O que não temos
Há um tempo atrás
escrevi algo sobre Papéis Existenciais, ou seja, o rótulo que nos damos. Este
papéis ou rótulos são como um casaco, um uniforme que vestimos em cada uma das
nossas atividades da vida. Quando estamos em casa somos pais, maridos, irmãos;
no trabalho, somos colaborador, gerente, diretor, dono, e assim por diante.
Para algumas pessoas esses uniformes mudam conforme a pessoa muda de acordo com
as circunstâncias. Um exemplo, apenas para ilustrar é o caso de uma pessoa que
frente a uma platéia fala, graceja, tem uma desenvoltura de dar inveja, ele é
palestrante. Quando desce do palco e assume o papel existencial de namorado tem
grandes dificuldades para dizer o que sente para sua namorada. Algumas pessoas
mudam tanto que quando assumem um determinado Papel Existencial não reconhecem
a si mesmas.
Cada vez que falo
nestes rótulos lembro-me de um antigo desenho da década de 1950 da Walt Disney,
no qual Pateta vive um motorista e a Motor Mania. No início do desenho o
narrador faz a descrição de uma das melhores pessoas que se pode conhecer na
vida, o senhor Walker. A expressão usada para definir este senhor é: “Viva e
deixe viver”. No entanto, quando ele pega no volante ele muda tanto que sua
personalidade muda completamente, ele se torna o motorista. Do momento em que
se torna motorista até o momento em que desce se torna um homem furioso, mal
educado, violento. Ao descer do carro, novamente retorna ao personagem calmo,
educado, uma pessoa de índole invejável. É uma história simples, mas de uma
profundidade impressionante, lembrando o quanto algumas pessoas se transformam
ao se revestirem de outro papel existencial. Como o pai, aquele homem rude,
bruto, quase violento quando educou seus filhos, e que hoje é um homem calmo,
doce, quase bobo, no papel de avô.
Há um tempo atrás, em
reflexões durante nossos encontros de Filosofia Clínica Packter dizia: “Existe
coisa mais injusta do que cobrar algo que o outro não tem para lhe dar?”
Algumas pessoas, para não dizer a maior parte das pessoas assume pela vida
diversos papéis existenciais e em alguns se torna muito boa, em outros nem
tanto. Como aquela menina, que é uma ótima filha, ótima neta, uma namorada
perfeita, como profissional, irrepreensível, mas uma péssima mãe. Em cada um
dos rótulos que ela assumiu aprendeu a fazer ou não determinadas coisas para
cumprir a caminhada daquele papel existencial. Alguns filhos nunca perceberam a
perfeição de sua mãe nas mais diversas áreas, mas cobraram e muito o que ela
não tinha para dar, o ser mãe.
Em alguns filhos, existe
a mágoa por não se sentirem amados pelo
pai, pois, segundo eles seu pai nunca os amou. Talvez até tenham razão. Mas
quantos destes pais, depois de adultos mostram que podem não ser pais, nunca
assumiram este uniforme, mas são e serão ótimos amigos dos filhos. Dão aos
filhos todo o amor que não tinham para dar como pai através da amizade. Nas
ideias é bastante simples de dizer e até mesmo de entender, mas na prática esta
facilidade desaparece. É interessante entender que serei um bom amigo, filho,
neto, marido, mas talvez não seja um bom pai. Não por falta de querer, esforço
ou dedicação, mas porque não tinha na minha estrutura o necessário para ser
pai.
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