Eu em uma frase!
Minha mãe dizia: “Abra
o olho e ache o ladrão”. Essa é uma frase que se encontra no filme Ray, obra
que conta a história de vida de um dos maiores nomes da música mundial. Ray
Charles faleceu em 2004 quando o filme que conta sua história estava quase
pronto. A citação de sua mãe é por apontar o quanto o que a mãe lhe disse tinha
peso na sua forma de pensar e de ver o mundo. Essa influência que Charles
recebeu de sua mãe fica expressa em uma frase, mas para ele é muito mais do que
isso, sua mãe é a eterna companheira. Em cada parte de sua vida foi acompanhado
e encaminhado por aquilo que sua mãe disse e não apenas por uma ou duas frases.
Uma frase, duas frases de sua mãe se tornariam vazias ao longo do tempo e
poderiam ser interpretadas de qualquer forma, sem compromisso com o real
significado do dito.
A questão que levanto
através do filme Ray é o quanto conhecemos de alguém para tomarmos o que ele
diz como verdade. No caso do mundo acadêmico, ainda mais forte, de retirar de
um autor com cinco, seis, sete, dezenas de obras apenas uma frase e dizer: “Com
essa frase resumimos o pensamento do autor tal”. Esse resumo é roubar, afanar,
retirar do autor tudo aquilo pelo qual ele escreveu suas obras. Provavelmente,
isso falo a partir de mim, se você ler esse artigo e tentar resumir, muito do
que está escrito se perderá. Mas, se você tentar explicar com suas palavras o
que está escrito, dessa forma você se apropria do que está escrito e acrescenta
o seu modo. Resumir um autor é como editar de suas obras apenas aquilo que se
entende resumir o seu pensamento.
Se tentássemos resumir
tudo o que você viveu até aqui em uma frase, o que diria? Diga, pode ser só
para você mesmo. Agora, pense um tanto a respeito, veja se não é uma pretensão
gigantesca resumir uma vida de trabalho, estudo, relacionamento, conhecimento e
outras tantas coisas em algumas poucas palavras. Piorando um pouco mais,
imagine agora que você pega essa frase e a coloca na sua sala, para que cada um
quando entre veja lá a frase que resume sua vida. Há pessoas, e são muitas, que
reduzirão tudo o que você fez a isso, uma frase. Sócrates deve estar se
revirando no túmulo quando dizem: “Só sei que nada sei”. Por que ele disse
isso? A que se referia?
Dizer uma frase e fazer
dela um bordão, um jargão, uma linha que ficará nos anais da história não faz
dela o resumo de tudo o que um pensador disse. Imagine que a frase de sua
parede seja: “Nasci, vivi e morri por aqueles que amo”. Bom, por essa frase
pode-se dizer que tudo o que fez na vida foi pelos outros, mas será que é mesmo
isso que quer dizer ou fui eu quem entendeu assim? E muitas vezes o que eu
entendo não é o que o autor disse, ele pode ter dito outra coisa, mas eu, por
ter visto apenas uma pequena frase, entendi errado.
Conhecer a vida de um
autor, ler suas obras, estudar um pouco sobre sua cultura faz com que se possa
entender um pouco melhor aquilo que ele disse. Um autor quando escreve, mesmo
que uma frase, ele nada quer dizer, ele disse. Por isso resumir o pensamento de
um autor no que ele “quis” dizer em apenas uma frase faz com que tudo o que ele
disse se torne vão.
Rosemiro A. Sefstrom
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