Encontro Nacional

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quarta-feira, 4 de junho de 2014

Verdade ou consequência

Verdade, aletheia, véritas, emunah. Todas estas palavras referem-se à correspondência entre o que foi dito e o que se apresenta. Na terapia, ao longo do tempo tenho me deparado com muitas verdades, ou seja, fatos apresentados pela pessoa que lhe são tão evidentes a ponto de não gerar dúvidas. Um dos casos que me chama atenção é quando uma pessoa relata que fica ao lado de alguém por não ter escolha, porque se entende responsável pelo outro. Uma pessoa que relata isso justifica dizendo que o outro precisa dele financeiramente, porque sozinho não saberia se virar, porque é frágil emocionalmente, cairia em depressão. Em cada uma das justificativas a verdade é clara: é preciso ficar porque o outro depende desta pessoa.
Numa das consultas ouvi uma história que há muito tempo não ouvia. A história conta de um caixeiro viajante, vendedor que ia de cidade em cidade vendendo produtos que comprava diretamente na fábrica. Havia numa vila um menino que tinha uma grande admiração pela profissão e sempre que o caixeiro passava na cidade ele queria ir junto. Quando tinha certa idade pediu aos pais e com o consentimento destes partiu com o caixeiro fazer vendas pelas cidades vizinhas. Numa determinada cidade o caixeiro viu uma família muito pobre que tinha uma vaca muito bonita e que dava muito leite. O caixeiro combinou com o menino: “Vamos pedir pouso aqui e durante a madrugada roubamos a vaca, o lucro de sua venda dividimos meio a meio”. O menino concordou e foi assim que o fizeram, acordaram de madrugada e levaram a vaca da família. Foram até uma cidade vizinha e a venderam, o dinheiro foi dividido tal como o caixeiro tinha dito, mas aquilo começou a incomodar o menino. Pensava ele: “Mas era a fonte de alimento e recurso da família, bebiam o leite, vendiam o queijo, como ficarão sem a vaca?” Quando o menino chegou novamente em casa decidiu não seguir novamente em viagem, guardou o dinheiro com o intuito de ir devolver, mas não conseguia ir.
Depois de muito tempo, quando atingiu a maioridade, agora homem, decidiu que não viveria mais com aquele peso. Pegou suas coisas, o dinheiro que entendia ser justo devolver pelo mal causado e partiu. Chegando ao local onde havia a pequena cabana viu uma casa grande, plantações, pomares. Vendo isso o remorso bateu forte. Mesmo assim tocou a campainha da casa para pedir informações sobre as pessoas que moravam na cabana que ali ficava. Foi recebido pelo dono. Perguntou sobre uma família que vivia numa cabana que ficava no mesmo local. O dono da grande casa lhe disse que ele mesmo morava ali, que eram muito pobres, tinham como único bem uma vaquinha. Certa noite, depois que um caixeiro viajante e seu ajudante passaram por ali a vaquinha fora roubada. Com isto ele pegou o pouco dinheiro que tinha e comprou algumas sementes, cultivou e assim começou a prosperar até chegar ao ponto atual. E disse ainda que era grato ao ladrão que o libertou da dependência daquela vaca.
Em muitos casos uma pessoa entende que não pode partir porque o outro depende dela, mas a verdade é que a sua permanência reforça a dependência. Em outras palavras, um marido que não termina o casamento porque a mulher depende dele a mantém dependente continuando ao seu lado. Uma mãe que vai ao apartamento do filho para fazer a limpeza porque o filho precisa pode estar criando dependência. O fato é que muitos não querem encarar a verdade de que são eles que tornam as pessoas próximas dependentes, ou seja, a sua verdade é na realidade uma consequência.

Rosemiro A. Sefstrom

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