Como mudar
o passado
Em diversas
aulas de Filosofia Clínica aparece a pergunta: “É possível mudar o passado?” A
resposta para essa questão é simples: “Não sei”. Quando um professor de
Filosofia Clínica ouve essa pergunta, a primeira ideia que lhe vem a cabeça é:
“De quem estamos falando?” Para a Filosofia Clínica, não é possível saber se é
possível mudar ou não o passado sem saber de quem se está falando. Para um
filósofo clínico quem conta a história é uma pessoa e tudo o que ela contar
depende da representação de mundo dela. Essa representação pode ou não sofrer
alterações de acordo com cada pessoa.
Para entender melhor é preciso antes fazer uma diferenciação.
Quando os alunos dizem não ser possível mudar o passado estão falando em
história, esta palavra segundo Borges (1993) “é uma palavra de origem grega,
que significa investigação, informação”. Esse entendimento de história vai de
encontro com o mesmo entendimento que tem o historiador francês Jacques Le
Goff. Para ele a história é escrita a partir de investigações realizadas acerca
do que aconteceu, tal como aconteceu. Quando um historiador conta uma história
deve ter provas, chamadas de documentos. Esse entendimento de história torna o
acontecido imutável, uma vez que tudo o que foi dito pode ser provado.
No entanto, em Filosofia Clinica não se trabalha com a ideia de
história, mas historicidade. A palavra historicidade surgiu na França em 1872.
Diferente de história que tem compromisso com a verdade, a historicidade é uma
história contada por um homem comum acerca de um evento qualquer. Segundo
Michel Foucault, quando uma pessoa conta uma história ela deixa a sua marca
nela. Isso acontece pelas palavras que usa, pelas expressões que faz, pelo modo
como organiza os fatos e até mesmo de acordo com a maneira que descreve o
lugar. Ainda de acordo com Foucault, essa marca faz com que seja possível ver a
pessoa por trás da narrativa. Na metodologia da Filosofia Clinica faz-se uso da
historicidade, onde a pessoa conta sua história de acordo com o que lembra de
sua vida. Essa narrativa feita pela pessoa mesma faz com que ela se coloque na
narrativa, ou seja, enquanto ela conta sua história está falando dela mesma.
Retomando a questão de mudar o passado: para algumas pessoas o que
elas contam de suas vidas é um documento, como em Le Goff, um monumento, ou
seja, fala por si. Nestes casos, o que a pessoa conta de sua história está
dado, não tem como mudar, é assim. Noutros casos a pessoa, quando conta sua
historicidade, faz com liberdade criativa, aumentando, invertendo, tirando ou
colocando elementos. Para algumas dessas pessoas, pela forma plástica como
narram sua história, dão a possibilidade ao terapeuta de mudar o passado delas.
Muitas delas já o fazem por si só.
Isso pode acontecer no seguinte caso, apenas uma das muitas
maneiras de se fazer. Pense na sua casa de pequeno, em como você lembra dela,
paredes, telhado, estrutura, momentos que você viveu lá. Depois de feito isso,
vá até lá, veja se os seus registros são exatamente como as coisas eram.
Algumas pessoas ao fazer esse movimento atualizam as informações, inserem novas
medidas, novas cores, aromas e a nova lembrança se sobrepõe a antiga. Pronto,
mudamos o passado.
Num último exemplo pode-se pensar nas pessoas que se foram. Havia
um vizinho que perdeu sua mãe há alguns anos, para ele sua mãe nunca o tinha
amado, tinha só lembranças tristes com sua mãe. Para ele a história de sua vida
foi de dor e sofrimento, isso por causa da dura cobrança da mãe. Chegando ao
terapeuta, este descobriu pela sua história que era possível alterar o
significado das palavras. Depois de muito trabalho o filósofo ressignificou a
palavra cobrança como amor. Depois desse dia, ele refez todo o seu passado.
Agora, a qualquer um que lhe perguntasse, o seu passado tinha sido de muito amor
e carinho, uma nova história.
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