Quem somos!
Em nossa vida, nem sempre somos os primeiros, nem precisamos ou até mesmo
queremos ser. Assim acontece no consultório, lugar onde a vaidade de achar que se
sabe alguma coisa sobre o homem, as pessoas, o ser, cai por terra trinta
segundos depois de olhar para o outro. Quando olhamos no fundo dos olhos, não
interessa a idade, sabemos que aqueles olhos, além de tudo que se possa dizer, nos
trazem uma representação de mundo. Além dos olhos temos ainda todos os outros
cinco sentidos, além daqueles que ainda não conhecemos, mas podemos conhecer na
singularidade existencial. É no consultório e com este outro, diferente de mim,
com quem vou construir uma caminhada, longa ou curta, tanto faz, mas uma
caminhada que leve o outro à paradeiros por mim ainda desconhecidos.
Quando a pessoa senta-se diante de mim, numa sala de aula, numa conversa,
no consultório, sei profundamente que não sei nada além daquilo que sei. Devo
estar profundamente aberto, por meio dos olhos, ouvidos, olfato e todos os
outros sentidos, para poder acompanhar a pessoa em sua caminhada. As minhas
ferramentas, apenas teorias, quem me dá é o outro, pessoa da qual terei de
tirar a experiência para poder vencer o caminho que ela me propôs quando
começou a partilha comigo. A coragem, o ser destemido, nada além de boatos, sou
como um ser qualquer, que tem medo, chora e erra, mas ao lado daquele outro
preciso ser mais forte que ele ou ser mais fraco, para que ele seja forte.
Depois de um tempo caminhando juntos me sinto ambientado, acho até que
posso perguntar algumas coisas, conhecer de maneira interessada o que ainda não
está claro para mim. Mas mesmo quando pego e tomo a direção da conversa faço de
maneira singela, simples, de acordo com a caminhada do outro. Com minhas
perguntas conheço um pouco melhor os porquês, significados, lembranças,
sentimentos, verdades, enfim, conheço um pouco melhor o caminho e a maneira de
caminhar deste outro. Quando percebo que minhas perguntas causam dor, procuro parar
e retomo o mesmo assunto por outras veredas, que causem menos sofrimento.
Caminhando junto aprendo a seguir o ritmo do outro, seu tempo. O meu de
nada serve. De nada me adiantaria entrar no mundo do outro e caminhar à frente
dele, pois não veria o que ele vê. Sigo seu passo, marco a passada e caminho
junto, se possível respiro no mesmo ritmo, quem sabe assim sentirei como é
estar no lugar dele. A cada paisagem que acompanho olho atentamente, não para o
que gostaria de ver, mas para aquilo que o outro quer me mostrar. Olho o seu
mundo pelos seus olhos, durante esta caminhada deixo meus olhos guardados para
as minhas coisas.
Quando a caminhada já está avançada, conhecendo bem o caminho e o
caminhante, com minhas ferramentas sugiro formas mais adequadas de se caminhar,
ferramentas mais eficientes ou até mesmo eficazes para o trajeto que o outro
caminha. Agora, com todo o percurso que percorremos juntos, sou tão próximo
dele que algumas vezes posso retirar um obstáculo do caminho antes mesmo que
ele escolha caminhar por aquela estrada.
Sei profundamente que não sou eu o ator principal nesta caminhada, e sim,
o outro. Sou um coadjuvante, aquele que aparece bem no fundo das cenas. Não é
para ser o primeiro, nem o último, mas é para estar sempre ao seu lado que sou
o que sou e faço o que faço. Eu sou um Filósofo Clínico e trabalho com gente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário