Verdade ou consequência
Verdade, aletheia,
véritas, emunah. Todas estas palavras referem-se à correspondência entre o que
foi dito e o que se apresenta. Na terapia, ao longo do tempo tenho me deparado
com muitas verdades, ou seja, fatos apresentados pela pessoa que lhe são tão
evidentes a ponto de não gerar dúvidas. Um dos casos que me chama atenção é
quando uma pessoa relata que fica ao lado de alguém por não ter escolha, porque
se entende responsável pelo outro. Uma pessoa que relata isso justifica dizendo
que o outro precisa dele financeiramente, porque sozinho não saberia se virar,
porque é frágil emocionalmente, cairia em depressão. Em cada uma das justificativas
a verdade é clara: é preciso ficar porque o outro depende desta pessoa.
Numa das consultas ouvi
uma história que há muito tempo não ouvia. A história conta de um caixeiro
viajante, vendedor que ia de cidade em cidade vendendo produtos que comprava
diretamente na fábrica. Havia numa vila um menino que tinha uma grande
admiração pela profissão e sempre que o caixeiro passava na cidade ele queria
ir junto. Quando tinha certa idade pediu aos pais e com o consentimento destes
partiu com o caixeiro fazer vendas pelas cidades vizinhas. Numa determinada cidade
o caixeiro viu uma família muito pobre que tinha uma vaca muito bonita e que dava
muito leite. O caixeiro combinou com o menino: “Vamos pedir pouso aqui e
durante a madrugada roubamos a vaca, o lucro de sua venda dividimos meio a
meio”. O menino concordou e foi assim que o fizeram, acordaram de madrugada e
levaram a vaca da família. Foram até uma cidade vizinha e a venderam, o
dinheiro foi dividido tal como o caixeiro tinha dito, mas aquilo começou a
incomodar o menino. Pensava ele: “Mas era a fonte de alimento e recurso da
família, bebiam o leite, vendiam o queijo, como ficarão sem a vaca?” Quando o
menino chegou novamente em casa decidiu não seguir novamente em viagem, guardou
o dinheiro com o intuito de ir devolver, mas não conseguia ir.
Depois de muito tempo,
quando atingiu a maioridade, agora homem, decidiu que não viveria mais com aquele
peso. Pegou suas coisas, o dinheiro que entendia ser justo devolver pelo mal
causado e partiu. Chegando ao local onde havia a pequena cabana viu uma casa
grande, plantações, pomares. Vendo isso o remorso bateu forte. Mesmo assim
tocou a campainha da casa para pedir informações sobre as pessoas que moravam
na cabana que ali ficava. Foi recebido pelo dono. Perguntou sobre uma família
que vivia numa cabana que ficava no mesmo local. O dono da grande casa lhe
disse que ele mesmo morava ali, que eram muito pobres, tinham como único bem
uma vaquinha. Certa noite, depois que um caixeiro viajante e seu ajudante
passaram por ali a vaquinha fora roubada. Com isto ele pegou o pouco dinheiro
que tinha e comprou algumas sementes, cultivou e assim começou a prosperar até
chegar ao ponto atual. E disse ainda que era grato ao ladrão que o libertou da
dependência daquela vaca.
Em muitos casos uma
pessoa entende que não pode partir porque o outro depende dela, mas a verdade é
que a sua permanência reforça a dependência. Em outras palavras, um marido que
não termina o casamento porque a mulher depende dele a mantém dependente continuando
ao seu lado. Uma mãe que vai ao apartamento do filho para fazer a limpeza
porque o filho precisa pode estar criando dependência. O fato é que muitos não
querem encarar a verdade de que são eles que tornam as pessoas próximas
dependentes, ou seja, a sua verdade é na realidade uma consequência.
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