Relações de Mercado
Algumas pessoas passam
pela vida como mercadores existenciais: para elas tudo não passa de mais valia
ou lei da oferta e da procura. Não é difícil ver pessoas assim: basta ouvir com
um pouco de atenção as novelas da programação televisiva e perceberá. Pessoas
que tranquilamente pesam, quantificam o que receberam e, de acordo com isso,
fazem a devolução. Assim, o menino procura uma menina para namorar, sendo que
durante o namoro ambos dispensam um tempo para o outro. Naturalmente e culturalmente
o menino presenteia a menina em cada uma das datas que lhes é comemorativa.
Depois de um tempo, o relacionamento não vai bem e eles terminam. Fica evidente
a relação mercadológica das emoções quando o menino diz: “Depois de tudo o que
eu te dei, de todo o tempo que dediquei a você é isso que eu ganho em troca?”
Do lado da menina a frase que aparece é um pouco diferente: “Eu gosto de você,
mas você não é o que eu quero para mim”.
Em Filosofia Clínica,
como já dito em outros artigos, aprende-se que cada um tem conteúdos internos
relacionados das mais diversas formas. Neste caso os conteúdos que aparecem no
menino são as emoções e comportamento e função. As emoções são estados afetivos
vividos pela pessoa, os quais podem ser: raiva, amor, paixão, ódio, saudade,
etc. Já o comportamento e função é um conteúdo que traz consigo a relação de
causa e efeito, como a de ligar o ar condicionado para refrescar. No menino
esta relação dos conteúdos é clara por vermos que o menino gosta da menina, mas
sua relação se dá de maneira que ele tem um comportamento, dedicar tempo, dar
presentes, intencionando uma função: conquistar a menina. Na menina a relação
entre comportamento e função e as emoções também acontece, mas a ela o conteúdo
das buscas também interfere. As buscas são conteúdos que dizem para onde uma
pessoa se direciona existencialmente, desde uma busca pequena e próxima até
grandes e distantes. Para a menina, mesmo ela se relacionando com o menino de
maneira mercadológica ela sabe o que quer, ou seja, sabe o que intenciona
quando entra num relacionamento.
O exemplo acima é a
base para entender porque, muitas vezes, haverá pais que depois de criar os
filhos cobrarão deles tudo o que lhes foi investido. Não é necessariamente o
dinheiro que foi investido, mas os estudos, as namoradas, o curso superior, o
emprego, o sucesso profissional. Não é difícil ouvir e ver nas novelas pais e
mães que dizem em alto e bom som: “Foi dado de tudo e é assim que retribui!” Aquele
que deu, por ter forte o comportamento e função, entende que aquele que recebeu
deve obrigatoriamente devolver. Para ser ainda mais claro, veja-se a novela na
qual a mãe coloca as filhas como o seu investimento, ou seja, o trampolim para
subir socialmente. A mãe chega a controlar se as filhas perderam a virgindade,
dizendo que esse era o seu maior tesouro, praticamente em sentido literal.
É necessário entender
que pessoas que funcionam assim não são más ou têm qualquer tipo de defeito de
caráter. Pessoas que se estruturaram desta maneira, têm as questões emocionais
como mercadoria e tratam estas como tal. Não quer dizer que não sofram, não
sintam as dores emocionais como qualquer outra pessoa, mas mesmo a dor será
tida como produto de uma relação de causa e efeito, comportamento e função. O
interessante é que a educação de muitas crianças está acontecendo por este viés
nos dias atuais, elas aprendem que a mãe dá amor, mas para isso ela tem de
fazer o que a mãe quer.
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