Encontro Nacional

Encontro Nacional

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Querido Colega da Região Sul do Estado de Santa Catarina, você é nosso convidado para aulas com Lúcio Packter. 
No dia 02.06.2014 a aula acontecerá no Turvo, pequena e simpática cidade do Sul Catarinense, no auditório da empresa Arroz Realengo. A aula começa pontualmente às 19:00 horas e termina às 22:00 horas. 
No dia 03.06.2014 a aula acontecerá na Unesc, a universidade referência para Criciúma e região, instituição parceira do Instituto Sul Catarinense de Filosofia Clínica. Na universidade, Bloco P, sala 22, a aula se inicia às 19:00 horas e encerra às 22:00 horas.

Att.
Rosemiro A. Sefstrom

Manual de mim!

Vou lhe fazer uma pergunta simples: como é que você funciona? Veja que interessante, quando vamos ao médico, com suas ferramentas, conhecimento da fisiologia, anatomia e outras questões mais, ele sabe dizer se estamos funcionando bem ou mal. Quando nos relacionamos com outras pessoas, algumas vezes alertamos sobre o que gostamos ou não, o que aceitamos ou não, assim acabamos, até certo ponto, dando uma ideia de como funcionamos. Quando vamos preparar um almoço ou até mesmo comer em um restaurante escolhemos os alimentos de acordo com aquilo que nos faz bem. Quando compramos um shampoo também temos o cuidado de escolher um que possa tratar bem nossos cabelos, não deixar caspa, ponta dupla, ressecado. Todas estas questões mostram que num nível bem básico boa parte das pessoas tem que se conhecer um mínimo possível para viver bem.
Mas, em muitos casos, boa parte das pessoas não se conhece a níveis mais profundos que os colocados acima. Quando pergunto pelo seu funcionamento estou pensando um pouco além. Pense no seguinte: quais pensamentos lhe fazem bem, ou seja, no seu dia-a-dia quais os pensamentos que você deveria evitar, por exemplo. Essas questões levaram algumas pessoas com quem trabalho como terapeuta a fazerem um pedido: “Bem que você poderia elaborar um manual de como funcionamos, assim poderíamos consultar as vezes que tivermos dúvidas a respeito de nós mesmos”. O pedido é interessante. A maior parte das pessoas entende que o funcionamento de si próprio se dá de maneira automática, sem que seja necessário fazer nada. No entanto, desde que acordamos até a hora que vamos nos deitar realizamos diversas atividades e muitas delas vão contra o nosso funcionamento.
Para que possamos respeitar o nosso funcionamento existem algumas coisas que podem ser levadas em conta. Vamos começar pelo bem estar subjetivo, quanto que você se sente bem com você mesmo ao longo do seu dia. Outra questão que pode ser observada é se o seu bem estar subjetivo pode ser visto exteriormente, se as pessoas com quem você passa o seu dia veem que você está bem. Também é interessante observar se quando você está bem as pessoas ao seu redor também estão bem. Uma recomendação: estar bem consigo mesmo machucando quem está ao seu redor não vale, estar bem consigo mesmo também pode fazer as pessoas ao seu redor estarem bem. Existem muitas outras questões que que poderiam ser observadas para saber se você está bem, mas estas já servem como início.
A partir do momento em que você começa a se observar, provavelmente vai perceber diversas pequenas coisas que antes passavam despercebidas. Algumas delas boas, outras podem ser que nem tanto. Quando isso acontecer, não fique pensando mal de si mesmo, mas veja como algo a ser melhorado. Ao se perceber procure ver como é que você funciona para cada atividade. Quando chega em casa e conversa com a esposa, o assunto lhe faz bem? Se não faz bem, troque de assunto, fale sobre outra coisa. Não estou falando de assuntos necessários, mas de assuntos fúteis, como a briga interminável das mulheres na novela. Quando estiver pensando, pense no que está pensando e veja se seus pensamentos lhe fazem bem.
Ao olhar para você mesmo durante alguns dias muitas questões podem aparecer e serem trabalhadas. Muitas delas, com um pouco de paciência consigo mesmo, se pode melhorar sozinho. Quando tiver dificuldade para fazer, peça ajuda: pode ser a esposa, esposo, amigo, uma boa leitura, filme. Caso seja necessário, existem profissionais que podem lhe ajudar. Elaborar um manual de si mesmo é um caminho para se viver melhor.

Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Lei da Atração

Não são poucas as vezes que ouvi perguntas sobre mentalização, pessoas querendo saber o que é e como ela funciona. Por detrás desta técnica existe o que chamam de Lei da Atração, ou seja, aquilo que você pensa é o que você atrai. Segundo alguns, a teoria vai ainda mais longe: aquilo que você mentaliza se materializa. Dizem ainda que as pessoas de um modo geral não melhoram de vida porque não colocam isso em suas mentes, não colocam isso como futuro. Sendo assim, se penso que estou doente ou ficando doente, logo ficarei doente. Alguns podem dizer que não é tão simples assim, concordo. Mas há ainda a questão: e as pessoas que fazem mentalizações e nada acontece? Segundo os pregadores destas teorias, a pessoa está fazendo errado.
A Lei da Atração encontra seus opositores há muito tempo, entre as críticas à teoria, duas são interessantes e relevantes. A primeira crítica diz respeito a cientificidade do assunto: não há na física nada que possa provar que realmente o pensamento possa atrair algo, quanto mais materializar. Sendo assim, por falta de cientificidade a comunidade científica desacredita na Lei da Atração. Outra crítica, não menos verdadeira, é a de que este tipo de pensamento pode levar quem mentaliza a culpar a vítima. Como? É a história de pessoas que outorgam culpa aos outros, ou seja, se eu mentalizo só depende de mim, mas se não der certo outras pessoas receberão a culpa.
A Lei da Atração existe e pode ser provada cientificamente no que diz respeito à eletricidade e ao magnetismo. Ali sim, a lei realmente é uma lei. Pois lei é um processo científico que foi testado e comprovado como infalível, como a lei da gravidade. Até o momento não sabemos de alguém que conseguiu desfazer a gravidade. Só que, mesmo assim, ainda fica aquele ponto de interrogação sobre o fato do pensamento atrair ou não coisas boas e ruins.
Das várias formas de se trabalhar a questão do pensamento coloco duas, as mais comuns. O pensamento por si só é apenas pensamento de alguma coisa, mas algumas pessoas aprenderam a ligar o pensamento ao corpo, ou seja, o que elas pensam se reflete no corpo. Nestes casos, a força do pensamento está intimamente ligada ao corpo, se elas estiverem mal nos pensamentos provavelmente o corpo também estará mal. Este mal se manifesta de diversas formas, um deles é a afta na boca (alguns empresários devem saber do que estou falando). Há ainda a famosa gastrite, quando a pessoa está com a cabeça muito atribulada é o estômago o primeiro a dar o sinal. Para isto a explicação é muito simples: chama-se somatização, algumas pessoas conseguem fazer isto, outras não.
Outra maneira de se tratar disto é pela direção em que o pensamento está, pelos conteúdos que tenho no meu pensamento. Cada um durante o dia pensa em muitas coisas, alguns mais, outros menos. Mas, de qualquer forma o pensamento é pensamento de alguma coisa. Assim, quando eu passo o dia pensando nas minhas dívidas, no que tenho para pagar e não me concentro em outras coisas que tem o meu dia, provavelmente minhas dividas irão aparecer bem mais que todo o resto. É assim também com um namoro, o menino começa o relacionamento e logo pensa que não vai dar certo, está sempre tenso porque sabe que não vai dar certo. O seu pensamento, não por ser negativo, mas por tirar sua atenção ao momento faz com que ele torne-se uma péssima companhia e aí sim, pode dar tudo errado.
O pensamento positivo, ou seja, em torno de coisas que se quer, se deseja, são sim bons e deveriam ser cultivados. Ao cultivar bons pensamento provavelmente terei sempre boas companhias, bons momentos. Ao pensar estou vivendo as situações, assim, quando o meu pensamento se colocar numa certa direção, antes mesmo de chegar lá já estarei vivendo o acontecimento, mesmo que nunca se torne material.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Ideias e ideais

Há um termo que costumeiramente pode ser confundido em clínica. Quando uma pessoa conta sua história, parte do relato dela pode ser dar a partir daquilo que ela pensa, imagina, reflete, ou seja, dados que existem apenas nas suas ideias. Outro conteúdo que também pode estar presente na história de vida são os encaminhamentos existenciais, ou seja, suas buscas. Aparentemente são muito diferentes, mas podem se apresentar de maneira muito parecida e enganar a pessoa que ouve. No dia a dia, pode ser confundido quando uma pessoa apresenta ideias que mostrem uma realidade diferente da que está posta. Quem apresenta essa ideia fica conhecido como quem tem o Ideal de realizar aquilo que prega.
O primeiro termo apresentado foi ideia, mas o que seria uma ideia para a filosofia? O termo ideia, segundo livros e sites, pode ser usado como o sinônimo de conceito ou como uma expressão que denuncia uma intencionalidade. Em sua raiz Grega a palavra ideia vem de eidos e quer dizer imagem, essa palavra despertou ainda uma controvérsia entre Platão e Aristóteles e por fim gerou o conceito de representação. Fazendo um pequeno resumo, pode-se dizer então que a ideia é uma imagem de algo real, isso gera a minha representação. Pode-se dizer isso de várias maneiras, mas acredito que essa seja a que mais se identifica com a Filosofia Clínica.
O outro termo é ideal, essa palavra que significa aquilo que se aspira, é uma perfeição que o espírito imagina, mas não pode alcançar, ou ainda, aquilo que só existe na ideia: imaginário. Um ideal pode ser definido como uma ideia perfeita não realizável. A pessoa pode ao longo da vida imaginar o casamento perfeito, dizer como ele seria, mas nunca alcançá-lo. O fato de não alcançar o casamento ideal, entre outras coisas, pode denunciar que este casamento é tratado de forma ideal, ou seja, não atingível. A pessoa coloca o casamento como um horizonte, de modo que, quanto mais ela anda, mais ele se afasta dela, ela jamais chegará a viver o casamento ideal.
Mas há uma diferença entre a ideia e o ideal: dentro das ideias pode não haver ideais. No entanto, sempre haverá ideias dentro dos ideais, uma vez que sempre que a pessoa elaborar uma imagem mental daquilo que tem por ideal está elaborando uma ideia. Agora que temos clara a diferença entre ideia e ideal, vamos diferenciar um ideal de uma busca. Uma busca é algo que a pessoa tem como objetivo, ou seja, aquilo que ela quer. Todo o querer é tido como uma busca, desde o querer mais próximo até os mais distantes, sabendo que alguns deles são relevantes e outros nem tanto na história de vida da pessoa.
Quais são seus ideias? Onde eles estão? Para muitas pessoas, mesmo tendo em suas mentes seus ideais, elas não buscam. Você deve conhecer algum profissional que diga como seria o profissional perfeito em sua área, mas que ele mesmo não tem a menor intenção de ser esse profissional. Assim como algumas pessoas também sabem como seria o mundo perfeito, mas elas não têm a menor intenção, ou seja, não está nas suas buscas as práticas que fariam deste mundo um lugar melhor.
Por isso, cuidado com pessoas com lindos ideais, estas podem ter apenas os ideais e não fazerem aquilo que é necessário para caminhar nesta direção. Para as empresas isso é ainda mais complicado, pois estas pessoas apresentam ideais lindos, a empresa ficará perfeita. No entanto, todas as práticas mostram que suas buscas estão em outra direção. Na vida, seus ideais são suas buscas ou apenas ideias que vagueiam e são ditas da boca para fora?

Rosemiro A. Sefstrom 

terça-feira, 27 de maio de 2014

Fora de mim!

Diariamente estamos em relação com pessoas, objetos, sentimentos, pensamentos, sensações. Nossas relações podem, em certa medida, mostrar como estamos em relação ao mundo e alguns dos motivos pelos quais sofremos.  Relacionar-se é estar em contato, ou seja, criar uma ponte que me liga ao outro, ao diferente, àquilo que não sou eu. Essa relação pode ocorrer em caráter positivo, negativo, confuso ou indefnido. O recomendável é o positivo, mas algumas relações só serão produtivas se forem negativas. Este, no entanto, não é o foco do que estamos trabalhando neste escrito. O que interessa aqui são as formas como criamos essas pontes em relação ao outro.
Uma forma de se construir uma relação com o outro é pela necessidade, ou seja, a falta me leva a buscar o outro. Nesta relação eu me coloco em direção ao outro porque preciso dele, como o corpo que precisa de alimento, e essa necessidade só passará quando for saciada. Este tipo de relação, a necessidade, torna-me dependente do outro na medida em que preciso dele. Precisar é inevitavelmente estar amarrado, fadado a viver na dependência daquilo que preciso e a sua ausência terá consequências. Esta relação de necessidade torna tanto o sujeito quanto o objeto prisioneiros de sua condição, é uma relação de causa e efeito.
Outro tipo de relação é a de propriedade, muito comum nos dias de hoje, onde eu me relaciono com as coisas porque elas me pertencem. Aqui a relação se dá no nível de pertença, sendo assim, a minha ponte com o outro é a minha propriedade sobre ele: eu sou aquele a quem o objeto pertence. Pode-se pensar no caso dos relacionamentos, onde a menina ou o menino diz que o outro é “seu” namorado ou namorada, assim como a “minha” esposa e assim por diante. A relação de propriedade reduz o objeto a minha vontade, é meu, faço o que me for conveniente, perigosa esta ideia, mas fora da ética ela anda solta.  
Há uma forma de relação da qual se fala pouco, mas que a ciênca tem feito de tudo para alcançar: a relação de dominação. Diferente da relação de pertença onde o outro é meu, agora eu domino, posso não ter propriedade, mas tenho controle. Forma estranha de se criar uma ponte com o outro, como se fosse realmente possível dominar pensamentos, emoções, etc. Mas mesmo sendo um tipo de relação pouco falada é por ela que muitos relacionamentos afetivos se dão, onde o marido controla a esposa, os filhos.  Esse tipo de relação é quase o “pátrio poder” que se vivia na Grécia Antiga, mas é uma relação que dá certa segurança a quem domina. Uma ponte em que um lado está acima do outro, onde o dominador tem o controle, uma relação em que pode haver oprimidos. Algumas pessoas gostam de ser controladas, precisam disso, mas será que é para todos assim?
Nos dias atuais, depois de centenas de anos de escravidão e discriminação, o discurso é que temos de ter relações de igualdade, afinal somos todos iguais. É um discurso amplamente estranho, uma vez que me relaciono com o outro como me relaciono comigo. Então, o outro é nada mais do que um eu copiado em outro corpo, é o mesmo eu vivendo numa roupagem nova, o eu que não está em mim. Esse tipo de relação é a mais perigosa, visto que algumas pessoas não se tratam muito bem, não se cuidam. Apenas como iustração, se eu fumo e acho isso bom, então isso é bom para todos, porque somos todos iguais.
O melhor ou a melhor forma de construir uma relação é entender que o outro, por mais que seja como eu, é ainda diferente. É justamente na igualdade que somos tão difentes, somo seres de diferença. Só é possível acessar ao outro realmente se ele se deixar vir a mim, é na relação com o outro que chego a ele, pela vontade dele e não pela minha. É o outro quem se doa a mim e não eu que entro na realidade dele.


Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Foco

Durante a vida cada um de nós presta atenção em algumas coisas, assim como deixa de lado outras tantas. Ao prestar atenção em alguma coisa específica diz-se em Filosofia Clínica que a pessoa está indo Em Direção ao Termo Singular, ou seja, de tudo o que ela vive está prestando atenção em algo específico. Outro movimento que acontece é o de abertura do leque existencial, que acontece quando a pessoa abre o foco e vai Em Direção aos Termos Universais. Esse movimento leva a pessoa de um ponto específico em direção ao todo. Tanto o foco específico quando o movimento em direção aos universais são comuns no dia-a-dia, porém, mal utilizados por muitas pessoas.
Uma das muitas formas de se utilizar Em Direção ao Termo Singular é quando se tem problemas. Há pessoas que quando tem problemas concentram toda a sua atenção no problema criando um hiperfoco, ou seja, tudo desaparece e fica só o que está incomodando. Por exemplo: você sai pela manhã e lembra que abril é o mês do imposto de renda. Você vai ao contador, ele lhe apresenta uma soma razoável a ser paga até o final do mês. A partir desse momento o único assunto que ronda sua cabeça é o imposto de renda, você não come direito, não dorme direito, não se relaciona direito, etc.
Já o uso de Em Direção aos Termos Universais pode acontecer num momento de discussão com a esposa. O casamento já não anda aquelas coisas e em algum ponto do mês a esposa diz que não dá mais. Digamos que você associe isso ao fato de que seu assunto é exclusivamente imposto de renda. Você diz a ela que vai parar falar sobre o assunto, que fará cara de paisagem e falará sobre outras coisas. Mas ela começa a dizer que essa é apenas a gota d’água, que ela não se sente mais amada, que não tem sua atenção, que a sexualidade ficou de lado, que não tem mais conversas de qualidade. Enquanto você vai Em Direção ao Termo Singular ela caminha Em Direção ao Termo Universal.
Alguns de nossos grandes mestres dizem que onde estiver nosso foco aí estará nossa grande felicidade assim como o nosso inferno. Como é que é isso? Para onde está voltada sua atenção? Caso você tenha uma atenção focal no seu casamento dali podem vir todas as alegrias, assim como podem vir também todas as suas tristezas. A fixação do foco pode lhe alienar, como uma pessoa que se tranca dentro de casa e sai depois de vinte anos. Durante este tempo o foco foi só a casa, dali vinham as alegrias, mas também as tristezas.
Pessoas que caminham em direção aos universais têm como característica observar o todo, mesmo que vejam as partes o todo é que tem relevância. A questão é que algumas pessoas têm uma tendência a ver as coisas ruins da vida, sendo que para elas o que há de bom são pequenos pontos, enquanto a vida é um mar de lágrimas. Outras aprenderam a ver as coisas boas da vida e os problemas que elas encontram na caminhada são pequenos pontos escuros na grande foto.
Um caminho interessante a ser feito por muitas pessoas é aprender a utilizar foco para o que precisa de foco e universais para o que precisa ser entendido no todo.  Seria assim: supomos que você saia de casa, vá até o contador e lá diante do contador toda sua atenção se volte ao Imposto de Renda, mas saindo de lá sua atenção volte novamente ao todo, ou seja, ao carro que está no estacionamento, às compras que sua mulher pediu do supermercado, ao amigo que pediu uma visita. Não recomendo usar uma lupa para olhar uma paisagem, mas é uma boa pedida para ver uma formiga mais de perto.

Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 23 de maio de 2014

“Eu não queria que fosse assim”

Há muito tempo, quando comecei minha caminhada como terapeuta, um grande mestre contou-me uma história. Disse ele: “Há muito tempo, quando comecei minhas pesquisas para elaborar a Filosofia Clinica atendi um homem que procurou por meu auxílio. No atendimento fiz o que era possível ter feito, dada a história de vida da pessoa e suas implicações práticas. Depois de alguns atendimentos, num certo dia, recebo a notícia de que a pessoa que atendia havia se suicidado. Fiquei desolado, pensei em parar com tudo o que estava fazendo, mas antes disso conversei com um homem que considero muito sábio. Este homem, ouviu atentamente tudo o que lhe contei e ao final sentenciou: “Você não acha muita arrogância decidir até quando o outro deve viver?” Essa versão está um pouco distante da original, até mesmo por uma questão de ética.
Guardei profundamente essas palavras e diariamente, ao atender cada pessoa lembro que acima de tudo, a decisão cabe à pessoa. Esta semana um colega me contava em uma conversa que seu casamento estava ruim, seu filho não queria mais morar com o casal, havia decidido ir morar com os avós. Esse colega sentou com o filho e ponderou o quanto seria importante ele permanecer em casa, convivendo com a família. Depois de ouvir atentamente sua história ponderei: “Para quem é importante que ele permaneça em casa?” A pessoa desmoronou, disse que senão fosse o filho, provavelmente o casamento estaria terminado. O filho era o único laço que restara entre ele e sua esposa.  Segundo ele: “Não queria que fosse assim”.
O que este pai queria para o filho não tinha nada a ver com o filho, mas com o que ele queria para si. O mesmo aconteceu com o terapeuta, queria que a pessoa a qual atendia continuasse vivendo, mas não era bem assim que seu partilhante entendia. Algumas coisas, para não dizer a maioria das coisas que nos rodeiam funcionam independentes de nossa vontade. Um dia, caso você levante mais tarde, vai perceber que o sol nasceu, que o ônibus passou, que os passarinhos cantaram. O mundo e tudo o mais que há nele é modificado pelo simples fato de existirmos, mas nem por isso ele fará o que queremos. 
Querer que uma determinada escolha seja diferente diz respeito às buscas, o que eu quero. Mas, nossas buscas são nossas, por mais que entenda ser minha a melhor ideia, o melhor caminho. O que eu busco pode ser totalmente diferente do que a outra pessoa busca. Há meninas que se casam por que tem que se casar, não porque tem interseção com seu companheiro. Quando percebem que isso é uma grande bobagem se separam, não queriam que fosse assim, mas foi.
Nossas escolhas afetam-nos, mas as escolhas de outras pessoas também podem nos afetar. Isso dependerá do quanto colocamos na mão do outro o nosso poder de direcionar a nossa própria vida. O que queremos que seja pode ser só para nós, é preciso entender que o outro pode querer diferente.

Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Eu em uma frase!

Minha mãe dizia: “Abra o olho e ache o ladrão”. Essa é uma frase que se encontra no filme Ray, obra que conta a história de vida de um dos maiores nomes da música mundial. Ray Charles faleceu em 2004 quando o filme que conta sua história estava quase pronto. A citação de sua mãe é por apontar o quanto o que a mãe lhe disse tinha peso na sua forma de pensar e de ver o mundo. Essa influência que Charles recebeu de sua mãe fica expressa em uma frase, mas para ele é muito mais do que isso, sua mãe é a eterna companheira. Em cada parte de sua vida foi acompanhado e encaminhado por aquilo que sua mãe disse e não apenas por uma ou duas frases. Uma frase, duas frases de sua mãe se tornariam vazias ao longo do tempo e poderiam ser interpretadas de qualquer forma, sem compromisso com o real significado do dito.
A questão que levanto através do filme Ray é o quanto conhecemos de alguém para tomarmos o que ele diz como verdade. No caso do mundo acadêmico, ainda mais forte, de retirar de um autor com cinco, seis, sete, dezenas de obras apenas uma frase e dizer: “Com essa frase resumimos o pensamento do autor tal”. Esse resumo é roubar, afanar, retirar do autor tudo aquilo pelo qual ele escreveu suas obras. Provavelmente, isso falo a partir de mim, se você ler esse artigo e tentar resumir, muito do que está escrito se perderá. Mas, se você tentar explicar com suas palavras o que está escrito, dessa forma você se apropria do que está escrito e acrescenta o seu modo. Resumir um autor é como editar de suas obras apenas aquilo que se entende resumir o seu pensamento.
Se tentássemos resumir tudo o que você viveu até aqui em uma frase, o que diria? Diga, pode ser só para você mesmo. Agora, pense um tanto a respeito, veja se não é uma pretensão gigantesca resumir uma vida de trabalho, estudo, relacionamento, conhecimento e outras tantas coisas em algumas poucas palavras. Piorando um pouco mais, imagine agora que você pega essa frase e a coloca na sua sala, para que cada um quando entre veja lá a frase que resume sua vida. Há pessoas, e são muitas, que reduzirão tudo o que você fez a isso, uma frase. Sócrates deve estar se revirando no túmulo quando dizem: “Só sei que nada sei”. Por que ele disse isso? A que se referia?
Dizer uma frase e fazer dela um bordão, um jargão, uma linha que ficará nos anais da história não faz dela o resumo de tudo o que um pensador disse. Imagine que a frase de sua parede seja: “Nasci, vivi e morri por aqueles que amo”. Bom, por essa frase pode-se dizer que tudo o que fez na vida foi pelos outros, mas será que é mesmo isso que quer dizer ou fui eu quem entendeu assim? E muitas vezes o que eu entendo não é o que o autor disse, ele pode ter dito outra coisa, mas eu, por ter visto apenas uma pequena frase, entendi errado.
Conhecer a vida de um autor, ler suas obras, estudar um pouco sobre sua cultura faz com que se possa entender um pouco melhor aquilo que ele disse. Um autor quando escreve, mesmo que uma frase, ele nada quer dizer, ele disse. Por isso resumir o pensamento de um autor no que ele “quis” dizer em apenas uma frase faz com que tudo o que ele disse se torne vão.
Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Psyché

A palavra “Psyché” em grego ou psique em qualquer um dos idiomas em que é utilizada se refere à alma. Um belo mito está por trás deste nome: a história de amor entre Éros e Psyché, contada pelo romano Apuleio no livro “O Asno de Ouro”. Da forma grega o mito procurava explicar a realidade e orientar as práticas das pessoas de acordo com a vontade de seus deuses. Atualmente, após mais de dois mil anos a psique se dissociou da alma, hoje a alma é da religião e a psique é da ciência. A alma platônica vinha pronta, acabada e chegada ao corpo tinha como função subjugá-lo para que o homem pudesse relembrar tudo o que esqueceu no processo vindo da alma para o corpo. Seríamos então a junção de dois elementos, o corpo e a alma.
Não muito diferente daquela época ainda hoje somos seres amplamente mitológicos, ainda utilizamos figuras fantasiosas para explicar o que a ciência não explica. Entre estes “mitos” existe um muito popular em nossa região: a benzedura. É algo interessante, basta parar por meia hora em uma roda de conversa de pessoas de pouco mais de vinte anos para ouvir histórias diversas de pessoas que foram curadas pela benzedura. Em alguns lugares dizem que a benzedura vai contra a religião, e é justamente o contrário: benzer é a atividade de um rezador, alguém que lida com o que é bento, com o que é de Deus. Como explicar que uma senhora, com pouca ou nenhuma educação consiga promover verdadeiros “milagres” com a sua oração em favor de alguém? Como é possível que um apelo à alma cure as doenças do corpo?
Algumas pessoas têm o que chamam de dom da revelação, que seria a capacidade de executar certas atitudes com base na fé. Outros têm o dom da Cura, da Palavra, enfim são dons por meio dos quais as pessoas agem em nome de seu deus. Estas atitudes são utilizadas também como forma de mostrar a presença e a ação de Deus entre as pessoas, são os Dons do Espírito Santo. Também existem as marcas, chamadas de “chagas da cruz”, que são as marcas que a crucificação deixou em Jesus, sendo que algumas pessoas recebem estas marcas pela sua ligação com Cristo. As chagas podem ser vistas em filmes como “Estigmata”, onde uma mulher recebe as marcas da cruz.
Fenômenos sem explicação, vivências singulares e ainda sem explicação são vistas em Filosofia Clínica como um Tópico chamado de Singularidade Existencial. Para os filósofos, benzer, dons, marcas da cruz, ver aura, telecinese, enfim, todo tipo de vivência singular não comum é vista como algo a ser estudado e não expurgado. Essa postura diante do novo é uma postura de respeito, de cuidado, de entender que ainda não temos explicação para tudo. A Filosofia Clínica entende que cada um é singular, cada um têm vivências propriamente de tudo o que acontece neste mundo. Estar diante do outro entendendo-o como um fenômeno único, singular é entender que ele pode viver algo somente seu, sem ser doente ou normal, apenas ser singular.
No entanto, ao longo da vida aprendemos o mito da normalidade, o mito de que existe um jeito certo de ser, em detrimento de um jeito errado. Quem vive na mitologia do normal, faz o que é normal, se comporta como o normal, sendo que é alguém ou alguma instituição que diz o que é normal, assim como também diz o que é doente. Alguns já perceberam que vivemos uma época onde todos estão em maior ou menor grau doentes, ou seja, em maior ou menor grau não conseguem ser “normais”. A alma, diferente do corpo, é onde podemos viver o fenômeno da singularidade, podemos ser diferentes de todos e qualquer um. Ser singular é assumir que posso não ser o que atribuem por normal, mas sou do meu jeito.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 20 de maio de 2014

Eu comigo!

Há alguns termos em Filosofia Clínica que são corriqueiros. Um deles é “Estrutura de Pensamento”, geralmente tratada só por EP. Esse termo significa a estrutura construída pelos dados que retiramos da história de vida da pessoa. Todo o conteúdo de vida da pessoa é alocado em trinta tópicos, os quais se combinam e derivam criando uma estrutura única. Dos trinta tópicos, um deles chama-se Interseção de EPs, o qual  mostra ao filósofo que escuta a história de vida da pessoa o modo como ela se conecta a outra pessoa.  Essa conexão pode se dar de diversas formas, mas basicamente tem quatro qualidades, pode ser: positiva, negativa, variável ou confusa. A interseção recomendável para um trabalho terapêutico entre o partilhante e o filósofo é a positiva, mas há casos em que as outras qualidades também podem acontecer.
Quando estabeleço uma interseção de EP com outra pessoa, coloco uma série de conteúdos meus na relação com o outro, como por exemplo, uma mulher que começa um relacionamento porque está apaixonada pelo homem.  Ela coloca suas emoções em contato com ele, além de muitos outros conteúdos, mas o que liga ela ao homem é o amor. Ele, por sua vez percebe nela uma mulher bonita e se liga a ela pela beleza dela. Veja que interessante:  um coloca amor e outro senso estético. Não há nada de mais, se para ela e para ele a relação está de acordo, tudo bem. Mas nem sempre a interseção que estabelecemos é com o outro, algumas vezes essa interseção se dá com a gente mesmo.
Quando eu sou meu próprio companheiro, como sou? Há alguns amigos que gostam muito de caminhar e geralmente ouço a frase: “É no caminho que a gente se encontra”. Quando dizem essa frase, para mim ao menos, estão dizendo que é ao longo da solidão do caminho que entram em contato consigo mesmos. Algumas pessoas estão tão voltadas para o mundo externo que deixaram de si mesmas e não sabem mais como voltar. Se encontrar não é algo necessariamente bom, algumas pessoas já se encontraram e descobriram que são péssimas companhias para si mesmas. São pessoas que quando estão sozinhas se dão filmes ruins, livros ruins, pensamentos ruins, emoções ruins, enfim, são pessoas que se dão a si mesmas o que não dariam a seu pior inimigo.
É interessante constatar que muitas dessas pessoas procuram terapia sem saber porque sempre que estão sozinhas sua vida vai mal. Não entendem o motivo de sua vida ficar tão ruim nos momentos em que estão sós. Em muitos casos o que  ocorre é que estas pessoas não são boas em cuidar, dar carinho, ter paciência e orientar a si mesmas. Esse comportamento de tratar mal a si mesmo faz com que tenham que se afastar de si para que não se machuquem. Não tem nada de mais, algumas pessoas descobriram que são péssimos companheiros para si mesmos, por isso buscam companhia em outras pessoas.
Quando estivermos sozinhos com nós mesmos, temos a oportunidade de nos dar o que cultivamos de melhor. Quando estou só, posso me dar aquilo que mais gosto, por exemplo bons pensamentos. Também posso me dar uma boa conversa comigo mesmo, aquela conversar de amigo, companheiro, que entende que a jornada da vida não é uma linha reta. Um companheiro, que sabe que o tempo e a beleza passam, mas que se continuar se acompanhando e cultivando aquilo que tem de melhor pode ficar muito bem. Não há uma receita, mas uma recomendação: procure ser um bom companheiro para si mesmo, nem sempre estaremos acompanhados na vida.

Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 19 de maio de 2014

EU

Eu sou... Num artigo anterior falei um pouco sobre a propagação do EU e a responsabilidade sobre esta propagação. Dois grandes filósofos serviram de base para falar do assunto: Heidegger e Sartre, sendo tanto um quanto o outro radicais em suas escolhas e práticas. Neste artigo insisto mais uma vez em falar do EU, esse ser que “vai sendo” ao longo da vida e se constituindo como tal. O outro, que recebe o EU, não sou EU, assim já disse Levinas, não faz par comigo, não é apenas alguém que não sou EU. Segundo o próprio Levinas é preciso identificar a mim mesmo na relação e somente assim, talvez chegue ao outro, sem massificá-lo. Vamos pensar um pouco sobre o assunto.
Se tiver um pequeno espelho por perto, olhe-se e veja o quanto de você é possível identificar em sua imagem no espelho. A roupa que você veste foi escolha sua ou é moda? O corte de cabelo que usa é escolha sua ou foi-lhe dito que ficaria melhor em você? A lista de pequenas coisas que pode observar no espelho e ver o que de você está nele é grande, continue por você mesmo. Agora vamos um pouco mais fundo: as pessoas com as quais você convive, são escolha sua ou são conveniência? Sei, alguns já argumentam dizendo que faz parte da vida vestir roupas que não tem a ver consigo, conviver com pessoas que não tem a ver consigo. É provável que sim, diariamente visto roupas que nada têm a ver comigo, entro em contato com pessoas que não têm a ver comigo, mas não faço isso por escolha, faço porque faz parte da vida.
EU me constituo das escolhas que faço ou deixo de fazer, desta forma ao olhar para mim mesmo e ver o quanto sou EU é apenas um passo para saber o quanto já deixei de ser. Não há nenhum problema nisso, algumas pessoas abandonam o seu EU para viver um personagem: político, médico, atriz, marido, esposa, empresário e vivem bem com isso. Mas e as pessoas que não vivem? Você, que faz tempo que não é você mesmo, ainda sabe como voltar a ser EU ou mais EU? O problema é que isto já está tão normal que desde os mais tenros dias de vida os pais já direcionam uma existência de fachada, de mentira, fingida, falsa. Recomendo muito ver o filme “Na natureza selvagem”, no qual o personagem percebeu que ao ser massificado, perdeu sua identidade, seu EU. Para recuperar-se a si próprio fez uma grande viagem fora e dentro de si próprio, até perceber que não precisava ter ido tão longe para ver o que estava Nele.
Para recuperar o seu EU perdido volte um pouco no tempo, veja quem era você ao longo de sua história, antes de querer viver algo que não é. Alguns, para voltar ao caminho do EU precisam pegar um final de semana e ir visitar seus pais, voltar a casa onde moraram boa parte da vida, fazer uma gênese da própria existência. Essa gênese passa por entrar em contato com amigos do tempo de escola, retomar antigos e bons contatos. Para outros voltar a ser EU quer dizer ir à igreja, local onde não vai há muito tempo porque dizem que religião é coisa de pessoas sem instrução. Justamente por distanciar-se da fé é que deixou de ser EU, quem sabe você não é o tipo de pessoa que faz fé e a razão conversarem.
Pode não ser muito fácil se manter EU numa sociedade onde o “todo mundo” é cada vez mais presente. É complicado ser EU em uma sociedade onde os últimos estudos dizem que “as pessoas” querem ser felizes. De onde vêm essas verdades? Cito um filósofo, Rousseau, que fala da fundação da sociedade civil, diz ele “o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado o terreno lembrou-se de dizer “isto é meu” e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo”. O mesmo acontece com o EU, o fundador de um padrão de ser humano foi aquele que disse “o ser humano é assim” e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditar.


Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Espelhos

Vamos comentar acerca de uma das perguntas mais fáceis de serem feitas, mas nem tão fáceis de serem respondidas. Pergunte-se a você mesmo: Quem sou eu? Independente da resposta que você elaborar, você estará trabalhando o princípio de identidade, ou seja, o que identifica e diferencia você de outras pessoas. Mas para que você possa se identificar e se diferenciar das outras pessoas é necessário um caractere de identidade. Esse caractere pode ser chamado de espelho, ou seja, um conjunto de condições que permite que você se veja e possa se identificar em meio às outras pessoas. E agora, qual seria o espelho no qual você se olha? Para ilustrar a situação, imagine uma menina com uns quinze anos de idade que usa como espelho os outros. Neste caso, ela será para ela mesma o que os outros disserem dela. Se os outros disserem que ela é feia, burra e pobre, muito provavelmente é assim que ela se verá. Pessoas como esta menina, se tiverem esse princípio muito forte, ficarão reféns da opinião alheia, buscando seguir o que os outros dizem para ser alguém como os outros dizem que ela deve ser.
Nem sempre o espelho que uma pessoa usa para identificar a si própria é o melhor ou é verdadeiro. Algumas vezes a pessoa se mira em um espelho defeituoso e tem uma imagem distorcida de si mesma, como o caso da menina. Essa opinião tanto pode ser ruim a respeito de si própria, como pode ser boa. O interessante é que algumas pessoas usam espelhos como ferramentas, tendo uma imagem de si mesma de acordo com o que querem ver e não como realmente são. Existem ainda pessoas que usam diversos espelhos ao mesmo tempo para montar a opinião a respeito de si, mirando no mundo, na religião, nos pais, no marido. Estas pessoas terão como medida um conjunto dos vários conteúdos que refletem aquilo que ela é. Quando estes conteúdos forem unívocos, ou seja, transmitirem a mesma mensagem, todo bem. Mas nem sempre é assim e uma pessoa que se acha muito boa, caridosa, pode ao mesmo tempo se achar má e avarenta. Isso não é bom, mau, certo ou errado, mas será conforme os espelhos que ela escolher para se refletir.
Com base nestas informações pergunto: O que o outro pensa de você? Como dito anteriormente, para algumas pessoas isto tem um peso muito grande, sendo inclusive linha de condução para a vida. Mas, para que a vida seja melhor, é válido lembrar que cada pessoa que você conhece e se relaciona no dia a dia está entrando em contato com apenas uma parte de você. Assim, se lá no seu trabalho acham você uma pessoa chata, sem sal e muito mal humorada, não há nada de errado nisso. Justamente porque o que eles acham de você lá, se resume aquele local e aquelas pessoas, pois elas entram em contato com você naquele contexto. Você pode pensar em pessoas que convivem consigo mais tempo por dia, como a esposa, o marido, os filhos, colegas de quarto e assim por diante. Mesmo nestes casos convivem apenas com uma parte de você, não com o todo, pois dependendo das pessoas com as quais você entra em contato, apenas alguns conteúdos são compartilhados.
E você, o que acha de você mesmo? No início deste artigo os espelhos foram colocados como critério de identidade. Quais seriam os espelhos que você usa? O que se pode recomendar é o uso de vários espelhos a fim de se montar uma imagem multifacetada, ou seja, com vários critérios de identidade. Desta maneira será possível formar um EU que tenha por base conteúdos sólidos e descartar os que não têm conteúdo. Ao usar somente um espelho, a pessoa pode viver como um cavalo que usa antolhos, instrumento que limita a visão do animal. A liberdade de se mirar em diversos espelhos pode lhe mostrar alguém que ainda não conhece: você.

Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Espacialidade

Em Filosofia Clínica existe um tópico chamado de Espacialidade. Nele os filósofos estudam os tópicos chamados Deslocamento Curto e Deslocamento Longo, Inversão e Recíproca de Inversão. Destes quatro, gostaria de me dedicar primeiramente a dois deles: Deslocamento Curto e Recíproca de Inversão. Deslocamento Curto pode ser definido como uma propensão ou característica da pessoa de estar voltada ao ambiente, ou seja, se ela está numa sala ela pode estar atenta às cores, disposição dos móveis, sons, enfim, ela estará conectada ao ambiente. Já a Recíproca de Inversão tem como característica estar voltado para o outro, estar atento ao outro no seu modo de ser. É necessário lembrar que trago aqui definições resumidas, apenas uma introdução.
Uma pessoa que apresente abertura para estes dois tópicos ao mesmo tempo está atenta ao ambiente onde está inserida, assim como às pessoas que a rodeiam. Um exemplo simples: andando pelo supermercado com o carrinho de compras, a pessoa presta atenção à disposição de seu carrinho no corredor. Ao mesmo tempo se coloca no lugar dos outros que também precisam passar pelo mesmo corredor, assim ela desloca seu carrinho para próximo das prateleiras para que sobre mais espaço para circulação. De forma concomitante, ela percebe o ambiente e ainda as pessoas, a conexão entre estes dois aspectos poderia soar assim: “Vou colocar o carrinho no canto porque aquela senhora quer passar”.
Porém, cada vez mais encontramos pessoas que vivem distantes do local onde estão e voltadas apenas para si. Fazendo uso dos dois outros conceitos, Deslocamento Longo e Inversão, explicamos o que vem acontecendo com frequência. Deslocamento Longo é a propensão ou característica de alguém que sai do ambiente de onde está e vai para outros lugares ou tempos através do pensamento. A Inversão é uma característica de pessoas que estão voltadas para si mesmas, seus pensamentos, emoções, dores, etc. Juntando estes dois fatores temos uma pessoa que está no supermercado fisicamente, mas provavelmente sua mente está em outro lugar pensando em si mesma. É necessário lembrar que apenas neste exemplo fiz a junção obrigatória destes dois fatores, em cada caso pode ser diferente.
O segundo exemplo ilustra bem uma pessoa que ao fazer compras, pensando nos gastos do mês, no cachorro que ficou solto, no patrão que está bravo, enquanto anda pelo supermercado deixa seu carrinho no meio do corredor trancando os dois lados. Uma pessoa que fez este movimento está longe, dedicando-se às suas coisas, desconectada do local onde está. Em sua cabeça pode estar: “O preço do arroz subiu, no mês que vem vou ter que ver o que posso economizar se não vai faltar dinheiro”. Enquanto isso seu carrinho atrapalha o restante das pessoas em suas compras, quando não ela mesma tranca o restante da passagem que sobrou.
Estar atento ao ambiente pode ser a diferença entre a vida e a morte. Muitos acidentes acontecem porque a pessoa foi via Deslocamento Longo, para outro lugar e ficou desatenta ao trânsito. Outros tantos acidentes acontecem porque alguém resolveu pensar somente em si mesmo, como no caso daqueles que ultrapassam pelo acostamento para adiantar uma viagem onde muitos outros aguardam na fila. Não há movimentos corretos ou incorretos, mas momentos em que eles são mais ou menos necessários. Cada pessoa tem o seu modo de definir quando deve estar em Inversão ou Recíproca, algumas vezes tenho que pensar em mim primeiro, mas em outras não.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Egoísta

Se alguém lhe perguntasse se você é uma pessoa egoísta, qual seria sua resposta? Sim? Não? Depende? Depende do que? O egoísmo em nossa sociedade é visto como um defeito, uma marca que algumas pessoas têm. Não é bonito ser visto como egoísta, mas será que realmente sabemos o que é ser egoísta? Consultando a internet achei um conceito bem interessante, lá diz que o egoísta é uma pessoa que tem o hábito ou atitude de colocar-se sempre em primeiro lugar. O detalhe é que a definição diz que estas pessoas se colocam em detrimento dos outros, ou seja, não interessa o outro, mas apenas eu. E, para finalizar, a definição diz que o egoísmo é o contrário do altruísmo.
Se pensarmos nesta palavra partindo de sua definição talvez possamos ter um entendimento diferente. A palavra egoísmo vem de duas palavras latinas “ego”, que quer dizer eu e “ismo”, que quer dizer prática de. Então, segundo essa definição a palavra egoísmo pode ser traduzida como a prática do eu. Assim, quando estou a pensar em mim estou a praticar eu, ou seja, exercitar meu eu. Mas cada um de nós tem uma quantidade imensa de conteúdos que podem ser exercitados dentro de si.
Quando você sai pela manhã e vai caminhar, enquanto exercita o seu corpo, os benefícios que deseja para sua saúde podem ser considerados egoísmo? Quando você levanta cedo e só vai dormir tarde porque trabalha muito e quer ganhar bem, isso é egoísmo? Quando você se veste bem, cuida da aparência, lê bons livros e procura conhecer uma mulher bonita, inteligente que lhe faça feliz, isso é egoísmo? Quando entra num supermercado, compra bons produtos, procura o melhor para si, isso é egoísmo? Eu sei, alguns já estão de olho na palavra detrimento, dizendo que o egoísmo é pensar em mim em detrimento do outro.
Há um santo que dizia em seu tempo: “Tudo que eu tenho a mais do que eu preciso, não é meu”.  É inevitável que enquanto eu ganhe bem, alguém ganhe mal, enquanto eu coma bem, alguém esteja comendo mal. Não há como evitar a desigualdade, uns com mais e outros com menos. O egoísmo é ou pode ser entendido como uma forma de se colocar como prioridade, coisa que muitas pessoas o fazem. E quem coloca o outro como prioridade, porque este não é errado? Por que isso não é feio?
No egoísmo ou exercício do eu, há uma parte da qual não se comenta. Pensem em pessoas que são muito boas, querem para si o melhor, mas estas pessoas acreditam que sua família faz parte delas. Nestes casos tudo o que elas conquistarem, provavelmente também será de sua família. É o caso do pai de família que é extremamente egoísta na empresa, porque ele é quatro. Quando ele pensa nele mesmo está pensando na esposa e mais dois filhos, o exercício do eu dele alimenta quatro pessoas.
Quando alguém exercita o seu egoísmo, devemos observar melhor o que essa pessoa anda exercitando e ainda, quem é ela. O eu de algumas pessoas são os seus amigos, o eu pode ser sua família, o eu pode ser a sua empresa. Então, quando pensarmos em egoísmo, seria interessante pensar antes em quem sou eu e o que eu estou exercitando. Meu egoísmo pode alimentar muita gente.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 13 de maio de 2014

Dores existenciais

Vivemos numa época em que as dores são consideradas como ruins, uma dor é algo a ser debelado. Antigamente quando uma criança cortava o dedo, era tratada com Merthiolate e Mercúrio Cromo. Um dos desafios às mães era convencer a criança a se deixar medicar, pois eram medicamentos que causavam dor. Geralmente a mãe dizia: “Fica quieto, se dói, cura”. Atualmente o medicamento já não causa mais dor, a fórmula foi alterada de maneira que a aplicação seja indolor. Quando não se tinha Merthiolate utilizava-se álcool ou até mesmo a velha e boa cachaça com arnica. Aqueles que passaram por estes tratamentos devem lembrar que era bastante doloroso a aplicação destes medicamentos sobre a ferida. Era também uma época em que a criança tinha desde cedo uma participação forte na família, em muitos casos com tarefas como alimentar os animais, varrer o pátio, capinar a horta. As dificuldades da família eram partilhadas, não se “tapava o sol com a peneira” para que a criança não sofresse.
Esta postura menos polida, dito por alguns, mas realista, era a maneira que as famílias antigas tinham para preparar suas crianças para a vida. Eram crianças, hoje adultos, que desde cedo percebiam que na vida passar por algumas dores era algo absolutamente normal e natural. Sabiam que depois de um dia capinando as mãos teriam bolhas e estas provocariam dores; com o tempo e o trabalho a pele da mão engrossava e já não fazia mais calo. Não se pode dizer que era algo agradável, bom, desejável, mas era algo pelo qual era necessário passar. Colaborar com a família passava pela dor do trabalho físico.
Existencialmente as coisas não são muito diferentes: existem dores que precisam ser vividas para que nos façam mais fortes. Imagine uma mocinha que arruma um namorado. Pelos acasos da vida seu relacionamento não funciona e ela sofre. Sua mãe, por temer o pior recomenda um remedinho para aliviar essa dor ou leva a filha às compras para esquecer. O que esta mãe está fazendo? Muito provavelmente está evitando que a filha crie resistência, que aprenda com o que aconteceu, que vivencie de maneira produtiva aquela dor existencial. Sofrer por sofrer não é recomendável, mas eliminar todo o sofrimento também não é produtivo.
Em alguns casos uma depressão pode ser o melhor remédio que uma pessoa encontrará para muitos dos males. Em um de meus atendimentos ouvi o seguinte: “Eu estava em depressão, estava triste, não queria conversar e as pessoas diziam que eu não tinha motivo para estar assim. Eu sabia, mas quanto mais elas me diziam, mais depressiva eu ficava. Eu estava vivendo minha depressão, era um momento que eu precisava viver. Depois que vivi segui em frente”. É interessante perceber que viver uma dor existencial não significa ser masoquista, mas viver a consequência de uma série de fatores que podem ser ruins agora, mas serão muito bons no futuro. Na primeira vez em que se vai à academia ao fazer exercícios os músculos doem, e é sinal de que os exercícios estão fazendo efeito.
Uma pessoa que usa dispositivos para anestesiar uma dor pode pouco a pouco aumentar a dose para uma dor que é, aparentemente, cada vez maior. Algumas pessoas ao anestesiar suas dores também anestesiam seus prazeres. Correm o risco de chegar num tempo em que não sabem mais o que é dor ou prazer, ou seja, ficam anestesiadas para a vida.

Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Dizer o indizível!

Existem horas para as quais as palavras não servem, momentos em que não há como usar palavras para comunicar o que desejamos falar. Diariamente usamos palavras ditas, escritas ou símbolos que significam coisas e nos fazem entender por onde passamos. Mas nem sempre estes artifícios são suficientes para comunicar o que precisamos dizer. Podemos citar momentos como o vivido pelo ator Adan Sandler na obra “Reine sobre mim”. Nesta obra o personagem perde a família em 11 de setembro e, após alguns meses, encontra um ex-colega da faculdade. Esse ex-colega, a partir deste encontro, tem como objetivo ajudar o amigo que se entregou ao sofrimento de ter perdido a família. No entanto, não é possível sequer falar a respeito do acontecido. Como poderíamos fazer para falar com o personagem de maneira a trabalhar seu sofrimento?
Dizer nem sempre pressupõe palavras, muitas vezes queremos dizer e até mesmo dizermos, explicamos, mas a outra pessoa não ouve. É uma outra situação que pode acontecer, aquela em que dizemos, mas não somos ouvidos. Situações como o fim de um relacionamento em que a mulher comunica ao seu companheiro que a relação terminou. Ela fala e explica a ele que tudo está acabado e que cada um deve seguir o seu caminho, no entanto, ele simplesmente não ouve, continua agindo como se fosse marido. O mais interessante é que mesmo desta maneira ocorre o processo de separação e eles se separam. Mas o homem continua agindo como um homem casado, quando está com ela age como marido, tem ciúmes e espanta qualquer um que chegue perto de sua esposa.
Alguns conteúdos que guardamos há muito tempo, já nem temos mais coragem de comentar, mas nos trazem um profundo sofrimento. São segredos, pecados não confessos, palavras que jamais devem ser ditas, mas que algumas pessoas precisariam falar. Para estas pessoas só a ideia de comentar sobre o assunto já traz um sofrimento tão grande que é impossível suportar. Por isso pensam, remoem, guardam pela vida afora uma mancha que escurece qualquer pontinha de luz que apareça.
Dizer o indizível é dar vazão aos conteúdos existenciais, de uma maneira que possa haver um esvaziamento dos conteúdos ou uma compreensão da parte de quem ouve. Para muitas pessoas o caminho das palavras não é o melhor para trabalhar suas dores e sofrimentos. Como no filme “Reine sobre mim”, onde o personagem sequer fala sobre o assunto, mas retoma incessantemente a rotina de reformar a cozinha. Como o menino que não consegue dizer que ama a menina, mas faz uma seleção musical para ela, pois de outro jeito seria indizível.
O verbo falado é uma forma de comunicação tradicional e em muitos casos inútil. Como para o marido, que depois de uma longa conversa não ouviu que o casamento acabou. A mulher provavelmente não disse de uma maneira que ele pudesse ouvir, como através de uma carta, através de um amigo, através de seus perfumes. Dizer, fazer com que o conteúdo guardado no íntimo ganhe o mundo é uma arte que pode ser desenvolvida e cultivada. Como o caso de Frida Kahlo que diz o indizível sofrimento de não poder ser mãe através de suas pinturas. Algumas pessoas descobrem na arte uma forma muito interessante e forte de deixar sair o sofrimento que não sairia falando, escrevendo. Dizem através de outras formas de verbo o que através dele jamais diriam.

Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Decidir

A palavra decidir faz parte da vida de boa parte daqueles que trabalham como administradores. Decidir, determinar, resolver, dispor, são palavras que denunciam que entre as milhares de possibilidades possíveis uma foi a escolhida. E é exatamente aqui que se encontra o real cerne da questão: saber se a decisão tomada é a melhor decisão. Para isso algumas pessoas desenvolvem métodos, um deles é famoso: “Nunca tome uma decisão de cabeça quente”. Segundo estas pessoas, decidir com a cabeça fria propicia a clareza das questões envolvidas, de modo a encaminhá-las com maior objetividade. Há também os que dizem: “Nunca decida com o coração, a razão é a melhor ferramenta para uma decisão administrativa”. Essa forma de pensar aponta para um homem cerebral, que faz contas, vê probabilidades e diante destes dados decide. Enfim, existem infinitos métodos que garantem uma decisão acertada.
No entanto, algumas vezes, ou para algumas pessoas, o método de nada vale, pois não passa de teoria que é dita ao vento. O mundo da administração e vários outros estão repletos daqueles que dizem o que lhes vêm à mente quando estão furiosos  e depois se arrependem. A máxima de não decidir de cabeça quente fica para trás e depois a pessoa precisa recolher os cacos e ver o que pode ser feito. Há também os que dizem que se deve decidir com a razão, mas colocam o filho como sucessor de sua empresa porque entendem que assim podem demonstrar amor ao filho. O filho pode até se sentir amado, mas em muitas vezes será ele quem levará a empresa para a falência. Retomando a questão da decisão, diria que não é tão importante saber se a decisão foi acertada, mas que é de suma importância saber quais ferramentas cada um usa para decidir.
Em Filosofia Clínica, ao longo da terapia, descobrirmos quais são as ferramentas que uma pessoa usa para tomar suas decisões e percebemos que algumas pessoas dizem exatamente o contrário daquilo que praticam. Para citar um exemplo, há em Filosofia Clínica uma ferramenta chamada de Esquema Resolutivo que funciona usando os prós e contras de uma decisão, ou seja, se existem mais prós, a pessoa vai por esse caminho, se existem mais contra, ela recua. Essa mesma pessoa que diz pesar prós e contras pode ser a mesma que, quando tem de decidir, sai a pedir opinião e segue a opinião que tem mais peso. Assim, não há prós e contras, mas o conselho de uma pessoa que tem mais influência em sua vida.
Há também pessoas que não conseguem decidir, são aqueles ou aquelas que não conseguem definir o que acontecerá. Comumente há pessoas que entram em organizações e são ótimos no que fazem, desde que não precisem decidir. Algumas destas pessoas deixam o problema ou a questão se desenvolver e ao final, quando a decisão já está dada elas se posicionam. Não há nada de mais nisso, é uma característica, porém nada bem vista pelas pessoas que tem um apreço forte pelas tomadas de decisões.
Uma das formas de se ajudar pessoas com problemas para decidir é usar um procedimento chamado de Roteirizar, isso quando a pessoa tiver propensão a esta técnica. Essa ferramenta cria um caminho diante da pessoa, ou seja, aponta a história toda e ao longo dessa história o que pode acontecer dependendo do que ela decidir. Para algumas pessoas, a criação do roteiro faz com que saibam quando é a hora de decidir e qual será a melhor decisão. No entanto, isso é assim apenas para algumas pessoas, muitas outras funcionam de outra maneira e têm outras ferramentas. Decidir não é necessariamente fazer, decidir consiste em apontar o caminho, para fazer é preciso ter Em Direção ao Desfecho, mas esse é assunto para um próximo artigo.

Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Critério

Há pouco tempo iniciei um projeto que leva o trabalho de Filosofia Clínica do consultório para a empresa, ou seja, o trabalho terapêutico que tem por objetivo resolver questões existenciais neste caso é voltado como ferramenta para a dissolução de questões organizacionais. Um dos vários propósitos de se inserir a Filosofia Clínica nas organizações é levar para a administração o entendimento de que cada ser humano é único, além de se fazer entender que os recursos humanos precisam ser entendidos como mais precioso que qualquer outro recurso econômico. Explico: numa empresa, a matéria prima recebida é analisada e usada de acordo com suas propriedades e o mesmo deveria ser feito com o ser humano, ou seja, respeitar sua singularidade.
Em determinado atendimento realizado numa organização, o problema apontado por um funcionário em cargo de gerência foi o seguinte: o gerente relatou que estava com peso por ter demitido um de seus funcionários e que cada vez que precisava demitir, isso lhe causava grande sofrimento. Em posse de sua historicidade (aos filósofos clínicos lembro que é: Historicidade, Exames das Categorias, EP, Submodos Informais, etc.) iniciei um trabalho de divisão. Divisão é um procedimento clínico por meio do qual o filósofo leva o partilhante a separar seus conteúdos de acordo com alguns critérios. Perguntei ao referido gerente se havia algo em específico que lhe causava este sofrimento. O partilhante respondeu que o que lhe causava sofrimento era saber a situação difícil que vivia o funcionário que havia demitido, mas que ao mesmo tempo sabia que precisava demiti-lo visto que o funcionário não dava resultado mesmo após várias chances.
Percebe-se que o partilhante apresenta um choque na Estrutura de Pensamento entre as Emoções e a Razão, choque que lhe causa sofrimento no desempenho de sua função. Para sanar este choque, com o conhecimento prévio do funcionamento do partilhante por meio da historicidade, foi encaminhado um processo de divisão. Esse processo começou com base em pequenas questões sobre o processo de seleção dos candidatos à vaga e como eles eram contratados. Ao longo desse processo, o partilhante percebeu que eram critérios racionais que mostravam se o candidato à vaga seria contratado e o mesmo era feito para a demissão de um funcionário. Ele percebeu que assim como a admissão, a demissão também é feita com base em critérios e não em gostos, que a demissão não é feita por ele, mas pelos critérios que inviabilizam a permanência do membro na equipe.
Outra situação foi a de uma coordenadora que recebeu a sugestão de demitir um funcionário de sua equipe por não estar cumprindo as metas. A mesma observou os critérios utilizados para avaliar e percebeu que deveria flexibilizá-los com a pessoa em questão. A coordenadora reconheceu que o tempo de aprendizado de cada um dos membros da equipe é diferente e resolveu esperar. Ao fazer isso, ela tornou os critérios singulares, ou seja, os critérios se aplicam a cada um de acordo com o seu jeito, sua singularidade. Os critérios são linhas que definem dentro e fora, certo ou errado, mas que podem ser utilizados de maneira singular.
Tanto no primeiro quanto no segundo caso há uma divisão, sendo que, não são as pessoas que demitem as pessoas, mas os critérios que dizem quem está dentro ou fora. A proposta da Filosofia Clínica é apresentar critérios que se flexibilizem, critérios que avaliem cada um como ser único. Sabe-se que são as pessoas que fazem os critérios e elas mesmas os aplicam, mas a falta deles pode encaminhar uma instituição à falência, processos judiciais, desagregação, conflitos, etc.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 6 de maio de 2014

Como mudar o passado

Em diversas aulas de Filosofia Clínica aparece a pergunta: “É possível mudar o passado?” A resposta para essa questão é simples: “Não sei”. Quando um professor de Filosofia Clínica ouve essa pergunta, a primeira ideia que lhe vem a cabeça é: “De quem estamos falando?” Para a Filosofia Clínica, não é possível saber se é possível mudar ou não o passado sem saber de quem se está falando. Para um filósofo clínico quem conta a história é uma pessoa e tudo o que ela contar depende da representação de mundo dela. Essa representação pode ou não sofrer alterações de acordo com cada pessoa.
Para entender melhor é preciso antes fazer uma diferenciação. Quando os alunos dizem não ser possível mudar o passado estão falando em história, esta palavra segundo Borges (1993) “é uma palavra de origem grega, que significa investigação, informação”. Esse entendimento de história vai de encontro com o mesmo entendimento que tem o historiador francês Jacques Le Goff. Para ele a história é escrita a partir de investigações realizadas acerca do que aconteceu, tal como aconteceu. Quando um historiador conta uma história deve ter provas, chamadas de documentos. Esse entendimento de história torna o acontecido imutável, uma vez que tudo o que foi dito pode ser provado.
No entanto, em Filosofia Clinica não se trabalha com a ideia de história, mas historicidade. A palavra historicidade surgiu na França em 1872. Diferente de história que tem compromisso com a verdade, a historicidade é uma história contada por um homem comum acerca de um evento qualquer. Segundo Michel Foucault, quando uma pessoa conta uma história ela deixa a sua marca nela. Isso acontece pelas palavras que usa, pelas expressões que faz, pelo modo como organiza os fatos e até mesmo de acordo com a maneira que descreve o lugar. Ainda de acordo com Foucault, essa marca faz com que seja possível ver a pessoa por trás da narrativa. Na metodologia da Filosofia Clinica faz-se uso da historicidade, onde a pessoa conta sua história de acordo com o que lembra de sua vida. Essa narrativa feita pela pessoa mesma faz com que ela se coloque na narrativa, ou seja, enquanto ela conta sua história está falando dela mesma.
Retomando a questão de mudar o passado: para algumas pessoas o que elas contam de suas vidas é um documento, como em Le Goff, um monumento, ou seja, fala por si. Nestes casos, o que a pessoa conta de sua história está dado, não tem como mudar, é assim. Noutros casos a pessoa, quando conta sua historicidade, faz com liberdade criativa, aumentando, invertendo, tirando ou colocando elementos. Para algumas dessas pessoas, pela forma plástica como narram sua história, dão a possibilidade ao terapeuta de mudar o passado delas. Muitas delas já o fazem por si só.
Isso pode acontecer no seguinte caso, apenas uma das muitas maneiras de se fazer. Pense na sua casa de pequeno, em como você lembra dela, paredes, telhado, estrutura, momentos que você viveu lá. Depois de feito isso, vá até lá, veja se os seus registros são exatamente como as coisas eram. Algumas pessoas ao fazer esse movimento atualizam as informações, inserem novas medidas, novas cores, aromas e a nova lembrança se sobrepõe a antiga. Pronto, mudamos o passado.
Num último exemplo pode-se pensar nas pessoas que se foram. Havia um vizinho que perdeu sua mãe há alguns anos, para ele sua mãe nunca o tinha amado, tinha só lembranças tristes com sua mãe. Para ele a história de sua vida foi de dor e sofrimento, isso por causa da dura cobrança da mãe. Chegando ao terapeuta, este descobriu pela sua história que era possível alterar o significado das palavras. Depois de muito trabalho o filósofo ressignificou a palavra cobrança como amor. Depois desse dia, ele refez todo o seu passado. Agora, a qualquer um que lhe perguntasse, o seu passado tinha sido de muito amor e carinho, uma nova história.

Rosemiro A. Sefstrom