Encontro Nacional

Encontro Nacional

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Ser - Humano

Há em filosofia alguns termos ou formas de se abordar as relações. Tais termos foram trabalhados nos últimos artigos. O tema das relações está presente em nosso cotidiano, reforçado por determinadas notícias que se espalham pela televisão, internet e outros veículos de comunicação. Sendo assim, acredito ser pertinente, por exemplo, a notícia que apareceu numa terça-feira, dia 07 de fevereiro de 2012, referente à troca de casais que está ocorrendo num programa de televisão. Parece que aos poucos a relação entre uma pessoa e outra pessoa está se tornando uma relação entre uma pessoa e um objeto. É interessante observar que este comportamento não se vê só lá na televisão, também se vê no dia-a-dia, em casa, na escola, no trabalho, etc.
Nos artigos anteriores, talvez a linguagem usada, por se tratar de filosofia, tenha ficado um tanto inacessível. No presente artigo, usarei argumentações muito simples. Em Filosofia Clínica, há um termo chamado Interseção de Estruturas de Pensamento, ou seja, a relação que se dá entre dois seres vivos, a relação que se dá como troca. A Interseção de Estruturas de Pensamento supõe que eu entre em contato com o outro na medida em que ele entra em contato comigo, o outro pode ser uma pessoa ou mesmo meu animal de estimação. O outro na interseção é alguém que, como eu, contribui na relação e não é objeto dela. Uma interseção de EP, como é mais comumente conhecida, pode ser positiva, negativa, variável ou indefinida.
Desenvolver uma interseção, ou seja, amarrar laços com outra pessoa é se colocar e receber o outro num espaço de construção coletiva. Esse espaço normalmente não depende somente de uma das partes, mas das duas partes. Se, pela manhã você vai até a padaria comprar pães e é gentil com o vizinho que mora duas casas além da sua na direção da padaria, será que lhe será grosseiro? Ainda que ele o seja, a parte para a construção de uma interseção positiva partiu de você. Uma relação agradável na qual tanto eu quanto o outro estejam bem é uma interseção positiva.
Quanto você sai nervoso pela manhã, entra em seu carro e se transforma, fica grosseiro, mal educado, será recebido com gentileza? Neste exemplo, caso a interseção ocorra de maneira negativa, partiu de você. Este tipo de interseção se dá quando uma ou as duas partes não se sentem bem na relação.
Uma relação na qual você está com a pessoa e hora está bem, hora está mal, tanto para você quanto para ela, é uma interseção variável. E há ainda interseções que acontecem e que não se pode dizer se são positivas ou negativas, sendo caracterizadas provavelmente por indefinidas.
Mas veja, em todo o caso, as interseções se dão entre seres com vontade própria, com arbítrio sobre suas ações, pelo menos até certo ponto. Em se tratando de pessoas, não é você e nem ele o culpado, mas vocês. Mas, e numa relação com objetos inanimados, quem é o culpado quando o objeto estraga? Quem é o culpado pelo mal uso de um objeto? Diferente de uma interseção, onde você e o outro têm vida, numa relação em que você coloca o outro como algo separado, este outro se tornou objeto. Você, por si mesmo, pode se fazer objeto quando não entrar em interseção consigo mesmo como pessoa.
Ser: uma palavra que define movimento, indica o que cada um é agora, mas isto a partir de si mesmo e do outro. Uma interseção, ou seja, uma relação entre dois seres deve ser construída num espaço comum aos dois seres. Relacionar-se com coisas é se colocar acima delas, ter o poder de fazer nascer e morrer, talvez. O entendimento de que você não é objeto e o outro não é objeto deveria fazê-lo compreender que a sua vida está diretamente ligada a do outro, seja ele quem for.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Dinheiro

Em Filosofia Clínica há um tópico chamado de Autogenia. Neste o filósofo estuda como os conteúdos da pessoa se relacionam e o que geram. No seu caso, caro leitor, a razão pode relacionar-se de maneira equívoca com a emoção e essa relação pode produzir brigas constantes com o namorado (a). O que acontece é que ao mesmo tempo a Estrutura de Pensamento da pessoa afasta e atrai. Explico: enquanto a razão diz que ele não presta, a emoção pede mais. Quando este conteúdo ganha movimento é estudado ainda de outro jeito, apontando ao filósofo quais os caminhos existenciais possíveis para a pessoa a partir de sua autogenia. A uma que está em harmonia interna diz-se que está autogenicamente bem, e nestes momentos tende a vivenciar coisas boas. Ao contrário, quando uma pessoa está em desarmonia interna, as coisas tendem a não andar bem e é provável que esta vai vivenciar coisas ruins de sua vida.
Quando alguém está autogenicamente mal, o ideal é propiciar harmonia interna a partir do que faz bem a ela. Suponha uma pessoa que esteja vivendo um momento difícil, com falta harmonia consigo mesma, só lhe acontecem coisas ruins. Ela vai ao filósofo e a partir do acompanhamento filosófico descobrem que algo que faz com que ela entre em harmonia consigo mesmo é um bom banho de mar. A pessoa já sabia disso, de certa forma até sentia falta de um banho de mar, mas a “falta de tempo” lhe impedia de ir ao mar para este banho. Outras pessoas, ao longo do acompanhamento, descobrem que o que lhes coloca em harmonia são trabalhos manuais como jardinagem, carpintaria, escultura, pintura, enfim. Tudo o que faz bem autogenicamente a uma pessoa é um bom vizinho, ou seja, vizinhos que podem promover harmonia na Estrutura do Pensamento.
Quando uma pessoa começa a perceber os vizinhos que lhes fazem bem pode escolher o que quer ter ao seu lado. Pode selecionar os elementos que quer ter como vizinho, como você que ao longo do seu dia pode escolher como vizinho as preocupações com o futuro, que causam incômodo, ou uma boa xícara de café, que lhe traz harmonia. O problema é que algumas pessoas não se conhecem e selecionam elementos que lhes fazem mal como vizinhos. Em uma aula perguntei aos alunos qual seria um vizinho que lhes traria harmonia interna e um dos alunos respondeu: “Dinheiro”. Segundo ele, o dinheiro traz tranquilidade e outras tantas coisas que lhe trariam harmonia interna. Depois de ouvi-lo atentamente perguntei ao aluno o que o dinheiro trazia consigo e ele não soube responder. Para você: o que o dinheiro traz consigo? Um bom vizinho traz consigo outros bons vizinhos, um mal vizinho traz consigo outros maus vizinhos.
Para algumas pessoas dinheiro é um péssimo vizinho, causa uma desarmonia enorme, traz sofrimento.  Quando isto acontece a Estrutura de Pensamento acaba por inviabilizar as oportunidades em que a pessoa poderia ganhar dinheiro. Assim, eu quero ganhar dinheiro, monto projetos, me esforço e não consigo, mesmo querendo, minha Estrutura de Pensamento, afasta as oportunidades de ganhar o dinheiro. Um exemplo bem prático: havia um amigo que sempre queria ganhar dinheiro, pegava bons trabalhos, iniciava ganhando bem, mas ao ser contrariado pelo chefe dizia: “Só porque ganha mais que eu quer ser mais que eu”. Um de seus valores, a humildade, não combinava com ter dinheiro. Como a humildade era muito mais forte do que ter dinheiro, todas as vezes que teve a possibilidade de ganhar bem, acabava “perdendo” a oportunidade.


Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Rótulo!
                                                
Acordei pela manhã, olhei para o lado, uma linda mulher diz: “Amor!” Meu coração derrete, sou um romântico apaixonado, cheio de amor para compartilhar com ela. Levanto, me preparo e vou para a cozinha, lá um menino de uns 16 anos diz: “Pai!”. Fico sisudo, com cara de quem está organizando um time de futebol, converso em tom sério, poucas palavras, mas todas com medidas exatas. Trato com carinho, mas com cuidado para não deixar de entender que pai é aquele que comanda a família. Logo depois, um pouco atrasada chega à mesa do café uma pequena de 04 anos e diz: “Paizinho!” Mesmo sério, o coração derrete, pego a pequena no colo, faço brincadeiras com ela e encaminho seu café.
Ao sair de casa encontro pela estrada pessoas que me chamam de vizinho, ou seja, alguém que está próximo a eles. Nesse papel, sou uma pessoa admirada, correta, que tem boas relações com as pessoas próximas ao local onde moro. Ainda pela estrada em direção ao meu trabalho, sou parado pela polícia que faz uma blitz. Para estes, sou motorista, não interessa a eles se sou marido, pai, paizinho ou vizinho. A eles cabe avaliar-me como condutor, pedem meus documentos e os do veículo e analisam para saber se sou bom motorista.
Alguns minutos depois, estou na empresa onde trabalho. Logo na entrada, uma moça ao telefone me chama de senhor. No caso dela, senhor porque sou encarregado daquele setor. Como senhor, chefe ou encarregado, um dos muitos nomes que dão para os gerentes administrativos sou um homem duro, com poucas palavras e muita ação. Comando meus colaboradores com tranquilidade, pois sou respeitado pela minha trajetória na empresa. Quando chego ao meu setor de trabalho, minha mesa para ser mais exato, encontro meus colegas de trabalho, pessoas que compartilham o cargo de gerência em outros setores. Com estes minha relação é de iguais, tanto para mim quanto para eles procuro agir de maneira a privilegiar a empresa e não o gerente X ou Y. E assim passo o meu dia.
Na volta para casa encontro minha mãe, para quem sou o filho, neste caso nada interessante. Para minha mãe sempre fui o filho problemático, aquele que mais deu trabalho, que tinha tudo para ser o dono da empresa, mas sou gerente. Sou também aquele que casou com a mulher errada e assim por diante, mas, segundo ela, ela me ama mesmo assim. Chegando em casa encontro minha esposa e retomo minha rotina de marido, pai e paizinho.
Aqui misturei dois ingredientes muito interessantes. O primeiro deles é o Papel Existencial que tenho em cada um dos lugares em que passo. Esse papel existencial é como um rótulo que uso e com ele todas as atribuições referentes a este rótulo. Mas adicionei também o que penso de mim mesmo em cada um destes rótulos ou Papéis Existenciais. Porque algumas vezes sou o meu papel existencial, ou seja, algumas vezes sou pai mesmo, marido, e tenho as características que o rótulo exige. Em outros casos, são outras pessoas que vêem e identificam singularidades que me fazem ser isto ou aquilo, não sou eu que digo de mim, mas outras pessoas.
Algumas vezes o que penso de mim mesmo e/ou os meus papeis existenciais combinam. São aqueles casos em que a pessoa tem clareza do papel que exerce em cada momento de sua vida. Existem os casos contrários, em que a pessoa não tem a menor ideia a respeito de si própria e assume o que é dito pelos outros, vivendo a mercê do que os outros lhe impuserem como rótulo. Há muitas possibilidades, mas podemos pensar em duas: na primeira eu me torno refém da ideia que tenho a respeito de mim mesmo, e na segunda torno-me refém de pessoas que algumas vezes nem conheço.


Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Re-unir os cacos!

Em Filosofia Clinica existe um procedimento clinico, ou seja, uma ferramenta que o filósofo usa no seu trabalho que se chama reconstrução. A própria palavra já diz praticamente tudo, é uma ferramenta que possibilita ao terapeuta remontar à pessoa situações que viveu e que se perderam. No dia-a-dia muitas pessoas já usam a reconstrução, fazem o processo de recuperar antigas vivências, mas nem sempre de maneira produtiva. O terapeuta, quando precisa usar esta ferramenta, ele sabe o que vai reconstruir junto com a pessoa. O relato Werther no livro Os sofrimentos do jovem Werther mostra um pouco de como funciona essa técnica.
“Foi um magnífico nascer do sol: a floresta úmida e a planície cochilavam. Ela perguntou-me se eu não queria fazer o mesmo acrescentando que eu não me acanhasse por causa dela.
_ Enquanto eu puder ver esses olhos abertos – respondi, olhando-a intensamente -, não corro o risco de adormecer ”. (Página 37)
No relato acima a pessoa reconstruiu boas memórias, um momento em que provavelmente viveu algo muito bom. Mas nem sempre é assim, existem muitas pessoas que passam os dias retomando memórias, emoções, sensações, muito ruins. Estas pessoas habilidosamente pegam um evento em sua vida que lhes causa grande sofrimento e retomam desde o início até o fim. Em cada pedaço de sofrimento, até que este sofrimento esteja presente agora, assim como foi no passado.  O problema é que estas pessoas fazem reconstruções de coisas que lhes fazem mal, usam uma ferramenta poderosa para machucar a si própria e os que a rodeiam.
Outras pessoas ao longo da vida quebram, uma empresa, um casamento, um namoro, uma amizade. Os motivos pelos quais elas quebram não vem ao caso, mas interessa saber que muitas delas querem reconstruir o que quebrou. Algumas destas pessoas reconstroem tudo com tanta perfeição que até mesmo os defeitos que haviam na empresa, relação. Esse tipo de reconstrução levará a pessoa a reviver tudo novamente, ou seja, provavelmente irá quebrar outra vez.
Há quem diz que se reconstruir um casamento faz com que ele não seja mais o mesmo, verdade. Em muitos casos ele fica muito melhor, algumas pessoas, diferente daquelas do parágrafo anterior, quando reconstroem, elas aprendem com os erros de sua última construção. Pessoas assim costumam caminhar para frente, aprendendo com as vezes que quebraram.
No entanto, muitas pessoas não usam este procedimento, muitas pessoas quebram e deixam os pedaços pelo caminho. Para estas o passado é diferente do presente, que vai ser diferente do futuro e não há motivos para ficar reconstruindo se podemos fazer coisas novas. Para quem vive com pessoas que não fazem reconstrução uma dica, quando estas pessoas quebrarem algo, provavelmente não tem volta. E elas pode quebrar um casamento, uma amizade, um grande amor, mas mesmo querendo, não vão voltar. Para estas pessoas a vida só caminha para frente, não há como reunir as peças.
Reconstruir é juntar os cacos, reorganizar as partes em torno daquilo que antes já foi um todo. Usar este procedimento pode ser de grande valia se estivermos reconstruindo boas memórias, sentimentos, ideias, sensações. Da mesma maneira a reconstrução pode ser um Calvário aos que retomam suas piores dores, seus piores pesadelos.


Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Retórica e “Fazetórica”

A palavra retórica pode ser encontrada em latim como rhetorica, mas sua origem é grega sendo originária do grego ητορικ τέχνη. Seu significado pode ser traduzido como a arte ou técnica de bem falar. De maneira mais completa, pode-se dizer que a retórica é a arte de usar as palavras para dizer o que se quer de forma eficaz e persuasiva. Esta arte era bem conhecida dos filósofos que discutiam desde o período grego com Sócrates sobre a falsidade do conhecimento ensinado pelos sofistas no uso da retórica. A estes profissionais não interessava a verdade ou falsidade nos seus ensinamentos desde que conseguissem com as palavras derrubar seu oponente.
Nas organizações, na política, nas igrejas não é muito diferente: existem muitas pessoas que fazem uso da arte de bem falar para convencer. Não há para algumas destas pessoas o compromisso com o que dizem, desde que convençam os ouvintes de que suas palavras são verdadeiras. Numa organização, existem muitos que têm teorias e receitas para tudo, que na hora de se posicionar são firmes, convencendo até aos mais experientes, mas é só. Muitas destas pessoas conseguem fazer tudo o que dizem somente nos seus pensamentos, na prática nada disso se concretizará. Não há nada de mais nisso, dependendo do local onde estiverem na empresa, ou seja, se estiverem em setores que precisam de teoria, ideias, divagações, perfeito, o problema é quando são alocadas em setores que precisam da “fazetórica”.
Diferentes daqueles que usam a retórica existem outros que são os ditos da “fazetórica”. Trago este termo de um ditado de um amigo que diz: “É muita retórica e pouca fazetórica”. Neste ditado ele expressa a opinião que não adianta teoria sem prática, como diz na Bíblia, a fé sem obras é morta. Por mais que algumas empresas já tenham adotado sistemas de participação nas melhorias, por mais que aproveitem as ideias de seus colaboradores, o que se precisa deles é a “fazetórica”. Tanto é que cada vez mais se encontram pessoas que trabalhavam na área produtiva da empresa e que, quando promovidas, desenvolvem ansiedade, depressão, síndrome do pânico. São pessoas que têm a prática mas não conseguem transformar a prática física em prática do pensamento. 
Num artigo anterior falei sobre decidir, neste artigo apontei que existe uma diferença entre decidir e fazer. Em Filosofia Clínica atendemos muitas pessoas decididas, com uma retórica perfeita, mas com uma “fazetórica” muito pobre. Em outras palavras, elas vivem nas ideias e não nas sensações. Para pessoas assim, decidir nada tem a ver com colocar em prática. Existem pessoas que padecem muito disso, decidiram e se convenceram via retórica que é hora de começar um regime, mas não conseguem ir às vias de fato. O que elas têm enquanto ideia não se torna prática. Numa organização há lugar para todos, tanto os que são especialistas em retórica quando os que são especialistas em “fazetórica”.
O ideal, digo ideal porque geralmente não é o que acontece, é que se conheça cada pessoa para saber se ela é das ideias ou das práticas. Combinar as qualidades teóricas e práticas pode ser interessante, mas há muitas atividades que só os teóricos poderão acessar, assim como existem atividades que só os práticos terão acesso. Voltando à Bíblia, pode-se citar a passagem de Marta e Maria onde Jesus mesmo aponta para uns a retórica e a outros a “fazetórica”.

Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Relevante, Importante ou Determinante?

Em Filosofia Clinica, quando se vai atender uma pessoa, pede-se a ela que conte sua história de vida. A partir desse material o filósofo elabora o que chamamos de Estrutura de Pensamento e busca os submodos informais que serão usados didaticamente com a pessoa. Mas, enquanto o filósofo coleta os dados da história da pessoa seus conteúdos começam a aparecer basicamente de três modos, relevante, importante e determinante. Há um quarto tipo de conteúdo, o irrelevante, deste tipo de conteúdo o filósofo pouco ou nada se ocupará. A distinção dos conteúdos acontece para que o terapeuta dispense atenção com os conteúdos existências que será trabalhados ao longo da terapia.
O primeiro tipo de conteúdo é o relevante, segundo o dicionário, relevante é aquilo que se destaca, ou seja, que se sobressai. Estes conteúdos são aqueles que aparecem de maneira diferente dos demais, ou seja, que se apresentam mais abertamente, que se destacam. É como uma pessoa que todos os dias é calma, doce, tranqüila e num dia tem um acesso de fúria e quebra o telefone frente aos colegas de trabalho. Por mais que o acontecido não seja um fato isolado, é relevante, isso porque se destaca do comportamento comum.
O segundo tipo de conteúdo é importante, de acordo com o dicionário, importante é aquilo que desfruta de autoridade, que é essencial. Em Filosofia Clinica o terapeuta observa na história da pessoa os conteúdos importantes, não necessariamente são relevantes, mas  importantes. Um exemplo claro é aquele homem que pouco fala de sua vida, de suas coisas, mas que coloca em primeiro lugar na sua vida a família. Aqui a família não está em relevo, mas é tida como essencial.
Por fim temos os conteúdos determinantes, pelo dicionário, determinante é aquilo que determina, pode ser entendido ainda como causador. Veja que aqui não é relevo, nem importante, mas o que determina, o causador. Este tipo de conteúdo que se encontra na história de vida da pessoa é aquele que movimenta, que faz a atitude acontecer. Pode ser o caso daquela menina que sabe da importância da família, se coloca em destaque no namoro, mas seu amor determina um comportamento de submissão. Esse exemplo é para ilustrar que mesmo com conteúdos importantes e relevantes, se eles estiverem indo contra um determinante, provavelmente perderão.
Tudo isso foi dito para levar a uma pequena reflexão, de acordo com o seu dia, com os seus compromissos. Pare um pouco, pegue um pedaço de papel e uma caneta e anote. Primeiro anote aquilo que para você é relevante, ou seja, aquilo que merece destaque, que se sobressai. Depois disso, em uma segunda etapa anote o que é importante, que merece sua atenção pela necessidade que tem. Por último veja se o que é relevante e importante está de acordo com o que domina sua vida.
Muitas pessoas tem como relevante a própria saúde, como importante a família, mas o trabalho é determinante. Esses são os mesmos que um dia acordam, olham para trás e se lamentam porque tudo o que era importante se perdeu pelo caminho. Aquilo que for determinante dará a direção, orientará a existência. Veja se o que orienta sua existência não é exatamente aquilo que é irrelevante, fútil, banal.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Muito além do currículo

Qualquer profissional que já concorreu a uma vaga numa entrevista de emprego deve conhecer a palavra currículo ou curriculum vitae. Pessoas com formação acadêmica geralmente elaboram seu currículo na plataforma online do Lattes, fazendo o que chamam de Currículo Lattes. Este fica a disposição de qualquer instituição, podendo ser acessado via internet. De acordo com definições de dicionários e internet currículo significa trajetória de vida, mas como documento de qualificação profissional tem como intenção mostrar de modo sintético as qualificações e aptidões do profissional. As qualificações começam a ser descritas pela formação educacional, com informações tais como: ensino médio ou superior, pós-graduação, mestrado, enfim. Dentre as aptidões estão tarefas que a pessoa está apta a realizar, as quais podem ser, entre outras: espírito de equipe, liderança, falar em público, etc. Com poucas palavras e de forma objetiva, o currículo descreve o profissional que será entrevistado e posteriormente contratado.
Há muitos casos em que ocorre a contratação de um currículo: a empresa lê o perfil profissional do indivíduo, sua qualificação e aptidões e encontra o candidato perfeito. O mesmo vai para a entrevista e é visto como um bom profissional para a empresa, mas os selecionadores podem esquecer-se de um elemento muito importante neste caminho. Como profissional ele pode ser uma ótima aposta, mas e como pessoa? São comuns os casos onde a organização contrata um currículo maravilhoso, confere a este currículo expectativas e se frustra porque a pessoa por trás da qualificação e aptidão não combina com a organização. É interessante ter o entendimento de que o profissional e a pessoa que ele é não são boas ou más, o que pode ocorrer é o candidato não estar em harmonia com o jeito de ser da organização para a qual foi contratado. Alguns destes profissionais, pela expectativa que foi colocada sobre eles, têm sérios problemas para superar o desligamento.
Ao contratar é importante perceber que há uma pessoa por trás do currículo, que esta pessoa tem seu jeito de ser, é singular. A singularidade da pessoa não é menor que a singularidade da organização, eis a grande questão. Alguns podem alegar que a pessoa é do ramo, trabalhou em outras organizações e conhece o negócio, mas estas outras organizações tinham outro jeito de ser. Uma organização situada em São Paulo, com mil e quinhentos funcionários tem um jeito de ser diferente de uma organização situada em Criciúma com trezentos funcionários. Um profissional, por mais que tenha um ótimo currículo, pode não ser uma pessoa que vai se adaptar a viver em uma cidade menor, pode ser uma pessoa que não vai se adaptar à cultura da organização. Para saber se organização e profissional contratado são compatíveis é preciso conhecer a cultura da organização e a pessoa que está vindo, não um perfil de currículo, mas a pessoa por trás deste papel.
As contratações de currículo são ruins para os dois lados. Para o profissional, que pode se frustrar por vir para uma organização onde apesar de sua qualificação, não consegue trazer os resultados e para a organização, pois uma pessoa mal alocada pode gerar um desconforto muito grande aos que serão colegas deste novo profissional. É comum acontecer tanto demissão em massa quando pedidos de demissão em massa e, neste processo, tanto organização quanto profissional são prejudicados. A organização por perder seus resultados e o profissional por ficar “queimado” diante do mercado. Como já apontado, para não ferir a pessoa que está chegando na empresa e as pessoas que já estão nela, é importante conhecer o perfil organizacional e da pessoa. Somente assim é possível saber se o contratado (a) fará par com aqueles que já fazem parte da organização.


Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Relações de Mercado

Algumas pessoas passam pela vida como mercadores existenciais: para elas tudo não passa de mais valia ou lei da oferta e da procura. Não é difícil ver pessoas assim: basta ouvir com um pouco de atenção as novelas da programação televisiva e perceberá. Pessoas que tranquilamente pesam, quantificam o que receberam e, de acordo com isso, fazem a devolução. Assim, o menino procura uma menina para namorar, sendo que durante o namoro ambos dispensam um tempo para o outro. Naturalmente e culturalmente o menino presenteia a menina em cada uma das datas que lhes é comemorativa. Depois de um tempo, o relacionamento não vai bem e eles terminam. Fica evidente a relação mercadológica das emoções quando o menino diz: “Depois de tudo o que eu te dei, de todo o tempo que dediquei a você é isso que eu ganho em troca?” Do lado da menina a frase que aparece é um pouco diferente: “Eu gosto de você, mas você não é o que eu quero para mim”.
Em Filosofia Clínica, como já dito em outros artigos, aprende-se que cada um tem conteúdos internos relacionados das mais diversas formas. Neste caso os conteúdos que aparecem no menino são as emoções e comportamento e função. As emoções são estados afetivos vividos pela pessoa, os quais podem ser: raiva, amor, paixão, ódio, saudade, etc. Já o comportamento e função é um conteúdo que traz consigo a relação de causa e efeito, como a de ligar o ar condicionado para refrescar. No menino esta relação dos conteúdos é clara por vermos que o menino gosta da menina, mas sua relação se dá de maneira que ele tem um comportamento, dedicar tempo, dar presentes, intencionando uma função: conquistar a menina. Na menina a relação entre comportamento e função e as emoções também acontece, mas a ela o conteúdo das buscas também interfere. As buscas são conteúdos que dizem para onde uma pessoa se direciona existencialmente, desde uma busca pequena e próxima até grandes e distantes. Para a menina, mesmo ela se relacionando com o menino de maneira mercadológica ela sabe o que quer, ou seja, sabe o que intenciona quando entra num relacionamento.
O exemplo acima é a base para entender porque, muitas vezes, haverá pais que depois de criar os filhos cobrarão deles tudo o que lhes foi investido. Não é necessariamente o dinheiro que foi investido, mas os estudos, as namoradas, o curso superior, o emprego, o sucesso profissional. Não é difícil ouvir e ver nas novelas pais e mães que dizem em alto e bom som: “Foi dado de tudo e é assim que retribui!” Aquele que deu, por ter forte o comportamento e função, entende que aquele que recebeu deve obrigatoriamente devolver. Para ser ainda mais claro, veja-se a novela na qual a mãe coloca as filhas como o seu investimento, ou seja, o trampolim para subir socialmente. A mãe chega a controlar se as filhas perderam a virgindade, dizendo que esse era o seu maior tesouro, praticamente em sentido literal.
É necessário entender que pessoas que funcionam assim não são más ou têm qualquer tipo de defeito de caráter. Pessoas que se estruturaram desta maneira, têm as questões emocionais como mercadoria e tratam estas como tal. Não quer dizer que não sofram, não sintam as dores emocionais como qualquer outra pessoa, mas mesmo a dor será tida como produto de uma relação de causa e efeito, comportamento e função. O interessante é que a educação de muitas crianças está acontecendo por este viés nos dias atuais, elas aprendem que a mãe dá amor, mas para isso ela tem de fazer o que a mãe quer.

Rosemiro A. Sefstrom 

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Reificação

Há um autor que é constantemente criticado pelo que produziu, pela maneira como falou a respeito da sociedade capitalista: Karl Marx. Este autor trabalhou com o conceito de Reificação. Para ele esse conceito denuncia a transformação de uma ideia em uma coisa, além de caracterizar a transformação das relações sociais em coisas que podem ser negociadas. Essa relação mercantil entre as pessoas é tida por Marx como uma forma de alienação, entendendo por alienação a dificuldade de a pessoa pensar por ela mesma. Em outras palavras, reificar é pegar uma ideia e torná-la um produto, essa crítica está justamente na coisificação do ser humano.
Partindo desse conceito de reificação, convido o leitor a pensar no atual modelo de vida em que muitos procuram ser um produto a ser comprado. Quando as moças se colocam em “panos novos”, vão às melhores casas de show e procuram pelos pretendentes com maior poder aquisitivo,  elas estão reificando a si próprias. São pessoas que colocaram preço em si mesmas e se tornaram objetos de negócio, se colocam na vitrine e esperam a melhor oferta. Apenas para não ser unilateral, também se pode pensar no menino, que logo que possível compra roupas de marca, frequenta as melhores baladas, algumas vezes ao custo do salário do mês, sendo que todo o gasto com a aparência pode se reverter na “menina dos sonhos”, uma menina que se comprou com uma imagem irreal, sustentada a muito custo.
Não há crime em ser produto e se vender, assim como não há crime em escolher o melhor produto e comprar. A questão é que algumas pessoas se apresentam como produto e querem ser tratadas como gente. Se for vendido, é produto. O comprador também precisa ter em mente que como comprador deve honrar com seus compromissos: a menina comprada deve ser mantida. O menino que comprou tem obrigação de manter, se não tem para manter deve devolver ou repassar a alguém que possa manter. Duro? Não, muitas pessoas têm relação reificante onde se colocam como produto ou comprador. Em tempos atuais podemos perceber na TV, por exemplo, que, tanto produtos quanto compradores se espantam quando são colocados frente a si mesmos. O espanto está em perceber que já não são mais gente, são coisas que tem preço, não valor, mas preço sujeito a lei da oferta e da procura.
Mas, se a relação é boa, se comprador e produto se dão bem e entendem que é uma relação com prazo de validade? Sou eu que vou criticar, dizer que estão errados? Não! Devo apenas lembrar de que comprador (gente) e produto (gente) estão sujeitos ao mercado. Como filósofo digo apenas que Marx previa isso há muito tempo, previa que cedo ou tarde as ideias não seriam mais suficientes, pessoas se tornariam produtos vendáveis. Como lidar com isso? Caso tenha uma filha ou filho, você mesmo, pense um pouco em como está se comportando: como gente ou como produto? Algumas coisas fazem de você produto e lhe atribuem preço, outras características fazem de você gente e lhe dão valor.
Quando uma moça sai de casa para dançar, conhecer os meninos, namorar, e se posiciona diante dos meninos como gente, isso lhe dá valor. Quando a moça sai de casa para ir a uma festa para arrumar um bom partido, fica com quem tem mais ou pode lhe proporcionar o melhor, ela tem preço. O menino que gasta seu salário para ir na melhor balada e ficar com as meninas da classe X é comprador, tem preço. O menino que vai a uma festa de acordo com suas condições, conversa com as meninas, conhece e se aproxima de quem tem a ver com ele, esse tem valor. É apenas uma ilustração da diferenciação entre valor e preço, mas serve de reflexão. Pense se você está reificando a si mesmo como produto ou se dando valor.


Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Recompensa

Ser líder em uma organização não é algo necessariamente fácil, muitas vezes são indispensáveis tomar certas atitudes que não agradam ao líder, mas são imprescindíveis ao bom funcionamento da organização. Em tempos de revolução industrial ser líder era basicamente fazer cumprir, mandar, obrigar e descartar os que não serviam. Já no século XX começa o movimento em que as lideranças passam a ser objetos de estudo, tendo obras de autores como Peter Drucker que conceituam uma liderança eficaz. No entanto, estas lideranças ainda eram observadas do ponto de vista da tarefa a ser desenvolvida. Já no final da década de noventa, início dos anos dois mil, uma nova corrente aponta o líder como alguém que congrega pessoas para conquistar objetivos. Esta pequena retrospectiva mostra que os tempos mudaram, as pessoas mudaram e as lideranças precisaram mudar para continuar atingindo seus objetivos dentro da organização.
No Brasil atualmente há uma dificuldade na retenção de mão de obra, as pessoas entram numa organização e logo estão de saída. Entre os vários motivos um deles chama a atenção: a dificuldade na ascensão dentro da estrutura organizacional, ou seja, a demora em ser promovido. Em tempos onde tudo precisa ser muito rápido, mostrar que mudar de posição dentro da empresa é lento pode realmente ser problemático. É justamente neste ponto que o líder pode entrar e exercer um papel fundamental na retenção das pessoas na organização, assim como encaminhar de volta ao mercado de trabalho os que não têm a ver com a empresa. O papel do líder agora, muito mais do que no passado, é formar as próximas gerações de líderes, mostrar o caminho que deve ser trilhado para chegar onde ele está e, principalmente, mostrando como é bom estar onde ele está.
Vamos fazer um raciocínio simples, imagine que eu sou um líder, mostro que o caminho até a liderança é difícil, um “vale de lágrimas”. Ainda mais, demonstro que ser um líder é resolver todos os problemas da empresa sem jamais ouvir um obrigado ou ser recompensado. Se um líder expressa isto com relação ao seu cargo ou à sua organização fica realmente bastante difícil captar ou reter talentos. Uma liderança é uma via de expressividade da organização com seus colaboradores, sendo que, quanto mais alto o posto ocupado por uma liderança, maior a responsabilidade com o que expressa para seus liderados. Muitos querem ser os proprietários da empresa porque entendem que a recompensa dos sacrifícios de ser donos são recompensadores mesmo que em muitas oportunidades o proprietário expresse que estar no seu lugar não é fácil, que teve muitas dificuldades até chegar onde está mas ainda assim vale a pena.
Desta forma, utilizar a expressividade enquanto líder como forma de mostrar que o caminho até chegar a um cargo de liderança não é fácil, mas que é recompensador, será também uma forma de reter os talentos. Existem muitas organizações nas quais colaboradores trabalham por muito tempo somente porque sabem que existe a possibilidade de assumir um cargo de liderança. Mas não porque querem ser líderes naquela empresa, mas porque as recompensas naquela organização estão além de qualquer dificuldade que exista pelo caminho. Expressividade não é somente falar, dizer, escrever, expressividade é algo que vem de dentro, algo que está em mim e vai em direção ao outro enquanto comunicação sincera.
Então, uma das formas de se captar ou reter futuros líderes é mostrar que o caminho até chegar pode ser um pouco difícil, exigente, mas que as recompensas serão muito maiores. Mostrar que minha empresa é um local onde eu quero estar, gosto de estar, que eu recomendo, esta é a postura de um líder que expressa ao seu colaborador como é bom estar na posição onde ele está. Dificilmente alguém irá querer algo que não gosta, usualmente se quer algo que se entende como bom.

Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Quem somos!

Em nossa vida, nem sempre somos os primeiros, nem precisamos ou até mesmo queremos ser. Assim acontece no consultório, lugar onde a vaidade de achar que se sabe alguma coisa sobre o homem, as pessoas, o ser, cai por terra trinta segundos depois de olhar para o outro. Quando olhamos no fundo dos olhos, não interessa a idade, sabemos que aqueles olhos, além de tudo que se possa dizer, nos trazem uma representação de mundo. Além dos olhos temos ainda todos os outros cinco sentidos, além daqueles que ainda não conhecemos, mas podemos conhecer na singularidade existencial. É no consultório e com este outro, diferente de mim, com quem vou construir uma caminhada, longa ou curta, tanto faz, mas uma caminhada que leve o outro à paradeiros por mim ainda desconhecidos.
Quando a pessoa senta-se diante de mim, numa sala de aula, numa conversa, no consultório, sei profundamente que não sei nada além daquilo que sei. Devo estar profundamente aberto, por meio dos olhos, ouvidos, olfato e todos os outros sentidos, para poder acompanhar a pessoa em sua caminhada. As minhas ferramentas, apenas teorias, quem me dá é o outro, pessoa da qual terei de tirar a experiência para poder vencer o caminho que ela me propôs quando começou a partilha comigo. A coragem, o ser destemido, nada além de boatos, sou como um ser qualquer, que tem medo, chora e erra, mas ao lado daquele outro preciso ser mais forte que ele ou ser mais fraco, para que ele seja forte.
Depois de um tempo caminhando juntos me sinto ambientado, acho até que posso perguntar algumas coisas, conhecer de maneira interessada o que ainda não está claro para mim. Mas mesmo quando pego e tomo a direção da conversa faço de maneira singela, simples, de acordo com a caminhada do outro. Com minhas perguntas conheço um pouco melhor os porquês, significados, lembranças, sentimentos, verdades, enfim, conheço um pouco melhor o caminho e a maneira de caminhar deste outro. Quando percebo que minhas perguntas causam dor, procuro parar e retomo o mesmo assunto por outras veredas, que causem menos sofrimento.
Caminhando junto aprendo a seguir o ritmo do outro, seu tempo. O meu de nada serve. De nada me adiantaria entrar no mundo do outro e caminhar à frente dele, pois não veria o que ele vê. Sigo seu passo, marco a passada e caminho junto, se possível respiro no mesmo ritmo, quem sabe assim sentirei como é estar no lugar dele. A cada paisagem que acompanho olho atentamente, não para o que gostaria de ver, mas para aquilo que o outro quer me mostrar. Olho o seu mundo pelos seus olhos, durante esta caminhada deixo meus olhos guardados para as minhas coisas.
Quando a caminhada já está avançada, conhecendo bem o caminho e o caminhante, com minhas ferramentas sugiro formas mais adequadas de se caminhar, ferramentas mais eficientes ou até mesmo eficazes para o trajeto que o outro caminha. Agora, com todo o percurso que percorremos juntos, sou tão próximo dele que algumas vezes posso retirar um obstáculo do caminho antes mesmo que ele escolha caminhar por aquela estrada.
Sei profundamente que não sou eu o ator principal nesta caminhada, e sim, o outro. Sou um coadjuvante, aquele que aparece bem no fundo das cenas. Não é para ser o primeiro, nem o último, mas é para estar sempre ao seu lado que sou o que sou e faço o que faço. Eu sou um Filósofo Clínico e trabalho com gente.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Quem sabe...

Hoje é seu dia! Após jogar na loteria você foi sorteado (a) e tem a sua inteira disposição cem milhões de reais, e agora? O que você faria com o dinheiro? Mas, antes de pensar o que faria com o dinheiro vamos pensar um pouco melhor: como você faria para receber o dinheiro? Sabe-se que o Brasil não é o lugar mais seguro, seria interessante tomar alguns cuidados para receber o dinheiro sem expor-se ou expor as pessoas com as quais você convive. Voltando ainda um pouco mais, quando você conferisse o bilhete e percebesse que o mesmo estava premiado, sua comemoração seria em grande estilo? Como comemoraria? Lembre-se, ao comemorar muito explicitamente ficaria claro que você é o novo(a) rico (a) da vizinhança, atraindo atenção de muitas pessoas, inclusive as que não se quer. Pensar em como fazer para comemorar, como ir receber o dinheiro e muito mais, em como gastar o dinheiro é um exercício de elaboração de hipóteses.
Hipótese em Filosofia Clínica é um tópico específico que cuida de como a pessoa elabora ideias do que fazer com relação ao que acontece. Uma das situações mais comuns de ver uma pessoa elaborando hipóteses é quando se fala em loteria, neste momento a imaginação voa, a pessoa se abre às possibilidades. As possibilidades são exatamente as hipóteses que surgem, ou seja, quando uma pessoa pensa em mais de uma maneira possível de se fazer algo, está criando outras hipóteses. Citamos a loteria justamente porque nem todas as hipóteses que uma pessoa elabora se tornam realidade, muitas delas sequer são possíveis de realizar. Em se tratando de loteria, na maior parte dos casos nem a hipótese de ganhar se realiza, a pessoa passa a vida apenas nas hipóteses.
Por falar nisso, existem pessoas que são muito boas em criar opções para outras pessoas, no entanto, para elas mesmas não conseguem ver mais de uma alternativa para suas questões. É como um empresário que ao observar o problema do outro vê saída por vários caminhos, mas quando olha para a própria empresa não vê chances. Pessoas assim muitas vezes são tomadas com descrédito, isso porque elas estão em situações desfavoráveis, mas mesmo assim apresentam soluções para os outros. Um dos exemplos é o crucificado que estava ao lado de Jesus, dizia ele: Se és Filho de Deus, então desce da cruz! Ajuda a ti mesmo e a nós!” É importante frisar aqui que o crucificado via em Jesus alguém que iria salvá-lo da cruz tirando-o de lá. Mas, como exemplo, é interessante perceber que o prisioneiro mostra a ideia de que só apresenta solução aquele que não tem o mesmo problema.
Outro tipo de pessoa que encontramos em muitos lugares são as pessoas hipotéticas, seres humanos peculiares que tem a incrível habilidade de elaborar hipóteses e não colocar nenhuma em prática. São conhecidos em muitos lugares como sonhadores, pessoas que vivem nas nuvens, para as quais o mundo sempre será melhor, mas que não é porque não colocam em prática suas hipóteses. Alguns criaram empresas em diversos ramos, viram os lucros, os perigos, estão até colhendo os resultados dos lucros, mas apenas hipoteticamente. Nem todos têm condições de passar das ideias para a prática, elaborar hipóteses pode ser uma boa maneira de aliviar a vida dura cotidiana.
Hipóteses são ideias que podem futuramente ser testadas, mas que não necessariamente serão. Cada um tem seu jeito de elaborar hipótese: alguns são otimistas, outros pessimistas, uns elaboram muitas, outros são menos criativos. Pensar nas diversas maneiras possíveis de se fazer algo, para algumas pessoas, pode ser uma das maneiras de continuar fazendo da maneira como sempre foi feito. Nem todas as pessoas aceitam que “quem sabe dá certo”. A certeza pode ser um porto seguro, mas as possibilidades são as emoções de um mar aberto.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Quanto vale uma vida?

Antes de qualquer resposta a priori é necessário entender que não há uma medida de valor que possa quantificar uma vida. Cada ser em sí é único, insubstituível, com suas características, jeito de ser, maneira de ver o mundo. No entanto, é interessante pensar em algo que comumente se vê e não se percebe: que a vida de uma pessoa é tratada, em muitos casos, a partir de um juizo de valor.  Nesses casos, nem sempre muito claros, as pessoas que dependem do outro ficam a mercê de seu juízo de valor. Em Filosofia Clínica todo o juízo de valor é chamado de axiologia, assim como na Filosofia Acadêmica. Assim, axiologia me diz o que é importante para a outra pessoa, ou seja, o que ela considera importante para si; não necessário, mas importante.
Hoje pela manhã ao ver o jornal, deparei-me com uma notícia muito comum nos dias de hoje. O jornalista dizia que um jogador de futebol engravidou uma moça. Até então normal, mas o que espanta é dizer que o jogador já avisou a família que cumprirá com todas as obrigações financeiras. Não conheço o jogador e muito menos a moça, mas se pode perguntar: qual é o valor desta vida gerada pelos dois? Posso arriscar, talvez cometendo um erro vergonhoso, mas parece que para ela ter um filho é garantir uma boa quantia em dinheiro para si, o filho é um meio para ganhar a vida. Para o jogador o filho é a consequência de uma atitude que vai lhe custar dinheiro, só. A vida de uma pessoa que ainda nem nasceu já tem preço.
O filme “Antes de Partir”, estrelado por Jack Nicholson no papel do rico empresário e dono do hospital Edward Colen e Morgan Freeman no papel do mecânico Carter Chambres, apresenta uma brilhante história que mostra o fim da vida de dois homens que morrerão de câncer, Neste filme, ao chegar ao hospital, por se saber uma pessoa simples, humilde, Chambers pede apenas que o médico olhe seus exames. O mesmo se nega, pois não é sua competênca, isso deveria ser feito pelo médico que acompanhava seu caso. Em contrapartida, o rico Colen reclama do fato de ser colocado em um quarto com outra pessoa, quando ele mesmo disse que hospital não é hotel.  Naquele momento ele se colocou acima de todas as outras pessoas, queria que fosse feita a sua vontade, como se afirmasse que “a vida de uma pessoa tem seu preço e é sempre menor que o meu”.
Ontem, um daqueles jornais sensacionalistas noticiava a morte de uma jovem pelo namorado. Segundo a notícia, o jovem assassinou a ex-namorada a facadas porque estava apaixonado por ela e ela o deixou. Não é difícil ver meninos e meninas que condenam o seu companheiro ao seu amor, alguns condenam a si próprio. Um amor que sufoca, que faz do outro objeto de uso, que transforma a outra vida em posse. A vida tem valor quando é minha, se não for minha não será de ninguém.
Desde sempre, para não dizer há muito tempo, israelenses e palestinos que vivem num pequeno pedaço de terra no Oriente Médio estão em guerra. Lá, antes de tudo, sua guerra é por terra e água, recursos escassos naquela região. Um pouco além deste lugar, outras regiões também estão em guerra e além de terra, água, riquezas e poder existe a questão religiosa envolvida. O interessante é que a maioria das religiões prega o respeito e o valor à vida, mas apóiam práticas violentas contra pessoas que não têm o mesmo credo. Estou falando de países distantes, mas aqui, do lado da nossa casa, pode haver uma pessoa de outra religião. Alguns pensam: “a vida dessa pessoa tem valor se ela tiver a mesma religião que eu.”
Não é por um destes fatores isolados, mas o conjunto de vários fatores que mostra para cada um quanto vale uma vida. Pense um pouco sobre isso, veja se as suas atitudes mostram que você valoriza a vida. Lembre-se que, assim como você mede, também pode ser medido.

Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Qual a sua lógica?

No mundo, segundo especialistas de várias áreas, existe uma lógica no processo que chamamos viver. Essa lógica, segundo os mesmos, regulamenta nossa forma de viver e faz com que sejamos quem somos. Há uma lógica na movimentação dos fluidos, há uma lógica na movimentação das massas de ar, há uma lógica para explicar as reações químicas que acontecem no cérebro. Enfim, a lógica é a parte da filosofia que cuida para que as coisas possam ter certo sentido, ou seja, para que uma argumentação possa ser conduzida corretamente das proposições ao juízo. O juízo, conclusão, só será considerado correto ou verdadeiro na medida em que respeitar as proposições. Um dos exemplos mais famosos de lógica é: Todo homem é mortal, Sócrates é homem, logo, Sócrates é mortal. Perceba que o movimento da primeira proposição até a conclusão se complementam.
Esse exemplo de lógica funciona muito bem no papel, num raciocínio matemático, algébrico, mas será que funciona tão bem assim na vida? Será que um pensamento lógico é assim tão exato na vida? O que se percebe no consultório é que não. Algumas pessoas me procuram com uma questão parecida com esta. Dizem: “Doutor, ele é ruim comigo, ele é grosseiro com minha família, ele só tem interesses em mim e eu gosto dele”. O que a moça quer dizer é: “Mesmo tendo todos os motivos para se afastar desse rapaz, ela gosta dele”. Mas, muito diferente do papel, onde o pensamento se desenvolve com base na razão, ao menos deveria, na vida utilizamos outras ferramentas para se chegar a uma conclusão que não fecha com a lógica.
Cada um tem sua lógica interna, como diz um filme, alguns seguem a lógica do amor. Pessoas estas que seguem de maneira quase que cega o que o seu coração aponta. Muitas vezes se arrebentam na vida, pois a pessoa por quem se apaixonaram não lhes quer. Outros seguem a lógica de mercado, para estes o que tem maior valor (preço) é o que orienta as suas lógicas de pensamento. Há também as pessoas que usam a lógica do prazer, muitas delas caem na vida pelo álcool, drogas, pois é o prazer quem comanda esta lógica. A lógica de cada um é o que chamo de lógica existencial e para cada um ela tem sua forma de chegar a num resultado verdadeiro.
Mas, mesmo que cada um tenha a sua lógica, às vezes, essa lógica não coincide com a lógica do outro. Veja o caso de uma menino que pensa consigo que, se ele amar muito uma menina, se dedicar integralmente a ela, ela também vai amá-lo. Só que para a menina, objeto de seu amor, um homem que tenha muitas posses, na sua cabeça é aquele que vai fazê-la feliz e não o que a ama. Para o menino é o amor, para a menina são as posses. Quando a conta não fecha é natural que em algum lugar fique aparente que algo está errado. Algumas vezes é o casamento que não dura, são lógicas diferentes tentando conviver no mesmo espaço.
Há ainda a lógica da fé, segundo a qual, se o meu relacionamento com Deus for bom, eu rezar obterei sua ajuda. Mas, para muitos fieis Deus deve ter tirado uma folga, não é fácil de entender como que alguém que rezou toda uma vida, foi muito devota, morreu esperando seu auxilio. De vez em quando se vê uma família se perguntando e perguntando a Deus sobre o assunto, a lógica não fecha.
É assim mesmo, assim como cada um de nós tem a sua lógica, Deus também deve ter a dele. Entender qual é a minha lógica torna mais fácil entender quando as contas não batem, perceber que algo está errado. Não porque esteja errado, mas por que na minha forma de pensar não é certo. Mas, mesmo assim, tenho de entender que o meu modo de se chegar a um resultado não é o único, posso estar errado.

Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Propagação do EU

Prazer, meu nome é Rosemiro A. Sefstrom. Para você que acompanha semanalmente o que escrevo, quem sou? A descrição que fizer de mim é aquilo que de mim, chega antes mesmo que tenhamos qualquer contato. Pode ser que um dia nos encontremos pela rua, você converse comigo e diga: “Mas este não é o Rosemiro que escreve no jornal, é diferente”. De acordo com Heidegger o que se propaga de mim chega antes de mim pelo que vivi até o momento, em outras palavras, sou o reflexo do meu passado. Agora, este reflexo existe na medida em que está sendo construído. Caso eu pare, comece ser diferente, provavelmente o meu futuro EU também já não será o mesmo. Para o filósofo Heidegger, o Ser está atrelado ao Tempo, daí o nome de sua obra prima Ser e Tempo.
Dando continuidade aos trabalhos de Heidegger vem o filósofo Francês Jean Paul Sartre, conhecido por ser o fundador do existencialismo. Este filósofo se apropria do conhecimento da obra de Heidegger e escreve “o Ser e o Nada”. Nesta obra o filósofo trabalha o conceito de liberdade em seu extremo, dizendo que o homem está condenado a ser livre, em todo momento é ele quem escolhe. Em Sartre o homem é sempre responsável por aquilo que escolhe, não pode de maneira alguma outorgar sua liberdade de escolha ao outro, pois, segundo ele, até mesmo quando outorga sua liberdade de escolha foi por opção que o fez. Completando Heidegger pode-se dizer que Sartre leva o Ser, a existência na direção da responsabilidade do que propaga de si.
Sendo até certo ponto simplista ao falar de modo vulgar sobre as obras de Heidegger e Sartre quero acrescentar que a cada momento sou responsável pelo que se propaga de mim na direção futura e na direção do outro. Então, você, quando chega a algum lugar e a opinião que se tem de você não é das melhores é provável que seja isso que se propagou de você pela sua maneira de ser. Na prática, se seu nome é anunciado por alguém antes mesmo de você chegar e a opinião a seu respeito é ruim, foi isto que se propagou de você. Não há como responsabilizar o seu passado pelas suas escolhas, porque a cada momento há uma nova escolha. É responsabilidade minha, sua, nossa, construir o nosso ser, da maneira que melhor nos aprouver ou da maneira que soubermos fazer.
Tanto Heidegger quanto Sartre foram vítimas de suas próprias filosofias, pois Heidegger passou a ser conhecido como o filósofo do nazismo, assim como Sartre ficou conhecido como o filósofo comunista. Tanto um quanto outro são provas de que o que viveram se propagou para depois deles e sua vida continua mesmo depois de sua morte. De certa maneira ainda são Ser, ou seja, ainda existem entre nós, participam ativamente de nossas vidas e em muitos casos governam nossos destinos. Ser é um exercício constante, no qual somente EU me atualizo a cada instante, sou EU em construção.
Você, enquanto lê pode olhar para a própria vida, para as próprias escolhas e dizer: “Mas o que se propaga de mim não sou eu mesmo”. Pode não ser o que você deseja ser, mas é o que “está sendo”, ou, como pode ser lido em Heidegger, é o que está posto. EU posso ser quem eu quiser, tenho liberdade para escolher, não posso colocar culpa no passado, nem nas amarras que tenho, sou sempre eu mesmo obrigado a ser livre, condenado a escolher. Humano, ser que se propaga para além de si mesmo e pode construir-se a cada momento de sua existência: assim somos Nós.

Rosemiro A. Sefstrom