começou a ter problemas de convivência com sua esposa. Ela, de sua parte dizia que fazia isso para o bem dele, que o relacionamento com certas pessoas não fazia bem ao casamento. No entendimento dela, cercear as relações do esposo garantia a continuidade do casamento, mas isso vinha mostrando o contrário. Num trabalho feito com o casal, foi possível desenvolver um meio termo onde tanto para ela quanto para ele seria possível manter a relação.
 Se perceber amputado ou ser aquele que amputa não é bom nem mau, nem certo e nem errado, tudo precisa ser avaliado no relacionamento em questão.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Modelo Mental

Kant, filósofo alemão, diz que o homem tem um esquema mental que o permite reconhecer e agrupar as coisas de acordo com suas categorias. Para ele as categorias já estão em nós, ou seja, é uma característica inata do ser humano, aspecto que a Filosofia Clínica discorda. Outro filósofo, chamado de Arthur Schopenhauer, diz que o mundo é de acordo com minha representação, ou seja, existe um mundo diferente para cada pessoa. Unindo as ideias destes dois grandes pensadores pode-se dizer então que para cada um o mundo é vivido de maneira diferente e ainda que cada um tem um modelo mental através do qual percebe e classifica o mundo que está a sua volta. Desse modo, alguns  modelos mentais permitem que algumas pessoas andem pela cidade e percebam certas coisas, como carros, pessoas, estradas, prédios, mas não lhe permitem ver as flores, os pássaros, os cachorros, a grama verde.
Agora, imagine que você gerencie uma organização. Nela, de acordo com o seu modelo mental que orienta a sua representação de mundo, existem muitos problemas. Ao longo de sua vida como gestor procura acertar as questões que percebe para tornar seu negócio cada vez mais rentável, mais competitivo, mais viável. Um pai de família faz o mesmo em sua casa, quando percebe que tem problemas em sua família procura corrigir, conversar, ensinar. Assim também acontece, provavelmente, com um professor, pois este identifica o que precisa ser ensinado e começa seu trabalho. Enfim, de acordo com o modelo mental de cada um e a representação de mundo gerada pelas vivências só é possível resolver algumas coisas, muitas outras ficam de fora.
Um gestor pode, ao longo de sua caminhada, perceber que resolveu todos os problemas que parecia ter e ainda não conseguir chegar ao seu objetivo. Ao perceber isto contrata um consultor, uma pessoa que vai auxiliá-lo na identificação das questões que limitam seu desenvolvimento. O consultor, pelo seu modelo mental percebe muitas coisas que são tão ou mais importantes do que as questões trabalhadas pelo gestor. O consultor faz o levantamento, aponta as questões e sugere soluções, que em sua visão terão o melhor efeito para as questões propostas. Cada um a partir de seu ponto de vista percebe algumas coisas e não percebe tantas outras. Um gestor atento se apropria do conhecimento trazido pelo consultor e agora também ele tem em seu modelo mental abertura para as questões observadas pelo consultor.
Em uma família, assim como na gestão, cada qual tem seu modelo mental diferente. Há casos encontrados no consultório onde marido e mulher já não se entendem, estão com dificuldades em afinar suas conversas. Ao observar cada um em separado, existe a vontade de melhorar o relacionamento, mas cada qual a seu modo está tentando do jeito errado. O modelo mental do marido aponta que o problema no casamento só pode ser de ordem financeira, enquanto pelo modelo dela o problema no casamento só pode ser de ordem extraconjugal. Assim, ele procura cada vez ganhar mais para tentar solucionar o problema do casamento com dinheiro e ela tenta resolver o problema do casamento marcando em cima. Como terapeuta é preciso apontar ao casal que existem diversos problemas que podem afetar o relacionamento e assim abrir aos olhos para uma questão simples: talvez o problema do casamento é o fato de que não conversavam mais antes de tomar uma decisão.
Kant estava certo sobre os modelos mentais, sua incorreção estava em entender que todos tínhamos o mesmo modelo. Em Filosofia Clínica percebemos que para cada ser humano existe um modelo mental único, e assim precisa ser tratado em cada contexto. Um modelo mental está em constante construção, algumas vezes o que a você é impensável alguém já pensou. Se em seu modelo mental existem problemas, podem haver modelos mentais nos quais existam soluções para os seus problemas.

Rosemiro A. Sefstrom