Eu sou... Num artigo anterior falei um pouco sobre a propagação do EU e a responsabilidade sobre esta propagação. Dois grandes filósofos serviram de base para falar do assunto: Heidegger e Sartre, sendo tanto um quanto o outro radicais em suas escolhas e práticas. No artigo desta semana insisto mais uma vez em falar do EU, esse ser que “vai sendo” ao longo da vida e se constituindo como tal. O outro, que recebe o EU, não sou EU, assim já disse Levinas, não faz par comigo, não é apenas alguém que não sou EU. Segundo o próprio Levinas é preciso identificar a mim mesmo na relação e somente assim, talvez chegue ao outro, sem massificá-lo. Vamos pensar um pouco sobre o assunto.
Se tiver um pequeno espelho por perto, olhe-se e veja o quanto de você é possível identificar em sua imagem no espelho. A roupa que você veste foi escolha sua ou é moda? O corte de cabelo que usa é escolha sua ou foi-lhe dito que ficaria melhor em você? A lista de pequenas coisas que pode observar no espelho e ver o que de você está nele é grande, continue por você mesmo. Agora vamos um pouco mais fundo: as pessoas com as quais você convive, são escolha sua ou são conveniência? Sei, alguns já argumentam dizendo que faz parte da vida vestir roupas que não tem a ver consigo, conviver com pessoas que não tem a ver consigo. É provável que sim, diariamente visto roupas que nada têm a ver comigo, entro em contato com pessoas que não têm a ver comigo, mas não faço isso por escolha, faço porque faz parte da vida.
EU me constituo das escolhas que faço ou deixo de fazer, desta forma ao olhar para mim mesmo e ver o quanto sou EU é apenas um passo para saber o quanto já deixei de ser. Não há nenhum problema nisso, algumas pessoas abandonam o seu EU para viver um personagem: político, médico, atriz, marido, esposa, empresário e vivem bem com isso. Mas e as pessoas que não vivem? Você, que faz tempo que não é você mesmo, ainda sabe como voltar a ser EU ou mais EU? O problema é que isto já está tão normal que desde os mais tenros dias de vida os pais já direcionam uma existência de fachada, de mentira, fingida, falsa. Recomendo muito ver o filme “Na natureza selvagem”, no qual o personagem percebeu que ao ser massificado, perdeu sua identidade, seu EU. Para recuperar-se a si próprio fez uma grande viagem fora e dentro de si próprio, até perceber que não precisava ter ido tão longe para ver o que estava Nele.
Para recuperar o seu EU perdido volte um pouco no tempo, veja quem era você ao longo de sua história, antes de querer viver algo que não é. Alguns, para voltar ao caminho do EU precisam pegar um final de semana e ir visitar seus pais, voltar a casa onde moraram boa parte da vida, fazer uma gênese da própria existência. Essa gênese passa por entrar em contato com amigos do tempo de escola, retomar antigos e bons contatos. Para outros voltar a ser EU quer dizer ir à igreja, local onde não vai há muito tempo porque dizem que religião é coisa de pessoas sem instrução. Justamente por distanciar-se da fé é que deixou de ser EU, quem sabe você não é o tipo de pessoa que faz fé e a razão conversarem.
Pode não ser muito fácil se manter EU numa sociedade onde o “todo mundo” é cada vez mais presente. É complicado ser EU em uma sociedade onde os últimos estudos dizem que “as pessoas” querem ser felizes. De onde vêm essas verdades? Cito um filósofo, Rousseau, que fala da fundação da sociedade civil, diz ele “o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado o terreno lembrou-se de dizer “isto é meu” e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo”. O mesmo acontece com o EU, o fundador de um padrão de ser humano foi aquele que disse “o ser humano é assim” e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditar.
Rosemiro Sefstrom
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