Maior parte
de mim
Vivemos em
um mundo que pode ser extremamente estimulante, podendo nos orientar nas mais
variadas direções. Muitos de nós têm televisores em suas cozinhas e logo que
acordamos já podemos ser levados a viver em São Paulo, Rio de Janeiro, sem
sequer ter tomado café. Saindo de casa ligamos o cd do carro e acabamos nos
deslocando ao tempo de nossa juventude, ouvindo músicas de quando íamos para a
discoteca. Se preferirmos ouvir alguma rádio podemos nos surpreender longe,
pensando em como será a eleição deste ano ou a copa do mundo. Numa conversa
desinteressada com meu colega de trabalho posso viajar para os Estados Unidos e
reviver minha última visita ao lugar, lembrar inclusive o desejo de voltar.
Todos estes
movimentos têm algo em comum: são movimentos que faço sem sair do lugar, são
movimentos que se processam unicamente na minha mente. Esta capacidade de poder
viajar sem sair do lugar que parece muito interessante, em muitos casos é um
grande problema. É o caso das pessoas que se perdem do próprio corpo ao longo
de sua história ou em casos episódicos. Alguns relatos peculiares mostram
quando isso acontece: são exemplos os casos em que a pessoa toma banho e ao
final não se lembra se lavou o cabelo ou passou hidratante. Semelhante é o caso
das pessoas que saem de carro, seguem para algum lugar e ao chegar não se
lembram do caminho. Nestes casos o corpo era a menor parte da pessoa, era
apenas um veículo para a mente.
Quando a
mente é a maior parte alguns fenômenos podem ser tornar comuns, como por
exemplo, estar sempre acelerado. Imagine que você está tomando banho, logo que
acordou, mas não sente o banho, na verdade já está indo para o trabalho,
pensando no trânsito, na chegada ao trabalho e naquela conversa com o gestor.
Outro fenômeno ainda é perda de medidas, pois o pensamento pode rapidamente se
deslocar, seu corpo nem tanto. Por exemplo, quando você está a 140 km/h e ainda
se percebe lento. Pode por vezes perder a medida dos alimentos, pois como não
sente o gosto ou se sacia come em demasia, com muito tempero. Em outros casos
ainda a pessoa perde a noção do tempo, ou seja, fica alguns minutos em algum
lugar e tem a impressão de ter passado horas, assim como pode ter ficado muito
tempo e achar que se passaram alguns minutos.
O retorno
ao corpo pode ser feito de diversas formas e em cada um acontece de maneira
diferente. Algumas pessoas somente conseguem retornar ao corpo quando entram em
contato com a natureza, são aquelas que precisam de um final de semana no
sítio, cercados de mata, pássaros, sons da natureza. Outras pessoas precisam
fazer um curso de degustação de vinhos, onde o foco sensorial é extremamente
necessário. São vários os casos em que a pessoa para fazer o retorno ao próprio
corpo precisa fazer um curso de culinária, cheirar os temperos, sentir o gosto
dos molhos. Outra sugestão são trabalhos manuais;várias pessoas voltam ao corpo
quando fazem trabalhos com argila, escultura, pintura, origami. Voltar ao corpo
é vivê-lo à sua maneira, não há duas experiências de vida de corporeidade
iguais, meu corpo é vivido do meu jeito.
Tornar meu
corpo a maior parte de mim faz com que seja possível viver os prazeres do corpo
de modo completo e não apenas protocolar. Tomar um bom vinho se faz com os
sentidos e não com o pensamento, vinho bebido com o pensamento não tem gosto,
tem reflexão. Viver o corpo pode nos libertar dos nossos próprios pensamentos.
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