“Eu não queria que
fosse assim”
Há muito tempo, quando
comecei minha caminhada como terapeuta, um grande mestre contou-me uma
história. Disse ele: “Há muito tempo, quando comecei minhas pesquisas para
elaborar a Filosofia Clinica atendi um homem que procurou por meu auxílio. No
atendimento fiz o que era possível ter feito, dada a história de vida da pessoa
e suas implicações práticas. Depois de alguns atendimentos, num certo dia,
recebo a notícia de que a pessoa que atendia havia se suicidado. Fiquei desolado,
pensei em parar com tudo o que estava fazendo, mas antes disso conversei com um
homem que considero muito sábio. Este homem, ouviu atentamente tudo o que lhe
contei e ao final sentenciou: “Você não acha muita arrogância decidir até
quando o outro deve viver?” Essa versão está um pouco distante da original, até
mesmo por uma questão de ética.
Guardei profundamente essas
palavras e diariamente, ao atender cada pessoa lembro que acima de tudo, a
decisão cabe à pessoa. Esta semana um colega me contava em uma conversa que seu
casamento estava ruim, seu filho não queria mais morar com o casal, havia
decidido ir morar com os avós. Esse colega sentou com o filho e ponderou o
quanto seria importante ele permanecer em casa, convivendo com a família.
Depois de ouvir atentamente sua história ponderei: “Para quem é importante que
ele permaneça em casa?” A pessoa desmoronou, disse que senão fosse o filho,
provavelmente o casamento estaria terminado. O filho era o único laço que
restara entre ele e sua esposa. Segundo
ele: “Não queria que fosse assim”.
O que este pai queria
para o filho não tinha nada a ver com o filho, mas com o que ele queria para
si. O mesmo aconteceu com o terapeuta, queria que a pessoa a qual atendia
continuasse vivendo, mas não era bem assim que seu partilhante entendia. Algumas
coisas, para não dizer a maioria das coisas que nos rodeiam funcionam
independentes de nossa vontade. Um dia, caso você levante mais tarde, vai
perceber que o sol nasceu, que o ônibus passou, que os passarinhos cantaram. O
mundo e tudo o mais que há nele é modificado pelo simples fato de existirmos,
mas nem por isso ele fará o que queremos.
Querer que uma
determinada escolha seja diferente diz respeito às buscas, o que eu quero. Mas,
nossas buscas são nossas, por mais que entenda ser minha a melhor ideia, o
melhor caminho. O que eu busco pode ser totalmente diferente do que a outra
pessoa busca. Há meninas que se casam por que tem que se casar, não porque tem
interseção com seu companheiro. Quando percebem que isso é uma grande bobagem
se separam, não queriam que fosse assim, mas foi.
Nossas escolhas
afetam-nos, mas as escolhas de outras pessoas também podem nos afetar. Isso
dependerá do quanto colocamos na mão do outro o nosso poder de direcionar a
nossa própria vida. O que queremos que seja pode ser só para nós, é preciso
entender que o outro pode querer diferente.
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