A resposta à questão: Que é isto — a filosofia? consiste no fato de correspondermos àquilo para onde a filosofia está a caminho. E isto é: o ser do ente. Num tal corresponder prestamos, desde o começo, atenção àquilo que a filosofia já nos inspirou, a filosofia, quer dizer, a philosophía entendida em sentido grego. (Heidegger, O que é isto - A Filosofia?)
Encontro Nacional
quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
Re-unir os cacos!
Em Filosofia Clinica existe um
procedimento clinico, ou seja, uma ferramenta que o filósofo usa no seu
trabalho que se chama reconstrução. A própria palavra já diz praticamente tudo,
é uma ferramenta que possibilita ao terapeuta remontar à pessoa situações que
viveu e que se perderam. No dia-a-dia muitas pessoas já usam a reconstrução,
fazem o processo de recuperar antigas vivências, mas nem sempre de maneira
produtiva. O terapeuta, quando precisa usar esta ferramenta, ele sabe o que vai
reconstruir junto com a pessoa. O relato Werther no livro Os sofrimentos do
jovem Werther mostra um pouco de como funciona essa técnica.
“Foi um magnífico nascer do sol:
a floresta úmida e a planície cochilavam. Ela perguntou-me se eu não queria
fazer o mesmo acrescentando que eu não me acanhasse por causa dela.
_ Enquanto eu puder ver esses
olhos abertos – respondi, olhando-a intensamente -, não corro o risco de
adormecer ”. (Página 37)
No relato acima a pessoa reconstruiu
boas memórias, um momento em que provavelmente viveu algo muito bom. Mas nem
sempre é assim, existem muitas pessoas que passam os dias retomando memórias,
emoções, sensações, muito ruins. Estas pessoas habilidosamente pegam um evento
em sua vida que lhes causa grande sofrimento e retomam desde o início até o
fim. Em cada pedaço de sofrimento, até que este sofrimento esteja presente
agora, assim como foi no passado. O
problema é que estas pessoas fazem reconstruções de coisas que lhes fazem mal,
usam uma ferramenta poderosa para machucar a si própria e os que a rodeiam.
Outras pessoas ao longo da vida
quebram, uma empresa, um casamento, um namoro, uma amizade. Os motivos pelos
quais elas quebram não vem ao caso, mas interessa saber que muitas delas querem
reconstruir o que quebrou. Algumas destas pessoas reconstroem tudo com tanta
perfeição que até mesmo os defeitos que haviam na empresa, relação. Esse tipo
de reconstrução levará a pessoa a reviver tudo novamente, ou seja,
provavelmente irá quebrar outra vez.
Há quem diz que se reconstruir um
casamento faz com que ele não seja mais o mesmo, verdade. Em muitos casos ele
fica muito melhor, algumas pessoas, diferente daquelas do parágrafo anterior,
quando reconstroem, elas aprendem com os erros de sua última construção.
Pessoas assim costumam caminhar para frente, aprendendo com as vezes que
quebraram.
No entanto, muitas pessoas não
usam este procedimento, muitas pessoas quebram e deixam os pedaços pelo
caminho. Para estas o passado é diferente do presente, que vai ser diferente do
futuro e não há motivos para ficar reconstruindo se podemos fazer coisas novas.
Para quem vive com pessoas que não fazem reconstrução uma dica, quando estas
pessoas quebrarem algo, provavelmente não tem volta. E elas pode quebrar um
casamento, uma amizade, um grande amor, mas mesmo querendo, não vão voltar.
Para estas pessoas a vida só caminha para frente, não há como reunir as peças.
Reconstruir é juntar os cacos,
reorganizar as partes em torno daquilo que antes já foi um todo. Usar este
procedimento pode ser de grande valia se estivermos reconstruindo boas
memórias, sentimentos, ideias, sensações. Da mesma maneira a reconstrução pode
ser um Calvário aos que retomam suas piores dores, seus piores pesadelos.
Rosemiro
A. Sefstrom
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
Transitório
Em alguns
anos de terapia comecei a perceber que algumas pessoas são afligidas por um
pequeno problema: a passagem das coisas. Uso a palavra coisas porque tudo o que
está ao redor destas pessoas não pára, não permanece exatamente como está, inclusive
elas mesmas. Este pequeno problema começa a aparecer quando estas pessoas
começam a pensar em sua vida como uma linha do tempo, deixam de olhar a vida
como experiências isoladas e passam a perceber o contínuo. Ao perceber a
transitoriedade descobrem que estão sujeitas também às mudanças e em cada caso
existem mudanças que assustam mais. Para algumas pessoas o que as assusta é a
possibilidade que a passagem do tempo possa levar as pessoas que elas amam,
pai, mãe, irmão, marido, filhos, etc. Outras pessoas têm medo de perder sua
aparência física , são devotos do próprio corpo, passam horas ao dia cultivando
a beleza que temem perder. Um último exemplo são as pessoas que veem na
passagem do tempo o problema de terem de mudar, se adaptar, renovar, ou seja, para
elas o ideal é que as coisas continuassem sempre assim, pois estavam boas do
jeito que estavam.
Estas
pessoas que se assustam com a passagem do tempo, em boa parte, estão agarradas
a algo que têm medo de perder com o passar dos dias. Não percebem que a vida acontece no agora, que tudo o que
está a sua volta faz parte da vida como transitoriedade, ou seja, são coisas
que estão de passagem, inclusive elas mesmas. Essa transitoriedade remete a um
conceito simples: participação, ou seja, tudo quanto faz parte de minha vida
agora, participa de minha vida agora. Hoje você tem um carro modelo X, ano X,
valor X, mas daqui há algum tempo compra outro e este deixa de participar de
sua vida. Uso o carro como um primeiro exemplo desta participação porque é um bem
do qual muitas pessoas se desfazem com certa facilidade. Mas uma casa também
pode servir de exemplo, a casa ou apartamento no qual você vive participa de
muitas coisas. É interessante perceber que tudo o quanto pode ser vivido está
apenas de passagem, elas participa de sua vida e você participa destas coisas,
mas apenas momentaneamente. Mesmo as coisas que estão há muito tempo com você
também estão de passagem, apenas têm um tempo de passagem maior que outras.
Quanto for
possível perceber que tudo participa de nossa vida e nós participamos destas
coisas se tornará possível escolher quando e quanto participar. Se você
percebe, por exemplo, que seu marido está de passagem em sua vida, a
participação dele pode ser muito melhor aproveitada. O mesmo pode acontecer com
ele em relação a você, ele pode querer participar muito mais de você. Pense em
sua casa, o quanto você participa daquilo que dispõe? Há muitos dos casos em
que a mulher ou o marido compram objetos e os guardam, estes objetos acabam não
participando de suas vidas de fato, estão ali, deixados de lado. A participação
lembra que é possível viver ao máximo um fim de semana na praia, porque ele
passa, mas eu posso participar dele ou ficar chateado porque ele vai passar.
A noção
estática da vida faz com que boa parte das pessoas pare no tempo, deixe de se
atualizar, deixe de se melhorar. Por incrível que pareça, algumas pessoas
deixam de participar da própria vida. Participar das coisas que estão ao nosso
redor e permitir que elas participem de nossa vida é uma das maneiras de viver
o agora, tanto com vinte quanto com cinqüenta anos de idade. Em cada etapa a
participação é diferente, não melhor nem pior, apenas diferente.
Rosemiro A. Sefstrom
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
Jeito de ser!
Talvez você conheça uma
pessoa assim, ela repetitivamente cria objetivos, terminando um, logo cria
outro. Além disso, ela se vê presa a cada objetivo que cria e não consegue
levar sua vida adiante a menos que termine o que começou. Três fatores que
aparecem acima são interessantes, o primeiro é a repetitividade, ou seja, a
característica de se repetir sempre um mesmo movimento. A segunda
característica que aparece é a de criar objetivos, ou seja, metas, lugares onde
chegar. Em algumas pessoas é comum a característica de desejar, querer,
intencionar. E a terceira e última é a prisão que cada objetivo representa, uma
vez que prende a pessoa ou instituição ao objetivo. Para reconhecer pessoas que
funcionam assim é bastante simples, basta perceber se a pessoa a diz que não
consegue parar, que tem que terminar.
O primeiro fator a ser
verificado é a repetitividade em forma de ciclo, que podem ser desde ciclos
muito pequenos até ciclos muito grandes. Desde tomar banho uma vez por dia até
ir visitar um parente distante a cada dez anos. Estes ciclos são chamados em
Filosofia Clínica de Paixões dominantes, um motivo muito simples para isso é a
força que os ciclos exercem sobre a pessoa. De onde isso vem? Isso dependerá de
cada pessoa, não há um motivo específico. Uma pessoa que tem as paixões
dominantes fortes tende a repetir e repetir os comportamentos, mesmo que não
veja neles significado algum. Para algumas pessoas sair do ciclo gera medo,
insegurança, ansiedade, enfim, não sentem-se bem. Em outras pessoas é
justamente o contrário, a rotina é que lhes dá a sensação de segurança, bem
estar. Estes ciclos não são bons e nem maus, o significado que é dado por cada
um é que os faz serem o que são. Como fazer o balanço de uma empresa, para
alguns momentos de alegria, momento de contabilizar o sucesso de um trabalho
bem feito. Já, para outros este momento é um momento de chateação, uma vez que
o que tem para contabilizar já há um tempo são os pré-juízos.
O segundo fator são as
orientações criadas pela pessoa em cada ciclo, buscas que a pessoa ou
instituição cria. Uma busca é um direcionamento, um anseio, uma vontade, desde
as mais próximas até as mais distantes. Cada pessoa ou instituição, de acordo
com sua estrutura, tem determinadas buscas, direcionamentos. Não há nada de
mais e é muito normal que pessoas, empresas, instituições tenham objetivos
diferentes. Uma empresa quando cria um planejamento anual, o termo anual já dá
o ciclo onde ele acontece, ela está apontando determinadas direções para este
ano. Boas ou más elas deverão ser concretizadas, como forma de cumprir o ciclo.
Na vida pessoal não é diferente, para as pessoas que funcionam assim. Pessoas
que criam objetivos de curto, médio ou longo prazo, estão dando às suas
vivências um direcionamento. Se irão chegar onde querem, isso realmente
dependerá da trajetória e de vários outros fatores ligados às estrutura de cada
um.
No terceiro fator está
a Armadilha Conceitual, o termo sugere que a armadilha é e existe somente
enquanto conceito. E é assim mesmo, a prisão só existe se aquele que estiver
preso conceitualmente se sentir assim. Como um empresário que olha para a
empresa e diz: “Acho que fiz o que podia ser feito, vai quebrar”. Ao seu lado
um jovem funcionário diz: “Há uma saída”. Enquanto um vê o fim do túnel, o
outro vez a luz no fim do túnel, ou seja, a prisão dependerá do ponto de vista
de quem está olhando. Uma armadilha é uma prisão, um mecanismo que lhe impede
de sair do lugar. Para fazer um exercício bem simples e entender, pense no que
lhe impede de sair correndo e gritando agora. Tudo o que você pensar é uma
armadilha. Não é que você não possa, mas existem mecanismos que dizem que você
não pode e você acredita neles.
Juntando tudo, temos
uma pessoa que a cada tempo quer algo e vai em busca, sem terminar não pára.
Não há nada de errado em ser assim e viver assim, mas algumas pessoas a certo
ponto da vida acham sinceramente que já está bom onde chegaram, mas não
conseguem viver sem estar buscando. Para outras o problema está nos objetivos
que colocaram são inatingíveis, a pessoa quer seguir em frente, mas estão
presas. Podem acontecer diversos outros tipos de problemas que levem a pessoa a
não viver bem. Cada está estruturado diferente dos outros e é exatamente por
isso que os problemas de vida de cada um, são imensamente diferentes dos
problemas da vida do outro.
Rosemiro A. Sefstrom
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
Pessoa certa, tempo
errado!
Em Filosofia Clínica,
antes de entrar na análise dos pormenores dos dados da historicidade da pessoa,
o filósofo observa os Exames da Categorias. Esta etapa é aquela na qual o
terapeuta observa na narrativa da pessoa como ela se localiza existencialmente
no mundo em que se coloca. A localização existencial é dada pela pessoa mesmo,
ou seja, não é o filósofo que interpreta estes dados a partir da história, e
sim, percebe literalmente segundo o que é contado pela pessoa. As categorias
que ele observa são: assunto imediato e último, circunstância, lugar, tempo e
relação. Em cada uma destas categorias se observa como a pessoa está
existencialmente em cada etapa de sua vida.
É interessante o estudo
destas categorias porque algumas vezes o problema que deverá ser trabalhado
nada tem a ver com os tópicos da Estrutura de Pensamento. Em vários casos o
problema está na localização da pessoa, ou seja, onde ela se colocou
existencialmente. Uma das categorias nas quais pode ocorrer problemas pode ser
o tempo. Nesta categoria o filósofo se dedica, a saber, qual é a relação entre
o tempo subjetivo e o tempo convencionado. Ele verá, segundo as vivências da
pessoa, a duração dos eventos e o tempo verbal em que eles são vividos. O tempo
subjetivo diz respeito ao rápido ou demorado que costumeiramente se diz. Como
uma pessoa que afirma que nos dias em que as coisas vão bem ela sente como se o
tempo passasse mais rápido, assim como o contrário. Só é possível que a pessoa
diga que o tempo passou rápido se houver um parâmetro de comparação, e tal
parâmetro é o tempo do relógio. Então, a relação entre o tempo convencionado do
relógio e a sensação temporal da pessoa é que dão ao filósofo a possibilidade
de dizer qual é a localização temporal das suas vivências.
Mesmo falando de um só
tópico, apenas no parágrafo anterior encontram-se teorias de nada mais nada
menos que Aristóteles e Kant. Não se trata de uma cópia de suas categorias, mas
sim, uma adaptação dos conceitos desenvolvidos pelos dois para o trabalho
terapêutico..O tempo, como já conceituado anteriormente, é a categoria que
cuida da relação entre o tempo objetivo e subjetivo.
No consultório, dia
destes, um partilhante dizia que já era tempo de encontrar alguém na vida que lhe
fosse “completar”, em suas palavras: “Alma gêmea”. Depois de alguns meses de
trabalho, a pessoa encontrou um par, segundo ela, perfeito. Conversa vai,
conversa vem e o que parecia perfeito acabou se revelando um problemão, pois a
pessoa perfeita era 20 (vinte) anos mais nova e isso tornava o relacionamento
impossível. Não é que assim seja para o terapeuta ou para a sociedade, mas
segundo os valores da pessoa era algum inimaginável, muito menos praticável.
Veio então a expressão: “Pessoa certa no tempo errado”. Esta pessoa estava
agora, depois de se constituir na vida, no tempo de aproveitar, de abrir as
asas e voar, mas precisava de alguém com quem compartilhar este vôo. No
entanto, da maneira que aconteceu, não seria a ela possível dar continuidade ao
que poderia ser um relacionamento.
A temporalidade é
diferente em cada pessoa, o tempo que cada um leva para ser “adulto” é
diferente. Vários são os casos nos quais a pessoa é “obrigada” a amadurecer bem
mais cedo e o tempo de suas vivências é alterado. Muitas vezes você cruzará com
o seu par perfeito no tempo errado, mesmo sendo perfeito, ou é cedo demais ou é
tarde demais. O ideal é estar aberto para as experiências, um amor pode vir
cedo demais, mas pode vir uma vez só.
Rosemiro A. Sefstrom
sexta-feira, 24 de janeiro de 2014
Este clipe da cantora hungara Csemer Boglárka em que interpreta a música Nouveau Parfum ela sofre transformação enquanto canta. É possível levantar uma questão interessante a respeito disto: Para algo ficar bonito precisa ser modificado até não ser mais ele mesmo? Será que uma pessoa que se modificou tanto para ficar bonita ainda se reconhece? E se se reconhece, vê o que tem por fora ou o que está por dentro?
quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
Construção
Compartilhada
No final de semana
passado, enquanto assistia a comentários esportivos a respeito da rodada que
finalizou os campeonatos estaduais, ouvi uma observação pouco dita. Enquanto
falavam a respeito dos jogos do final de semana, um dos cronistas criticava tal
treinador e tal time. Isso prosseguiu até que um jornalista abertamente disse:
“Como é fácil para um ex-jogador, que nem foi tão bom assim, criticar o
trabalho alheio. Porque comentar é fácil, gostaria de vê-los fazendo o papel
que julgam”. Um ponto de vista interessante do jornalista, mas ele não se dá
por conta que, até mesmo o comentarista cumpre um papel. Aquele de que, quando
um treinador ou jogador estão muito envolvidos podem esquecer, ou seja, olhar
as próprias falhas. O papel do comentarista seria então apontar estes erros ,
eles estarão apontando.
Assim acontece no filme
Encontrando Forrester, onde um menino negro, Jamal Wallace, de classe pobre,
consegue uma bolsa numa escola particular. Ele assume sua vaga pelo que escreve,
por ser muito bom no que faz, mas melhora ainda mais com a ajuda de um famoso
amigo, William Forrester. Seu professor, Crowford, destina todo seu tempo e
habilidade para provar que um menino negro e pobre não poderia ser tão bom
escritor. Willian Forrester, por sua vez, mostra ao menino que alguns sabem
fazer e trilham um belo caminho, enquanto outros podem não saber fazer, mas
serão muito bons na arte de abrirem os caminhos. Ao menino, em seu processo de
aprendizagem, muitas palavras ditas pelo seu amigo passaram em branco. Eram
conselhos de um homem velho que tinha lá suas esquisitices. Em muitas vezes
Jamal se nega a aceitar as críticas como se já soubesse caminhar com as
próprias pernas, mal nota que ainda repete os passos daquele que o ensina. Ao
final do filme o rapaz pega um texto produzido conjuntamente com seu amigo e
apresenta ao professor Crowford. Este, por sua vez, descobre que o escrito era
um plágio de um antigo trabalho publicado numa famosa revista. Para se redimir
do erro e continuar estudando seu professor exige uma retratação pública. Jamal
se nega a fazer uma retratação pública, mesmo sabendo que teria de deixar a
escola. William Forrester, amigo de Jamal, claramente diz que cada um assume a
responsabilidade pelo que faz, mas decide intervir pelo aprendiz e amigo.
Durante todo o filme o jovem precisou desconstruir o que achava que sabia para
realmente aprender, o mesmo aconteceu com seu amigo.
Tanto um quanto o outro
no processo de se conhecer foram deixando de lado os pontos de diferença e
encontrando os pontos de igualdade. Este processo levou o menino ao aprendizado
e desenvolvimento de sua escrita, ao passo que seu mestre reaprendera o valor
da vida e recuperara alguns sonhos há muito perdidos. Ao esquecerem as
diferenças e viverem no espaço que chamamos de interseção eles construíram de
forma compartilhada uma nova vida. Um novo caminho, que já não fazia mais
distinção entre um e outro, mas um caminho do meio que contemplava as duas
partes. Cada um apontou os pontos cegos da vida do outro e vagarosamente foram
melhorando um ao outro, cada um de acordo com suas capacidades.
Quantas vezes você
parou para ouvir uma pessoa que lhe criticou ou apontou uma falha sua? Não
estou falando de um completo estranho em uma fila de banco, mas alguém que tem
com você uma caminhada. Uma pessoa que sabe de onde você vem e para onde se
encaminha. Boa parte das vezes o que se ouve é a proposta do jornalista: “Faça
você então!” Não se trata de fazer melhor, mas de ensinar a fazer melhor.
Muitos acham que porque cometem certos erros, todos o cometem, esquecem que há
muito conhecimento para aprenderem, muitas vezes com alguém mais novo. Não se
trata de estar certo ou errado, mas de ouvir o que o outro diz e avaliar se ele
realmente tem razão e, caso tenha, entender que também podemos cometer erros.
Rosemiro A. Sefstrom
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
Ambição
Muitos defendem a
palavra ambição com unhas e dentes alegando que todos devem ter ambição para
chegar a “algum lugar na vida”. De acordo com as definições encontradas, este lugar
onde se pode chegar com ambição seriam: poder, dinheiro, glória, bens
materiais, etc.. Felizmente as coisas não são tão simples quanto aparentam ser,
ou seja, não quer dizer que tendo ambição chegarei a “algum lugar”. Nas
organizações, principalmente, a ambição é vista como algo bom, pois significa
que o colaborador quer mais do que aquilo que tem, quer “subir”. Há muitos
casos em que a vontade de “subir” é tão grande que a pessoa acaba pisando
naqueles que estão a seu lado para chegar ao lugar que ambiciona. É justamente
por causa do conceito de ambição que muitas pessoas são tidas como acomodadas,
pois não querem mais do que aquilo que têm. É sobre os ditos “acomodados” que
vamos fazer um pequeno exame.
Pense na seguinte
situação: você entra em uma organização, começa como funcionário da produção,
algum lugar como Assistente de Serviços Gerais, em outras palavras, um “faz
tudo”. Com o tempo sua ambição lhe leva à faculdade, você estuda e com alguns
anos de muito trabalho e dedicação encontra-se como contador. O trabalho é bom,
o salário não é aquilo tudo, mas cumpre as expectativas, você decide que quer
ter uma família, comprar um carro, ter casa na praia, enfim. Você não se
contenta apenas em ser contador, quer ser o melhor contador, faz pós-graduação,
mestrado, doutorado, está entre os melhores contadores. Apesar desta trajetória,
muitos colegas podem vê-lo como acomodado, pois está na mesma empresa há vinte
anos e ocupa a mesma posição. Os que pregam ambição olham o contador e veem um
acomodado, mas ele mesmo se vê exatamente onde queria estar.
Um exemplo um pouco
diferente pode ser ilustrado com uma pessoa que veio da roça, entrou na empresa
e depois de alguns anos chegou ao cargo de supervisor. De tudo o que tinha
sonhado na vida foi muito mais longe, o pouco estudo e muito trabalho compensaram
as dificuldades. Olhando de fora alguém pode dizer que ele não foi muito longe
na vida, no entanto para ele mesmo a caminhada já foi longa até ali. Ele vê
como muito difícil continuar e tentar novos cargos, por isso ele olha a própria
história e vê orgulhoso o lugar que ocupa na empresa.
A ilusão de que todos têm
de ter ambição leva muitos ao “lugar” que outros disseram que ele deveria
querer. Infelizmente muitas vezes o tal lugar para onde deveria chegar não tem
nada a ver com a pessoa que chegou lá. São vários os casos em que a pessoa deseja
ser promovida porque acredita que todos têm de ter ambição. Quando a promoção
chega a pessoa assume o cargo como a coroa pela ambição, pois todos queriam
estar onde ela está. Aos poucos percebe que nem ela mesma quer estar onde está,
que jamais deveria ter saído de onde estava, que a ambição a levou ao lugar
errado.
Ambição pode fazer com
que a pessoa deixe para trás coisas das quais vai sentir muita falta, como pessoas,
cargo, mulher, filhos. Eu posso me realizar onde estou, fazendo o que faço,
estando com as pessoas que estou. Mudar de lugar, de cargo, de situação
financeira não é a ambição de todos, mas de alguns. É possível que eu seja
muito mais realizado fazendo durante vinte anos a mesma função do que alguém
que mudou de cargo uma vez por ano. Ter ambição não é para todos, cada pessoa é
diferente, não tenha a sua medida com relação ao outro.
Rosemiro A. Sefstrom
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
Bipolar!
Segundo o DSM IV a
bipolaridade ou Transtorno Afetivo Bipolar tem como característica básica “a
alteração de humor com episódios maníacos e depressivos ao longo da vida”. No
que se refere à bipolaridade, a psiquiatria tem como base única para o entendimento
do transtorno as alterações do humor. Em Filosofia Clínica o humor está ligado
ao tópico 04, as Emoções. Sendo assim, a bipolaridade pode ser entendida como a
troca de conteúdos em um mesmo tópico, ou seja, ou estou emotivamente muito
feliz (maníaco) ou estou emotivamente muito triste (depressivo). Segundo o próprio DSM estas alterações
episódicas se dão ao longo da vida, ou seja, tanto podem se dar em poucos
minutos como podem levar muitos anos. Enfim, a alteração de qualidade das
emoções faz com que uma pessoa possa ser considerada Bipolar pela psiquiatria.
Não há aqui a intenção
de concordar ou discordar com a nomenclatura ou o diagnóstico sintomático da
bipolaridade, mas propor outros entendimentos. Até o momento se fala em
bipolaridade, mas existem pessoas que são “tripolares” ou “tetrapolares”. No
consultório, uma bipolaridade muito comum que encontro é a briga entre as
emoções e o raciocínio. Acontece algumas vezes de encontrar pessoas que estão
saindo de um casamento, e, ao falar do amor que sentia pelo marido ou esposa, a
dificuldade com os filhos, a pessoa sofre, chora, fica desolada. No entanto,
quando o assunto é divisão de bens, cálculo de valores, ajustes judiciais, a
pessoa se ilumina, os olhos brilham, ela adora isto.
Há ainda pessoas para
as quais podemos chamar de “tripolares”: são pessoas que apresentam vivências
pontuais em cada um dos tópicos. Seria o caso de uma pessoa que quando está na
Igreja, rezando, se porta como o maior dos fiéis, se compromete com Deus, é um
exemplo de fé. Porém, saiu da Igreja, viu seu carro sendo riscado por um rapaz,
pega o mesmo e quase o espanca. Pergunta: onde está a fé? O perdão? O detalhe é
que neste momento ao viver o conteúdo das emoções, no caso a raiva, ele a vive
intensamente, ficando cego para a fé. Acontece que ainda chegando na delegacia
para lidar com o problema gerado pela agressão ao menino ele se apresenta calmo
e extremamente calculista. Agora, frente ao delegado é o raciocínio quem
comanda, nem a fé da Igreja, nem a emoção do momento estão presentes, é apenas
o pólo da razão que comanda agora. Os “tetrapolares” também são pessoas que tem
vivências pontuais de acordo com o momento.
Outro tipo de
bipolaridade se encontra nos papeis existenciais. Provavelmente você já deve
ter ouvido a expressão: “Meu pai com os amigos dele é uma pessoa, em casa é
totalmente outra”. E quando a pessoa se referia que seu pai era totalmente
outra pessoa, estava falando de um homem agressivo, bravo, frio, calculista.
Essa bipolaridade vem do exercício dos papeis existenciais, onde ele aprendeu
que como amigo não tem compromisso, é momento de falar bobagem. No entanto como
pai ele tem o compromisso de educar, orientar, ensinar, mostrar como o mundo
funciona. A quebra que o papel existencial amigo e pai mostram, na maior parte
das vezes não são compreendidos.
Quando as vivências são
pontuais elas podem se apresentar como polares, ou seja, voltadas a um extremo.
Provavelmente cada um de nós somos bipolares, uns mais, outros menos.
Rosemiro A. Sefstrom
segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
Quem mexeu no meu queijo?
Essa breve história é a ilustração de tudo um livro que fala do quanto é necessário deixar a comodidade das certezas encontradas para estar em constante aprimoramento. A comparação entre os ratos e os seres humanos é muito boa, da simplicidade a complexidade. Nem sempre o mais complexo é necessariamente o que tem melhores resultados.
Desfecho
Esta semana lendo o
jornal vi uma reportagem que falava de um grande pesquisador americano que se dedica
a mostrar como o cérebro nos engana. O exemplo usado pelo pesquisador é da
dieta que a pessoa diz que vai começar na segunda, mas que antes do fim de
semana come mais que o normal, que compra frutas e verduras na sexta-feira, mas
as deixa murchar até a segunda-feira, deixando-as de certa forma menos
atrativa. Outro exemplo são de grandes objetivos que temos com relação a nós
mesmos que não conseguimos alcançar porque nosso cérebro não nos deixa levar
adiante. Os exemplos citados por ele mostram situações em que o cérebro não nos
deixa concluir nossos objetivos, realizar uma tarefa que “queríamos” fazer.
É comum ouvir num
consultório de Filosofia Clínica coisas como: gostaria de começar um regime,
mas não consigo; queria voltar a estudar; nunca conseguir dizer que amo aquela
garota. Cada um destes exemplos são situações em que o que eu quero, preciso,
devo, enfim, o que era para ser feito, não foi. Mas o que fez com que não
acontecesse o desfecho? O que travou a pessoa a ponto de ela não levar a cabo o
que pretendia? Para cada um pode ser um motivo diferente, mas em cada um de nós
há o que nos estimula e o que nos trava. Em Filosofia Clínica, ao estudar a
história de vida da pessoa, provavelmente vamos saber o que a travou, ou seja, que
não deixou a pessoa ir ao desfecho. Lembrando que algumas coisas não devem
mesmo ir em direção ao desfecho, são perfeitas quando não acabadas.
Mesmo sem saber o que
travou o projeto de alguém, pode-se indicar algumas maneiras de começar o que deveria
levar a um fim. Para algumas pessoas o projeto não começou ainda porque não tem
uma data, ou seja, a falta de estipular um início e fim faz com que ela nem
inicie. Se for este o caso, pode-se ver o projeto de vida e colocar datas,
tanto de início quanto de fim, com isso provavelmente ele sairá do pensamento.
Alguns podem dizer: “eu já fiz isso”. Talvez sim, mas para alguns as datas não
podem vir deles mesmos, precisam vir de fora. Pode-se citar um exemplo da
esposa que chega para o marido e diz: “Você tem seis meses a partir da semana
que vem para perder 10 quilos”. Pronto, agora, com uma data que veio de fora
ele consegue colocar em prática o que há anos sozinho não conseguia.
Em outros casos o
problema está no tamanho do percurso que se tem de trilhar para chegar a um
fim. É como uma caminhada, enquanto o objetivo final não é visível o caminhante
permanece firme e forte, sequer cansa, mas quando vê o objetivo a alguns metros
parece que não vai lcançar. Para este tipo de pessoa, normalmente se diz que
nadaram, nadaram e morreram na praia. Talvez se para estas pessoas a caminhada
fosse dividida em pequenas etapas, é provável que cada pequeno trecho teria um
peso muito menor que o todo. É como a faculdade que tem cinco longos anos, sendo
que a mesma pode ser dividida em dez curtos semestres. Se o caminho tiver
pequenas divisões e for completado em cada parte, ao final a pessoa terá o
todo.
Há ainda as pessoas que
precisam de companhia, aquelas que têm seus objetivos, mas concluí-los depende
de alguém que possa fazer parte. É o caso das milhares de meninas e meninos que
vão para a academia enquanto têm companhia de outros amigos. É o caso daquele
rapaz que tem grandes ideias, mas o desfecho delas só acontecerá na companhia
daquele amigo mais despachado, mas afoito. O desfecho, o término de um trajeto
pode ser importante para algumas pessoas, para tantas outras não. Quando for
importante o desfecho, o término, é preciso estudar na pessoa as ferramentas
que possam levá-la até lá.
Rosemiro A. Sefstrom
sexta-feira, 17 de janeiro de 2014
Consciência
Nos estudos de
Filosofia Clínica, muitas vezes se ouve a expressão: “Mas é preciso que a
pessoa tenha consciência do que está errado para mudar!” Sem muito esforço, quase
todos os presentes na aula, palestra, conversa, concordam de pronto. Mas o que
seria a consciência? Numa pesquisa rápida pela internet aparecem diversas
definições, mas uma delas me atrai mais. Nesta definição a palavra consciência
é dividida em duas partes, a primeira “com” que quer dizer junto, e a segunda
parte é “scire” que quer dizer “saber, conhecer”. De acordo com esta definição a palavra
consciência significa conhecer com outras pessoas, ou seja, aquilo que sei com
os outros.
Fazendo uma busca mais
ampla encontrei o significado dos livros de filosofia, onde o termo consciência
traduz a capacidade de uma pessoa de ver a relação entre si e o ambiente. Para
muitos filósofos existem dois tipos de consciência, a fenomenal e a consciência
de acesso. A consciência fenomenal é a capacidade que a pessoa tem ou pode ter
de processar os dados de sua experiência no ambiente. Simplificando, é a
capacidade que você tem, de agora, enquanto lê, ouvir o som, sentir o cheiro,
perceber o mundo a sua volta. Já a consciência de acesso, esta é um pouco
diferente, é a capacidade que temos de entender ou não a nossa relação com o
que se passa em volta. Neste caso é a capacidade que você tem de ouvir uma
pessoa falar o seu nome e saber que ela fala com você.
Para transpor esse
termo para a Filosofia Clinica precisamos entender o processo da consciência,
ao menos o que se diz que as pessoas têm que ter. O primeiro passo é a pessoa
se perceber dentro de um contexto específico, ou seja, se você está dirigindo
na pista do ônibus em plena avenida, deve saber que é errado. Pode parecer
estranho, mas algumas pessoas não se percebem dentro de um contexto, para elas
o que importa, interessa, é que elas façam o que entendam precisam, ou querem
fazer. Esse é um primeiro obstáculo para
a consciência, pois, para muitas pessoas, por mais que falemos, elas sempre vão
entender que elas estão certas. Tenho certeza que você conhece alguém que
sempre está certo, ou, como se diz, não tem consciência do que fez.
Uma segunda questão de
tantas, é a epistemologia, o conhecimento. Digamos que a pessoa se vê dentro do
contexto, percebe-se na relação com as outras pessoas, mas ela não consegue
conhecer o que está acontecendo. Um exemplo são as pessoas que sabem que o
casamento está desmoronando, sabem que elas são as mais responsáveis por isso,
mas não conseguem aprender com isso, conhecer. Parece estranho, mas acho que
você já deve ter olhado o motor de um carro, até dirigido um, mas não tem a
menor ideia de como funciona. Isso faz com que, mesmo você se vendo, não
consiga ter consciência do que está errado, isso porque o aprendizado não
acontece.
Muitas pessoas têm
consciência quando estão em relação com outras, entendem perfeitamente o seu
lugar em cada espaço, mas, infelizmente, não têm consciência de si próprios,
são pessoas que comem mal, dormem mal, vivem mal e não tem a menor ideia que
estão fazendo isso. São pessoas que aprenderam conhecer tudo, menos elas
mesmas. É perfeitamente possível que você tenha fortes dores de cabeça, mas
nunca aprendeu a lidar com ela, nunca tentou conhecer a sua própria dor de
cabeça.
Esse tema é muito
vasto, aqui apenas coloquei algumas possibilidades. Apenas ilustrei as
possibilidades de se ter ou não consciência, mas gostaria de deixar uma
pergunta: “Por que ter consciência?”
Rosemiro A. Sefstrom
quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
Qual a sua lógica?
No mundo, segundo
especialistas de várias áreas, existe uma lógica no processo que chamamos
viver. Essa lógica, segundo os mesmos, regulamenta nossa forma de viver e faz
com que sejamos quem somos. Há uma lógica na movimentação dos fluidos, há uma
lógica na movimentação das massas de ar, há uma lógica para explicar as reações
químicas que acontecem no cérebro. Enfim, a lógica é a parte da filosofia que
cuida para que as coisas possam ter certo sentido, ou seja, para que uma
argumentação possa ser conduzida corretamente das proposições ao juízo. O
juízo, conclusão, só será considerado correto ou verdadeiro na medida em que
respeitar as proposições. Um dos exemplos mais famosos de lógica é: Todo homem
é mortal, Sócrates é homem, logo, Sócrates é mortal. Perceba que o movimento da
primeira proposição até a conclusão se complementam.
Esse exemplo de lógica
funciona muito bem no papel, num raciocínio matemático, algébrico, mas será que
funciona tão bem assim na vida? Será que um pensamento lógico é assim tão exato
na vida? O que se percebe no consultório é que não. Algumas pessoas me procuram
com uma questão parecida com esta. Dizem: “Doutor, ele é ruim comigo, ele é
grosseiro com minha família, ele só tem interesses em mim e eu gosto dele”. O que
a moça quer dizer é: “Mesmo tendo todos os motivos para se afastar desse rapaz,
ela gosta dele”. Mas, muito diferente do papel, onde o pensamento se desenvolve
com base na razão, ao menos deveria, na vida utilizamos outras ferramentas para
se chegar a uma conclusão que não fecha com a lógica.
Cada um tem sua lógica
interna, como diz um filme, alguns seguem a lógica do amor. Pessoas estas que
seguem de maneira quase que cega o que o seu coração aponta. Muitas vezes se
arrebentam na vida, pois a pessoa por quem se apaixonaram não lhes quer. Outros
seguem a lógica de mercado, para estes o que tem maior valor (preço) é o que
orienta as suas lógicas de pensamento. Há também as pessoas que usam a lógica
do prazer, muitas delas caem na vida pelo álcool, drogas, pois é o prazer quem
comanda esta lógica. A lógica de cada um é o que chamo de lógica existencial e
para cada um ela tem sua forma de chegar a num resultado verdadeiro.
Mas, mesmo que cada um
tenha a sua lógica, às vezes, essa lógica não coincide com a lógica do outro.
Veja o caso de uma menino que pensa consigo que, se ele amar muito uma menina,
se dedicar integralmente a ela, ela também vai amá-lo. Só que para a menina,
objeto de seu amor, um homem que tenha muitas posses, na sua cabeça é aquele
que vai fazê-la feliz e não o que a ama. Para o menino é o amor, para a menina
são as posses. Quando a conta não fecha é natural que em algum lugar fique
aparente que algo está errado. Algumas vezes é o casamento que não dura, são
lógicas diferentes tentando conviver no mesmo espaço.
Há ainda a lógica da
fé, segundo a qual, se o meu relacionamento com Deus for bom, eu rezar obterei
sua ajuda. Mas, para muitos fieis Deus deve ter tirado uma folga, não é fácil
de entender como que alguém que rezou toda uma vida, foi muito devota, morreu
esperando seu auxilio. De vez em quando se vê uma família se perguntando e
perguntando a Deus sobre o assunto, a lógica não fecha.
É assim mesmo, assim
como cada um de nós tem a sua lógica, Deus também deve ter a dele. Entender
qual é a minha lógica torna mais fácil entender quando as contas não batem,
perceber que algo está errado. Não porque esteja errado, mas por que na minha
forma de pensar não é certo. Mas, mesmo assim, tenho de entender que o meu modo
de se chegar a um resultado não é o único, posso estar errado.
Rosemiro A. Sefstrom
quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
Pensar
dialético
Inicio por
lembrar que cada pessoa é um mundo, uma realidade completamente diferente de
todas as outras. Isso faz com que cada um de nós seja diferente, desde nossa
realidade física até a cognitiva. Digo isto apenas para salientar que, quando
usar neste artigo a expressão “tipo de pessoa” estou me referindo a uma forma
de se relacionar com a exterioridade que é o mundo. O mundo é tudo aquilo que é
exterior a mim, ou seja, o sol, as nuvens, as árvores, etc. Além de tudo isso
que existe e constitui o mundo de cada um há também pessoas, os outros. Nós, no dia-a-dia nos relacionamos,
inevitavelmene, com o mundo e com os outros.
Das várias formas
de se relacionar vamos nos dedicar a uma em especial, a relação dialética. A
dialética enquanto método ganhou conhecimento por Hegel, mas diz-se que o pai
desta teoria pode ser Zenão de Eléia ou até mesmo Sócrates, o qual se
popularizou entre os gregos por levar as pessoas à verdade. O pensamento
dialético cresceu, se popularizou na filosofia e foi adotado por muitos
filósofos como método científico, assim como foi condenado por muitos outros
como não sendo nada científico. Enfim, científico ou não, interessa em que
medida essa metodologia contribui para a Filosofia Clínica.
A dialética enquanto método se realiza em três
estágios: a tese, a antítese e a síntese. Na tese eu tenho aquilo que é como
teoria, ou seja, tenho uma ideia já formada. Pense no conceito que você tem de
você mesmo: essa ideia que você elaborou de você mesmo pode ser considerada uma
tese. Num segundo momento vem uma ideia contrária a que você formou de si
mesmo, essa ideia contrária é a antítese. Vamos dizer que você se considera uma
pessoa bondosa e desprendida, essa é a sua tese, mas um amigo seu, muito
sincero, diz que você não é bom e muito menos desprendido. Para ser mais
sincero, este amigo diz que você é avarento. Agora, com a tese a respeito de
você e a antítese dada por seu amigo também a respeito de você, irá surgir uma
terceira e nova ideia: a síntese. A síntese é o resultado da união da tese com
a antítese, não a simples negação de uma pela outra.
Pessoas que
têm o pensamento dialético costumam ter uma ideia feita, pronta a respeito das
coisas da vida. No entanto, no dia-a-dia, no convívio com as pessoas e com as
coisas, elas podem tanto receber quanto perceber opiniões diferentes das que têm.
Quando isto acontece, elas entram num processo de reflexão a respeito daquilo
que sabiam com o que receberam, para então formular algo novo. Se o processo
dialético foi feito por simples negação, pode acontecer o famoso oito ou
oitenta, onde a pessoa aceita ou nega aquilo que veio de fora.
O processo
dialético não precisa necessariamente de um agente externo, algumas pessoas fazem
esse caminho sozinhas. Elas mesmas, pela maneira como se desenvolveram na vida,
precisam da contradição como maneira de desenvolver o seu pensamento. Não é
certo, nem errado, bom, nem mau, é apenas uma das formas de se pensar. Há
tantas outras com eficácia igual ou maior e também menor do que esta.
Na relação
com o outro, seja ele coisa ou pessoa, qualquer processo de conhecimento só
acontece na medida em que eu recebo o outro. Alguns filósofos falaram em sair
de si como processo de antítese, mas a antítese só acontecerá realmente se eu
me abrir para o outro, é ele quem me trará o diferente, e não eu. Como em
Heráclito, só me darei conta de que não me banho duas vezes no mesmo rio se eu deixar
que o rio passe por mim e não eu por ele.
Rosemiro A. Sefstrom
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
Interseção
Em Filosofia Clínica a
palavra Interseção designa o contato entre duas pessoas, assim como na
matemática Intersecção ou Interseção refere-se aos elementos compartilhados por
dois conjuntos. O contato matemático é definido por aquilo que os conjuntos
compartilham entre si. Em Filosofia Clínica, esse conceito tem ainda outro
desdobramento: a definição da qualidade desse contato. Em outras palavras, para
um filósofo clínico, ao observar o contato entre duas pessoas ele presta
atenção no que é partilhado no contato e ainda na qualidade desse contato. Sendo
assim, uma Interseção pode ser positiva, negativa, confusa ou indeterminada.
O programa Super Nanny
que passa na TV aberta mostra a interseção entre os pais e os filhos. A relação
exposta no início do programa geralmente mostra filhos dos quais os pais não
“dão mais conta”. Crianças extremamente desobedientes, boa parte das mesmas
agressivas com os pais e os irmãos, geralmente usando de agressão para
conseguirem o que desejam. Quando suas vontades são supridas, as crianças se
acalmam até que venham a ter uma nova necessidade que deverá ser satisfeita
pelos pais. Em outras palavras, a interseção com os pais é positiva para a
criança enquanto ela consegue o que quer, caso contrário a interseção fica extremamente
negativa.
Referente a um outro
artigo chamado de “Arapuca”, onde eu falava dos pais que se tornaram reféns das
necessidades dos seus filhos, recebi um comentário no qual uma pessoa disse
mais ou menos assim: “Os filhos não vêm com manuais de instrução, não sabemos
como eles vão receber o que damos”. O parágrafo acima praticamente responde
esta questão: os filhos aprendem inclusive a receber com seus pais. Então,
quando um pai entrega algo a um filho, e o dá como sendo algo sem valor como
espera ele que o filho aprenda a valorizar? Pode até ser que aprenda na escola,
com um vizinho, mas com certeza não aprenderá em casa. O programa Super Nanny é
claro ao mostrar que desde muito cedo a criança deve aprender que ela tem
direitos, mas também muito deveres e o que ganha é mérito seu.
A interseção pode ser
de grande ajuda na hora da educação, uma criança que tem interseção positiva
com a mãe, com o pai talvez seja mais facilmente ensinada. Diferente daquela
criança que vive uma interseção confusa em que hora recebe agrados, pouco
depois xingões, sem nem mesmo saber o que houve. É necessário que o pai ou a
mãe sente-se junto e mostre o motivo pelo qual a qualidade da interseção ficou
ruim. Aponte para a criança que quebrar os brinquedos deixa o pai e a mãe
triste, mostre a ela, de um jeito que ela entenda, que deve ser diferente. Promover
uma atitude consciente na relação da criança com os pais e dela com os objetos
é um bom caminho para a educação.
Em muitos casos pais e
filhos chegam na escola e não tem a menor ideia de como está a sua interseção.
São interseções de qualidade indeterminada, nem boa, nem ruim, mas também não é
confusa, é uma interseção onde a criança não sabe o que esperar do pai ou da
mãe. Muitos destes casos vêm de pais que de alguma maneira não estão bem e
deixam as crianças a ver navios, sob a tutela de empregados, avós. Nem sempre a
interseção positiva é recomendável, algumas vezes punir o filho pode ser
extremamente negativo para a interseção, mas positivo enquanto educação. Como
disse Pitágoras: “Eduquem as crianças e não será necessário punir os homens”.
Rosemiro A. Sefstrom
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Método X Dogma
Durante toda a Idade
Média a Igreja era a grande detentora da verdade, era ela quem determinava
quais eram os conhecimentos considerados verdadeiros, assim como os falsos.
Naquela época qualquer filósofo, cientista ou pensador que resolvesse propor
uma verdade diferente da publicada pela Igreja estava em apuros. A estas
verdades propostas pela Igreja chamamos de dogma. Muitos pensadores tiveram que
se retratar dizendo que estavam errados e outros, com menos sorte, foram queimados
vivos, enforcados, etc. Isso acontecia porque qualquer verdade diferente
daquela publicada pela Igreja era considerada uma heresia, ou seja, uma ofensa
contra a mesma. Depois desse período veio o Renascimento onde muitos artistas,
filósofos, cientistas começaram a gritar a livres pulmões novas verdades, agora
não mais sob a tutela da igreja. O problema que se instalou na época não era
mais a liberdade de expressão, mas o quanto se poderia considerar verdade o que
era dito.
Com esta preocupação
vieram muitos filósofos que retomaram os gregos e foram muito além do que eles
já haviam produzido. Durante a Idade Média o critério de verdade era a ligação
com Deus, só podiam ser verdadeiras as verdades que Deus comunicasse aos
escolhidos. Já no Renascimento e depois durante o Iluminismo nasceram vários
métodos que tentaram dar ao conhecimento uma infalibilidade. Para ilustrar alguns
métodos desenvolvidos naquele período pode-se citar René Descartes e John
Locke.
Para René Descartes a
verdade só era possível se seguíssemos o caminho da razão, para ele todo
conhecimento antes de ser considerado verdadeiro deveria passar pelo crivo da
dúvida. O filósofo levou tão longe sua dúvida metódica que chegou a entender
que apenas por pensar é que se pode provar a existência e disso derivariam
todas as verdades.
John Locke seguiu outro
caminho, uniu as sensações com o pensamento. Para ele o caminho para se chegar
a verdade deveria combinar o sentir com o pensar. Deste modo, o que estivesse no
ambiente deveria ser recebido corretamente para que o pensamento não fosse
enganado e pudesse processar corretamente as informações. Com Descartes temos a
escola filosófica chamada de racionalismo e com John Locke temos a escola dos
empiristas. Cada uma destas escolas trouxe colaborações inestimáveis para
praticamente todos os ramos do conhecimento.
Até o momento há a
ilustração prática de dogma, de racionalismo e empirismo. Até mesmo os dogmas,
que são verdades existentes antes mesmo da experiência podem ser entendidos
como método. O método é um caminho através do qual saio de um ponto e me
desloco até outro, já o dogma vai direto ao fim do caminho sem ter que
percorrê-lo. A diferença entre dogma e método está na maneira pela qual se
considera algo verdadeiro ou falso, como se pode perceber até aqui.
Em Filosofia, muitos
pensadores já foram e ainda são tomados como dogma. Pensadores como Platão são
idolatrados e se entende tudo o que eles disseram como uma verdade. Pessoas que
pegam um pensamento cristalizado e o assumem podem ser consideradas dogmáticas.
Já as que pegam o pensamento de um outro autor, pensam sobre o mesmo, criticam
e aproveitam somente aquilo que considerarem verdadeiro, essas são metódicas.
Em Filosofia Clínica,
temos um método, um caminho para ser chegar a uma verdade, ao conhecimento.
Mas, cada método tem suas falhas, suas fraquezas, como qualquer ferramenta de
uma oficina. Algumas ferramentas são mais versáteis, mas ainda assim não fazem
tudo. O que temos em Filosofia Clínica é um método para se conhecer uma pessoa
e não uma verdade sobre um método.
Rosemiro A. Sefstrom
sexta-feira, 10 de janeiro de 2014
Personagem
Eu sou...” Depois desse “Eu” geralmente vem uma definição que pode denunciar mais ou menos o que a pessoa tem de si mesma. Algumas pessoas ainda dizem no lugar da palavra “Eu”: as pessoas, a gente, nós, etc. São pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa, ou seja, de forma indireta definem a si mesmos. Essas definições em maior ou menor grau interferem na maneira como a pessoa conduz sua própria existência. Quando o que uma pessoa acha de si mesma se liga a um personagem existencial que ela exerce pode-se dizer que ela se identifica naquilo que faz. Um exemplo disso são profissionais como advogados ou médicos que exigem que as pessoas se dirijam a eles como Dr. Fulano, ou seja, o Dr. define a pessoa. O mesmo acontece com os professores, que mesmo em uma rodinha de conversa no fim de semana são “professores fulanos”.
A ligação entre os papeis que a pessoa vive e o que ela acha de si mesma em alguns casos acaba soldando e ela passa a ser o papel que exerce. O que ela acha dela mesma passa a estar intimamente vinculada à sua atividade. É o caso do político que é sempre político, até mesmo quando está com a esposa em casa não deixa de ser. Vai ao bar conversar com os amigos e continua sendo político, ou seja, por mais que mudem os lugares, as pessoas, os contextos, ainda assim ele será político. O problema é que em alguns casos a vida política termina e quando isso acontece a vida da pessoa também chega ao fim. Isso acontece porque ao chegar ao fim o papel existencial de político também chega ao fim o que ele acha dele mesmo. Em casos extremos a pessoa termina com a própria vida porque terminou a vida do personagem que vivia.
O eu está indexado ao personagem, colado, mas como desgrudar, caso isso seja necessário? Para descolar e voltar a ser ou exercer os mais diversos personagens existem vários caminhos. Um dos caminhos mais simples pode ser a partir da localização existencial, quando se está em casa com a esposa o personagem é o esposo. Quando está na fábrica com os colaboradores é o gerente, diretor, enfim, o lugar pode servir de referências para os predicados que orientam as práticas do personagem. Aos poucos, ao prestar atenção ao lugar que está o “Eu” começa a perceber quais são as práticas que tem a ver com o personagem que deve exercer. Um exemplo são os pais que, quando saem de casa e encontram o filho gerenciando a fábrica da qual são diretores lá se comportam como diretores e exigem do filho uma postura de gerente.
Outra forma de descolar o personagem do “Eu” é pelas pessoas com as quais se está em contato. Quando estou com minha esposa em casa sou marido, devo me comportar como marido, mas como saber quais são as práticas do marido? Se ele é marido, é provável que exista uma esposa e esta pode conduzir a construção desse novo personagem, o marido. O mesmo pode acontecer no restante dos papeis, eu posso aprender a ser amigo, irmão, filho, neto. Não há nada de errado em ter um único personagem, mas corre-se o risco de, ao terminar a vida deste personagem, terminar a vida da pessoa por detrás dele.
A construção do Eu pode passar por um ou mais personagens que exercemos, mas legar todo o meu “Eu” em apenas um personagem é perder o carinho que só se recebe como filho. É perder os méritos que se tem como marido, de sustentar, amar, cuidar de uma família. Pode ser também deixar de aproveitar as pequenas e grandes farras que se faz só com os amigos. Viver os mais diversos papeis pode ser tornar colorida uma vida vivida em preto e branco.
Rosemiro A. Sefstrom
quinta-feira, 9 de janeiro de 2014
Alegoria da Caverna
Este é um vídeo que conta de maneira ilustrada o famoso Mito da Caverna. Aos que apreciam ler o mito, segue o texto retirado do livro A República de Platão.
A alegoria da caverna – A República (514a-517c)
Sócrates: Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que ela recebeu ou não, de acordo com o quadro que vou fazer. Imagine, pois, homens que vivem em uma orada subterrânea em forma de caverna. A entrada se abre para a luz em toda a largura da fachada. Os homens estão no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagine que esse caminho é cortado por um pequeno muro, semelhante ao tapume que os exibidores de marionetes dispõem entre eles e o público, acima do qual manobram as marionetes e
apresentam o espetáculo.
Glauco: Entendo
Sócrates: Então, ao longo desse pequeno muro, imagine homens que carregam todo o tipo de objetos fabricados, ultrapassando a altura do muro; estátuas de homens, figuras de animais, de pedra, madeira ou qualquer outro material. Provavelmente, entre os carregadores que desfilam ao longo do muro, alguns falam, outros se calam.
Glauco: Estranha descrição e estranhos prisioneiros!
Sócrates: Eles são semelhantes a nós. Primeiro, você pensa que, na situação deles, eles tenham visto algo mais do que as sombras de si mesmos e dos vizinhos que o fogo projeta na parede da caverna à sua frente?
Glauco: Como isso seria possível, se durante toda a vida eles estão condenados a ficar com a cabeça imóvel?
Sócrates: Não acontece o mesmo com os objetos que desfilam?
Glauco: É claro.
Sócrates: Então, se eles pudessem conversar, não acha que, nomeando as sombras que vêem, pensariam nomear seres reais?Glauco: Evidentemente.Sócrates: E se, além disso, houvesse um eco vindo da parede diante deles, quando um dos que passam ao longo do pequeno muro falasse, não acha que eles tomariam essa voz pela da sombra que desfila à sua frente?
Glauco: Sim, por Zeus.
Sócrates: Assim sendo, os homens que estão nessas condições não poderiam considerar nada como verdadeiro, a não ser as sombras dos objetos fabricados.
Glauco: Não poderia ser de outra forma.
Sócrates: Veja agora o que aconteceria se eles fossem libertados de suas correntes e curados e sua desrazão. Tudo não aconteceria naturalmente como vou dizer? Se um desses homens fosse solto, forçado subitamente a levantar-se, a virar a cabeça, a andar, a olhar para o lado da luz, todos esses movimentos o fariam sofrer; ele ficaria ofuscado e não poderia distinguir os objetos, dos quais via apenas as sombras anteriormente. Na sua opinião, o que ele poderia responder se lhe dissessem que, antes, ele só via coisas sem consistência, que agora ele está mais perto da realidade, voltado para objetos mais reais, e que está vendo melhor? O que ele responderia se lhe designassem cada um dos objetos que desfilam, obrigando-o com perguntas, a dizer o que são? Não acha que ele ficaria embaraçado e que as sombras que ele via antes lhe pareceriam mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?
Glauco: Certamente, elas lhe pareceriam mais verdadeiras.
Sócrates: E se o forçassem a olhar para a própria luz, não achas que os olhos lhe doeriam, que ele viraria as costas e voltaria para as coisas que pode olhar e que as consideraria verdadeiramente mais nítidas do que as coisas que lhe mostram?
Glauco: Sem dúvida alguma.
Sócrates: E se o tirarem de lá à força, se o fizessem subir o íngreme caminho montanhoso, se não o largassem até arrastá-lo para a luz do sol, ele não sofreria e se irritaria ao ser assim empurrado para fora? E, chegando à luz, com os olhos ofuscados pelo brilho, não seria capaz de ver nenhum desses objetos, que nós afirmamos agora serem verdadeiros.
Glauco: Ele não poderá vê-los, pelo menos nos primeiros momentos.
Sócrates: É preciso que ele se habitue, para que possa ver as coisas do alto. Primeiro, ele distinguirá mais facilmente as sombras, depois, as imagens dos homens e dos outros objetos refletidas na água, depois os próprios objetos. Em segundo lugar, durante a noite, ele poderá contemplar as constelações e o próprio céu, e voltar o olhar para a luz dos astros e da lua mais facilmente que durante o dia para o sol e para a luz do sol.
Glauco: Sem dúvida.
Sócrates: Finalmente, ele poderá contemplar o sol, não o seu reflexo nas águas ou em outra superfície lisa, mas o próprio sol, no lugar do sol, o sol tal como é.
Glauco: Certamente.
Sócrates: Depois disso, poderá raciocinar a respeito do sol, concluir que é ele que produz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível, e que é, de algum modo a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.
Glauco: É indubitável que ele chegará a essa conclusão.
Sócrates: Nesse momento, se ele se lembrar de sua primeira morada, da ciência que ali se possuía e de seus antigos companheiros, não acha que ficaria feliz com a mudança e teria pena deles?
Glauco: Claro que sim.
Sócrates: Quanto às honras e louvores que eles se atribuíam mutuamente outrora, quanto às recompensas concedidas àquele que fosse dotado de uma visão mais aguda para discernir a passagem das sombras na parede e de uma memória mais fiel para se lembrar com exatidão daquelas que precedem certas outras ou que lhes sucedem, as que vêm juntas, e que, por isso mesmo, era o mais hábil para conjeturar a que viria depois, acha que nosso homem teria inveja dele, que as honras e a confiança assim adquiridas entre os companheiros lhe dariam inveja? Ele não pensaria antes, como o herói de Homero, que mais vale “viver como escravo de um lavrador” e suportar qualquer provação do que voltar à visão ilusória da caverna e viver como se vive lá?
Glauco: Concordo com você. Ele aceitaria qualquer provação para não viver como se vive lá.
Sócrates: Reflita ainda nisto: suponha que esse homem volte à caverna e retome o seu antigo lugar. Desta vez, não seria pelas trevas que ele teria os olhos ofuscados, ao vir diretamente do sol?
Glauco: Naturalmente.
Sócrates: E se ele tivesse que emitir de novo um juízo sobre as sombras e entrar em competição com os prisioneiros que continuaram acorrentados, enquanto sua vista ainda está confusa, seus olhos ainda não se recompuseram, enquanto lhe deram um tempo curto demais para acostumar-se com a escuridão, ele não ficaria ridículo? Os prisioneiros não diriam que, depois de ter ido até o alto, voltou com a vista perdida, que não vale mesmo a pena subir até lá? E se alguém tentasse retirar os seus laços, fazê-los subir, você acredita que, se pudessem agarrá-lo e executá-lo, não o matariam?
Glauco: Sem dúvida alguma, eles o matariam.
Sócrates: E agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar exatamente essa alegoria ao que dissemos anteriormente. Devemos assimilar o mundo que apreendemos pela vista à estada na prisão, a luz do fogo que ilumina a caverna à ação do sol. Quanto à subida e à contemplação do que há no alto, considera que se trata da ascensão da alma até o lugar inteligível, e não te enganarás sobre minha esperança, já que desejas conhecê-la. Deus sabe se há alguma possibilidade de que ela seja fundada sobre a verdade. Em todo o caso eis o que me aparece tal como me aparece; nos últimos limites do mundo inteligível aparece-me a idéia do Bem, que se percebe com dificuldade, mas que não se pode ver sem concluir que ela é a causa de tudo o que há de reto e de belo. No mundo visível, ela gera a luz e o senhor da luz, no mundo inteligível ela própria é a soberana que dispensa a verdade e a inteligência. Acrescento que é preciso vê-la se quer comportar-se com sabedoria, seja na vida privada, seja na vida pública.
Glauco: Tanto quanto sou capaz de compreender-te, concordo contigo.
Referência:
A Alegoria da caverna: A Republica, 514a-517c tradução de Lucy Magalhães. In: MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia: dos Pré-socráticos a Wittgenstein. 2a ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
Algumas pessoas a cada tempo vão ao cemitério com flores para depositá-las nos túmulos de seus entes queridos. Algumas destas gastam um valor alto nestas flores, justificando que a pessoa querida merece o que tem de melhor. Esse movimento é interessante e mostra que o ser humano que ali está, morreu apenas corporalmente, permanecendo vivo para aqueles que continuam lembrando-se dele. No entanto, algumas pessoas somente visitam um ente querido depois que este faleceu. Quantos filhos pouco visitam seus pais por falta de tempo e quando tem oportunidade, colocam outros compromissos na frente. Mas o dias em que esses pais morrem são quase que cultuados por estes filhos, a memória se fortalece e antigos conteúdos são retomados.
Um paralelo a ser feito com este movimento é como cada pessoa lida com sua própria vida: muitas têm oportunidades diárias de cultivar coisas boas dentro de si, mas o tempo, as necessidades, os interesses, a preguiça impedem. E aí, quando se encontrarem longe demais daqueles conteúdos que tanto lhes faziam bem começarão reclamar que a vida anda um tanto sem sentido. Nada mais natural, assumem as atribuições diárias como se apenas isso fosse sua vida, deixando de vivenciar aquilo que lhe faz bem. Para não ficar tão difícil de entender, basta pensar em pessoas que quando eram mais novas jogavam futebol semanalmente. Com o tempo o futebol foi sendo deixado de lado, substituído por mais um turno de trabalho, por um tempo a mais de dedicação aos filhos, a mulher, ao carro, à casa, etc.. Depois de muito tempo fazendo diariamente as mesmas coisas, vivendo com as mesmas preocupações, a vida parece perder o sentido, não vale a pena viver. Algumas pessoas usam uma expressão interessante: “Eu lutei tanto por isso!” Claramente percebem que dedicaram a vida a perderem-se de si mesmos. Neste momento da vida os comentários começam a ser de lembranças de quando faziam isto e aquilo. Os comentários remontam tempos felizes em que essas pessoas realizavam atividades que tinham tudo a ver com elas: um futebol, uma pescaria, uma noite de carteado, a simples atitude de ir até o pomar, apanhar uma laranja no pé e se deliciar. É visível a reconstrução destes belos momentos como uma boa parte da vida que passou. Vêem o passado como algo enterrado e bem marcado, algo que está lá como referência para que possam de vez em quando depositarem flores. Bons momentos merecem ser repetidos, mas não só bons momentos. Podem-se repetir boas emoções, boas sensações, boas ideias, tudo o que for bom e causar um bem estar subjetivo deveria ser repetido.
É fácil olhar para algumas pessoas e verificar que estas vivem à sombra de apenas boas recordações. Mas, como fazer para ajudá-las? Para ficar um pouco mais fácil de fazer com que a vida ganhe sentido outra vez e deixe de ser apenas memória pode-se indicar um caminho. Você pode parar e pedir para a pessoa pensar numa boa lembrança, como o início de um namoro. Tempo em que tanto um quanto o outro ficavam felizes só de ouvir a voz no telefone perguntando se está tudo bem. Ver a alegria nos olhos da namorada ao presenteá-la com um ramalhete de flores, ir às nuvens só de dar um cheirinho e sentir o perfume do outro. Recuperar o que for possível de recuperar antes que o máximo seja apenas lembrar.
Quanto tempo faz que você não olha mais para a mulher ou o homem por quem se apaixonou e diz: “Eu te amo!” Não aquele “eu te amo” de canto de boca e resmungado. Aquele “eu te amo” grande, alto, pomposo! Quanto tempo faz que você não fica no colo alisando os cabelos dela enquanto apenas aproveitam a companhia um do outro? Quanto tempo faz que você não visita aquele velho amigo que gosta de bater um bom papo? A cada pequena atitude que tomar no sentido de retomar aquilo que era seu, você deixará de ter uma vida instrumental e mecânica. Para não depositar flores com a dor de quem perdeu, aproveite bem cada momento transformando sentimentos de perda em sentimentos de gratidão.
Rosemiro A. Sefstrom
quarta-feira, 8 de janeiro de 2014
Santo Agostinho
Com direção de Rosselini, Santo Agostinho(Agostino d’Ippona), 1972, é um dos últimos trabalhos do cineasta. O filmeé uma cinebiografia de Agostinho de Hipona (354-430), um dos grandes nomes do Cristianismo e um dos célebres filósofos da Humanidade. Este é mais um dos brilhantes trabalhos do consagrado cineasta, o retrato biográfico da vida de Santo Agostinho de Hipona.