Encontro Nacional

Encontro Nacional

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Re-unir os cacos!

Em Filosofia Clinica existe um procedimento clinico, ou seja, uma ferramenta que o filósofo usa no seu trabalho que se chama reconstrução. A própria palavra já diz praticamente tudo, é uma ferramenta que possibilita ao terapeuta remontar à pessoa situações que viveu e que se perderam. No dia-a-dia muitas pessoas já usam a reconstrução, fazem o processo de recuperar antigas vivências, mas nem sempre de maneira produtiva. O terapeuta, quando precisa usar esta ferramenta, ele sabe o que vai reconstruir junto com a pessoa. O relato Werther no livro Os sofrimentos do jovem Werther mostra um pouco de como funciona essa técnica.
“Foi um magnífico nascer do sol: a floresta úmida e a planície cochilavam. Ela perguntou-me se eu não queria fazer o mesmo acrescentando que eu não me acanhasse por causa dela.
_ Enquanto eu puder ver esses olhos abertos – respondi, olhando-a intensamente -, não corro o risco de adormecer ”. (Página 37)
No relato acima a pessoa reconstruiu boas memórias, um momento em que provavelmente viveu algo muito bom. Mas nem sempre é assim, existem muitas pessoas que passam os dias retomando memórias, emoções, sensações, muito ruins. Estas pessoas habilidosamente pegam um evento em sua vida que lhes causa grande sofrimento e retomam desde o início até o fim. Em cada pedaço de sofrimento, até que este sofrimento esteja presente agora, assim como foi no passado.  O problema é que estas pessoas fazem reconstruções de coisas que lhes fazem mal, usam uma ferramenta poderosa para machucar a si própria e os que a rodeiam.
Outras pessoas ao longo da vida quebram, uma empresa, um casamento, um namoro, uma amizade. Os motivos pelos quais elas quebram não vem ao caso, mas interessa saber que muitas delas querem reconstruir o que quebrou. Algumas destas pessoas reconstroem tudo com tanta perfeição que até mesmo os defeitos que haviam na empresa, relação. Esse tipo de reconstrução levará a pessoa a reviver tudo novamente, ou seja, provavelmente irá quebrar outra vez.
Há quem diz que se reconstruir um casamento faz com que ele não seja mais o mesmo, verdade. Em muitos casos ele fica muito melhor, algumas pessoas, diferente daquelas do parágrafo anterior, quando reconstroem, elas aprendem com os erros de sua última construção. Pessoas assim costumam caminhar para frente, aprendendo com as vezes que quebraram.
No entanto, muitas pessoas não usam este procedimento, muitas pessoas quebram e deixam os pedaços pelo caminho. Para estas o passado é diferente do presente, que vai ser diferente do futuro e não há motivos para ficar reconstruindo se podemos fazer coisas novas. Para quem vive com pessoas que não fazem reconstrução uma dica, quando estas pessoas quebrarem algo, provavelmente não tem volta. E elas pode quebrar um casamento, uma amizade, um grande amor, mas mesmo querendo, não vão voltar. Para estas pessoas a vida só caminha para frente, não há como reunir as peças.
Reconstruir é juntar os cacos, reorganizar as partes em torno daquilo que antes já foi um todo. Usar este procedimento pode ser de grande valia se estivermos reconstruindo boas memórias, sentimentos, ideias, sensações. Da mesma maneira a reconstrução pode ser um Calvário aos que retomam suas piores dores, seus piores pesadelos.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

TransitórioTransitório

Em alguns anos de terapia comecei a perceber que algumas pessoas são afligidas por um pequeno problema: a passagem das coisas. Uso a palavra coisas porque tudo o que está ao redor destas pessoas não pára, não permanece exatamente como está, inclusive elas mesmas. Este pequeno problema começa a aparecer quando estas pessoas começam a pensar em sua vida como uma linha do tempo, deixam de olhar a vida como experiências isoladas e passam a perceber o contínuo. Ao perceber a transitoriedade descobrem que estão sujeitas também às mudanças e em cada caso existem mudanças que assustam mais. Para algumas pessoas o que as assusta é a possibilidade que a passagem do tempo possa levar as pessoas que elas amam, pai, mãe, irmão, marido, filhos, etc. Outras pessoas têm medo de perder sua aparência física , são devotos do próprio corpo, passam horas ao dia cultivando a beleza que temem perder. Um último exemplo são as pessoas que veem na passagem do tempo o problema de terem de mudar, se adaptar, renovar, ou seja, para elas o ideal é que as coisas continuassem sempre assim, pois estavam boas do jeito que estavam.  
Estas pessoas que se assustam com a passagem do tempo, em boa parte, estão agarradas a algo que têm medo de perder com o passar dos dias. Não percebem que a vida acontece no agora, que tudo o que está a sua volta faz parte da vida como transitoriedade, ou seja, são coisas que estão de passagem, inclusive elas mesmas. Essa transitoriedade remete a um conceito simples: participação, ou seja, tudo quanto faz parte de minha vida agora, participa de minha vida agora. Hoje você tem um carro modelo X, ano X, valor X, mas daqui há algum tempo compra outro e este deixa de participar de sua vida. Uso o carro como um primeiro exemplo desta participação porque é um bem do qual muitas pessoas se desfazem com certa facilidade. Mas uma casa também pode servir de exemplo, a casa ou apartamento no qual você vive participa de muitas coisas. É interessante perceber que tudo o quanto pode ser vivido está apenas de passagem, elas participa de sua vida e você participa destas coisas, mas apenas momentaneamente. Mesmo as coisas que estão há muito tempo com você também estão de passagem, apenas têm um tempo de passagem maior que outras.
Quanto for possível perceber que tudo participa de nossa vida e nós participamos destas coisas se tornará possível escolher quando e quanto participar. Se você percebe, por exemplo, que seu marido está de passagem em sua vida, a participação dele pode ser muito melhor aproveitada. O mesmo pode acontecer com ele em relação a você, ele pode querer participar muito mais de você. Pense em sua casa, o quanto você participa daquilo que dispõe? Há muitos dos casos em que a mulher ou o marido compram objetos e os guardam, estes objetos acabam não participando de suas vidas de fato, estão ali, deixados de lado. A participação lembra que é possível viver ao máximo um fim de semana na praia, porque ele passa, mas eu posso participar dele ou ficar chateado porque ele vai passar.
A noção estática da vida faz com que boa parte das pessoas pare no tempo, deixe de se atualizar, deixe de se melhorar. Por incrível que pareça, algumas pessoas deixam de participar da própria vida. Participar das coisas que estão ao nosso redor e permitir que elas participem de nossa vida é uma das maneiras de viver o agora, tanto com vinte quanto com cinqüenta anos de idade. Em cada etapa a participação é diferente, não melhor nem pior, apenas diferente.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Jeito de ser!

Talvez você conheça uma pessoa assim, ela repetitivamente cria objetivos, terminando um, logo cria outro. Além disso, ela se vê presa a cada objetivo que cria e não consegue levar sua vida adiante a menos que termine o que começou. Três fatores que aparecem acima são interessantes, o primeiro é a repetitividade, ou seja, a característica de se repetir sempre um mesmo movimento. A segunda característica que aparece é a de criar objetivos, ou seja, metas, lugares onde chegar. Em algumas pessoas é comum a característica de desejar, querer, intencionar. E a terceira e última é a prisão que cada objetivo representa, uma vez que prende a pessoa ou instituição ao objetivo. Para reconhecer pessoas que funcionam assim é bastante simples, basta perceber se a pessoa a diz que não consegue parar, que tem que terminar.
O primeiro fator a ser verificado é a repetitividade em forma de ciclo, que podem ser desde ciclos muito pequenos até ciclos muito grandes. Desde tomar banho uma vez por dia até ir visitar um parente distante a cada dez anos. Estes ciclos são chamados em Filosofia Clínica de Paixões dominantes, um motivo muito simples para isso é a força que os ciclos exercem sobre a pessoa. De onde isso vem? Isso dependerá de cada pessoa, não há um motivo específico. Uma pessoa que tem as paixões dominantes fortes tende a repetir e repetir os comportamentos, mesmo que não veja neles significado algum. Para algumas pessoas sair do ciclo gera medo, insegurança, ansiedade, enfim, não sentem-se bem. Em outras pessoas é justamente o contrário, a rotina é que lhes dá a sensação de segurança, bem estar. Estes ciclos não são bons e nem maus, o significado que é dado por cada um é que os faz serem o que são. Como fazer o balanço de uma empresa, para alguns momentos de alegria, momento de contabilizar o sucesso de um trabalho bem feito. Já, para outros este momento é um momento de chateação, uma vez que o que tem para contabilizar já há um tempo são os pré-juízos.
O segundo fator são as orientações criadas pela pessoa em cada ciclo, buscas que a pessoa ou instituição cria. Uma busca é um direcionamento, um anseio, uma vontade, desde as mais próximas até as mais distantes. Cada pessoa ou instituição, de acordo com sua estrutura, tem determinadas buscas, direcionamentos. Não há nada de mais e é muito normal que pessoas, empresas, instituições tenham objetivos diferentes. Uma empresa quando cria um planejamento anual, o termo anual já dá o ciclo onde ele acontece, ela está apontando determinadas direções para este ano. Boas ou más elas deverão ser concretizadas, como forma de cumprir o ciclo. Na vida pessoal não é diferente, para as pessoas que funcionam assim. Pessoas que criam objetivos de curto, médio ou longo prazo, estão dando às suas vivências um direcionamento. Se irão chegar onde querem, isso realmente dependerá da trajetória e de vários outros fatores ligados às estrutura de cada um.
No terceiro fator está a Armadilha Conceitual, o termo sugere que a armadilha é e existe somente enquanto conceito. E é assim mesmo, a prisão só existe se aquele que estiver preso conceitualmente se sentir assim. Como um empresário que olha para a empresa e diz: “Acho que fiz o que podia ser feito, vai quebrar”. Ao seu lado um jovem funcionário diz: “Há uma saída”. Enquanto um vê o fim do túnel, o outro vez a luz no fim do túnel, ou seja, a prisão dependerá do ponto de vista de quem está olhando. Uma armadilha é uma prisão, um mecanismo que lhe impede de sair do lugar. Para fazer um exercício bem simples e entender, pense no que lhe impede de sair correndo e gritando agora. Tudo o que você pensar é uma armadilha. Não é que você não possa, mas existem mecanismos que dizem que você não pode e você acredita neles.
Juntando tudo, temos uma pessoa que a cada tempo quer algo e vai em busca, sem terminar não pára. Não há nada de errado em ser assim e viver assim, mas algumas pessoas a certo ponto da vida acham sinceramente que já está bom onde chegaram, mas não conseguem viver sem estar buscando. Para outras o problema está nos objetivos que colocaram são inatingíveis, a pessoa quer seguir em frente, mas estão presas. Podem acontecer diversos outros tipos de problemas que levem a pessoa a não viver bem. Cada está estruturado diferente dos outros e é exatamente por isso que os problemas de vida de cada um, são imensamente diferentes dos problemas da vida do outro.



Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Pessoa certa, tempo errado!

Em Filosofia Clínica, antes de entrar na análise dos pormenores dos dados da historicidade da pessoa, o filósofo observa os Exames da Categorias. Esta etapa é aquela na qual o terapeuta observa na narrativa da pessoa como ela se localiza existencialmente no mundo em que se coloca. A localização existencial é dada pela pessoa mesmo, ou seja, não é o filósofo que interpreta estes dados a partir da história, e sim, percebe literalmente segundo o que é contado pela pessoa. As categorias que ele observa são: assunto imediato e último, circunstância, lugar, tempo e relação. Em cada uma destas categorias se observa como a pessoa está existencialmente em cada etapa de sua vida.
É interessante o estudo destas categorias porque algumas vezes o problema que deverá ser trabalhado nada tem a ver com os tópicos da Estrutura de Pensamento. Em vários casos o problema está na localização da pessoa, ou seja, onde ela se colocou existencialmente. Uma das categorias nas quais pode ocorrer problemas pode ser o tempo. Nesta categoria o filósofo se dedica, a saber, qual é a relação entre o tempo subjetivo e o tempo convencionado. Ele verá, segundo as vivências da pessoa, a duração dos eventos e o tempo verbal em que eles são vividos. O tempo subjetivo diz respeito ao rápido ou demorado que costumeiramente se diz. Como uma pessoa que afirma que nos dias em que as coisas vão bem ela sente como se o tempo passasse mais rápido, assim como o contrário. Só é possível que a pessoa diga que o tempo passou rápido se houver um parâmetro de comparação, e tal parâmetro é o tempo do relógio. Então, a relação entre o tempo convencionado do relógio e a sensação temporal da pessoa é que dão ao filósofo a possibilidade de dizer qual é a localização temporal das suas vivências.
Mesmo falando de um só tópico, apenas no parágrafo anterior encontram-se teorias de nada mais nada menos que Aristóteles e Kant. Não se trata de uma cópia de suas categorias, mas sim, uma adaptação dos conceitos desenvolvidos pelos dois para o trabalho terapêutico..O tempo, como já conceituado anteriormente, é a categoria que cuida da relação entre o tempo objetivo e subjetivo.
No consultório, dia destes, um partilhante dizia que já era tempo de encontrar alguém na vida que lhe fosse “completar”, em suas palavras: “Alma gêmea”. Depois de alguns meses de trabalho, a pessoa encontrou um par, segundo ela, perfeito. Conversa vai, conversa vem e o que parecia perfeito acabou se revelando um problemão, pois a pessoa perfeita era 20 (vinte) anos mais nova e isso tornava o relacionamento impossível. Não é que assim seja para o terapeuta ou para a sociedade, mas segundo os valores da pessoa era algum inimaginável, muito menos praticável. Veio então a expressão: “Pessoa certa no tempo errado”. Esta pessoa estava agora, depois de se constituir na vida, no tempo de aproveitar, de abrir as asas e voar, mas precisava de alguém com quem compartilhar este vôo. No entanto, da maneira que aconteceu, não seria a ela possível dar continuidade ao que poderia ser um relacionamento.
A temporalidade é diferente em cada pessoa, o tempo que cada um leva para ser “adulto” é diferente. Vários são os casos nos quais a pessoa é “obrigada” a amadurecer bem mais cedo e o tempo de suas vivências é alterado. Muitas vezes você cruzará com o seu par perfeito no tempo errado, mesmo sendo perfeito, ou é cedo demais ou é tarde demais. O ideal é estar aberto para as experiências, um amor pode vir cedo demais, mas pode vir uma vez só.

Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Este clipe da cantora hungara Csemer Boglárka em que interpreta a música Nouveau Parfum ela sofre transformação enquanto canta. É possível levantar uma questão interessante a respeito disto: Para algo ficar bonito precisa ser modificado até não ser mais ele mesmo? Será que uma pessoa que se modificou tanto para ficar bonita ainda se reconhece? E se se reconhece, vê o que tem por fora ou o que está por dentro?

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Construção Compartilhada

No final de semana passado, enquanto assistia a comentários esportivos a respeito da rodada que finalizou os campeonatos estaduais, ouvi uma observação pouco dita. Enquanto falavam a respeito dos jogos do final de semana, um dos cronistas criticava tal treinador e tal time. Isso prosseguiu até que um jornalista abertamente disse: “Como é fácil para um ex-jogador, que nem foi tão bom assim, criticar o trabalho alheio. Porque comentar é fácil, gostaria de vê-los fazendo o papel que julgam”. Um ponto de vista interessante do jornalista, mas ele não se dá por conta que, até mesmo o comentarista cumpre um papel. Aquele de que, quando um treinador ou jogador estão muito envolvidos podem esquecer, ou seja, olhar as próprias falhas. O papel do comentarista seria então apontar estes erros , eles estarão apontando.
Assim acontece no filme Encontrando Forrester, onde um menino negro, Jamal Wallace, de classe pobre, consegue uma bolsa numa escola particular. Ele assume sua vaga pelo que escreve, por ser muito bom no que faz, mas melhora ainda mais com a ajuda de um famoso amigo, William Forrester. Seu professor, Crowford, destina todo seu tempo e habilidade para provar que um menino negro e pobre não poderia ser tão bom escritor. Willian Forrester, por sua vez, mostra ao menino que alguns sabem fazer e trilham um belo caminho, enquanto outros podem não saber fazer, mas serão muito bons na arte de abrirem os caminhos. Ao menino, em seu processo de aprendizagem, muitas palavras ditas pelo seu amigo passaram em branco. Eram conselhos de um homem velho que tinha lá suas esquisitices. Em muitas vezes Jamal se nega a aceitar as críticas como se já soubesse caminhar com as próprias pernas, mal nota que ainda repete os passos daquele que o ensina. Ao final do filme o rapaz pega um texto produzido conjuntamente com seu amigo e apresenta ao professor Crowford. Este, por sua vez, descobre que o escrito era um plágio de um antigo trabalho publicado numa famosa revista. Para se redimir do erro e continuar estudando seu professor exige uma retratação pública. Jamal se nega a fazer uma retratação pública, mesmo sabendo que teria de deixar a escola. William Forrester, amigo de Jamal, claramente diz que cada um assume a responsabilidade pelo que faz, mas decide intervir pelo aprendiz e amigo. Durante todo o filme o jovem precisou desconstruir o que achava que sabia para realmente aprender, o mesmo aconteceu com seu amigo.
Tanto um quanto o outro no processo de se conhecer foram deixando de lado os pontos de diferença e encontrando os pontos de igualdade. Este processo levou o menino ao aprendizado e desenvolvimento de sua escrita, ao passo que seu mestre reaprendera o valor da vida e recuperara alguns sonhos há muito perdidos. Ao esquecerem as diferenças e viverem no espaço que chamamos de interseção eles construíram de forma compartilhada uma nova vida. Um novo caminho, que já não fazia mais distinção entre um e outro, mas um caminho do meio que contemplava as duas partes. Cada um apontou os pontos cegos da vida do outro e vagarosamente foram melhorando um ao outro, cada um de acordo com suas capacidades.
Quantas vezes você parou para ouvir uma pessoa que lhe criticou ou apontou uma falha sua? Não estou falando de um completo estranho em uma fila de banco, mas alguém que tem com você uma caminhada. Uma pessoa que sabe de onde você vem e para onde se encaminha. Boa parte das vezes o que se ouve é a proposta do jornalista: “Faça você então!” Não se trata de fazer melhor, mas de ensinar a fazer melhor. Muitos acham que porque cometem certos erros, todos o cometem, esquecem que há muito conhecimento para aprenderem, muitas vezes com alguém mais novo. Não se trata de estar certo ou errado, mas de ouvir o que o outro diz e avaliar se ele realmente tem razão e, caso tenha, entender que também podemos cometer erros.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Ambição

Muitos defendem a palavra ambição com unhas e dentes alegando que todos devem ter ambição para chegar a “algum lugar na vida”. De acordo com as definições encontradas, este lugar onde se pode chegar com ambição seriam: poder, dinheiro, glória, bens materiais, etc.. Felizmente as coisas não são tão simples quanto aparentam ser, ou seja, não quer dizer que tendo ambição chegarei a “algum lugar”. Nas organizações, principalmente, a ambição é vista como algo bom, pois significa que o colaborador quer mais do que aquilo que tem, quer “subir”. Há muitos casos em que a vontade de “subir” é tão grande que a pessoa acaba pisando naqueles que estão a seu lado para chegar ao lugar que ambiciona. É justamente por causa do conceito de ambição que muitas pessoas são tidas como acomodadas, pois não querem mais do que aquilo que têm. É sobre os ditos “acomodados” que vamos fazer um pequeno exame.
Pense na seguinte situação: você entra em uma organização, começa como funcionário da produção, algum lugar como Assistente de Serviços Gerais, em outras palavras, um “faz tudo”. Com o tempo sua ambição lhe leva à faculdade, você estuda e com alguns anos de muito trabalho e dedicação encontra-se como contador. O trabalho é bom, o salário não é aquilo tudo, mas cumpre as expectativas, você decide que quer ter uma família, comprar um carro, ter casa na praia, enfim. Você não se contenta apenas em ser contador, quer ser o melhor contador, faz pós-graduação, mestrado, doutorado, está entre os melhores contadores. Apesar desta trajetória, muitos colegas podem vê-lo como acomodado, pois está na mesma empresa há vinte anos e ocupa a mesma posição. Os que pregam ambição olham o contador e veem um acomodado, mas ele mesmo se vê exatamente onde queria estar.
Um exemplo um pouco diferente pode ser ilustrado com uma pessoa que veio da roça, entrou na empresa e depois de alguns anos chegou ao cargo de supervisor. De tudo o que tinha sonhado na vida foi muito mais longe, o pouco estudo e muito trabalho compensaram as dificuldades. Olhando de fora alguém pode dizer que ele não foi muito longe na vida, no entanto para ele mesmo a caminhada já foi longa até ali. Ele vê como muito difícil continuar e tentar novos cargos, por isso ele olha a própria história e vê orgulhoso o lugar que ocupa na empresa.
A ilusão de que todos têm de ter ambição leva muitos ao “lugar” que outros disseram que ele deveria querer. Infelizmente muitas vezes o tal lugar para onde deveria chegar não tem nada a ver com a pessoa que chegou lá. São vários os casos em que a pessoa deseja ser promovida porque acredita que todos têm de ter ambição. Quando a promoção chega a pessoa assume o cargo como a coroa pela ambição, pois todos queriam estar onde ela está. Aos poucos percebe que nem ela mesma quer estar onde está, que jamais deveria ter saído de onde estava, que a ambição a levou ao lugar errado.
Ambição pode fazer com que a pessoa deixe para trás coisas das quais vai sentir muita falta, como pessoas, cargo, mulher, filhos. Eu posso me realizar onde estou, fazendo o que faço, estando com as pessoas que estou. Mudar de lugar, de cargo, de situação financeira não é a ambição de todos, mas de alguns. É possível que eu seja muito mais realizado fazendo durante vinte anos a mesma função do que alguém que mudou de cargo uma vez por ano. Ter ambição não é para todos, cada pessoa é diferente, não tenha a sua medida com relação ao outro.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Bipolar!

Segundo o DSM IV a bipolaridade ou Transtorno Afetivo Bipolar tem como característica básica “a alteração de humor com episódios maníacos e depressivos ao longo da vida”. No que se refere à bipolaridade, a psiquiatria tem como base única para o entendimento do transtorno as alterações do humor. Em Filosofia Clínica o humor está ligado ao tópico 04, as Emoções. Sendo assim, a bipolaridade pode ser entendida como a troca de conteúdos em um mesmo tópico, ou seja, ou estou emotivamente muito feliz (maníaco) ou estou emotivamente muito triste (depressivo).  Segundo o próprio DSM estas alterações episódicas se dão ao longo da vida, ou seja, tanto podem se dar em poucos minutos como podem levar muitos anos. Enfim, a alteração de qualidade das emoções faz com que uma pessoa possa ser considerada Bipolar pela psiquiatria.
Não há aqui a intenção de concordar ou discordar com a nomenclatura ou o diagnóstico sintomático da bipolaridade, mas propor outros entendimentos. Até o momento se fala em bipolaridade, mas existem pessoas que são “tripolares” ou “tetrapolares”. No consultório, uma bipolaridade muito comum que encontro é a briga entre as emoções e o raciocínio. Acontece algumas vezes de encontrar pessoas que estão saindo de um casamento, e, ao falar do amor que sentia pelo marido ou esposa, a dificuldade com os filhos, a pessoa sofre, chora, fica desolada. No entanto, quando o assunto é divisão de bens, cálculo de valores, ajustes judiciais, a pessoa se ilumina, os olhos brilham, ela adora isto.  
Há ainda pessoas para as quais podemos chamar de “tripolares”: são pessoas que apresentam vivências pontuais em cada um dos tópicos. Seria o caso de uma pessoa que quando está na Igreja, rezando, se porta como o maior dos fiéis, se compromete com Deus, é um exemplo de fé. Porém, saiu da Igreja, viu seu carro sendo riscado por um rapaz, pega o mesmo e quase o espanca. Pergunta: onde está a fé? O perdão? O detalhe é que neste momento ao viver o conteúdo das emoções, no caso a raiva, ele a vive intensamente, ficando cego para a fé. Acontece que ainda chegando na delegacia para lidar com o problema gerado pela agressão ao menino ele se apresenta calmo e extremamente calculista. Agora, frente ao delegado é o raciocínio quem comanda, nem a fé da Igreja, nem a emoção do momento estão presentes, é apenas o pólo da razão que comanda agora. Os “tetrapolares” também são pessoas que tem vivências pontuais de acordo com o momento.
Outro tipo de bipolaridade se encontra nos papeis existenciais. Provavelmente você já deve ter ouvido a expressão: “Meu pai com os amigos dele é uma pessoa, em casa é totalmente outra”. E quando a pessoa se referia que seu pai era totalmente outra pessoa, estava falando de um homem agressivo, bravo, frio, calculista. Essa bipolaridade vem do exercício dos papeis existenciais, onde ele aprendeu que como amigo não tem compromisso, é momento de falar bobagem. No entanto como pai ele tem o compromisso de educar, orientar, ensinar, mostrar como o mundo funciona. A quebra que o papel existencial amigo e pai mostram, na maior parte das vezes não são compreendidos.
Quando as vivências são pontuais elas podem se apresentar como polares, ou seja, voltadas a um extremo. Provavelmente cada um de nós somos bipolares, uns mais, outros menos.

Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Quem mexeu no meu queijo?
Essa breve história é a ilustração de tudo um livro que fala do quanto é necessário deixar a comodidade das certezas encontradas para estar em constante aprimoramento. A comparação entre os ratos e os seres humanos é muito boa, da simplicidade a complexidade. Nem sempre o mais complexo é necessariamente o que tem melhores resultados.
Desfecho

Esta semana lendo o jornal vi uma reportagem que falava de um grande pesquisador americano que se dedica a mostrar como o cérebro nos engana. O exemplo usado pelo pesquisador é da dieta que a pessoa diz que vai começar na segunda, mas que antes do fim de semana come mais que o normal, que compra frutas e verduras na sexta-feira, mas as deixa murchar até a segunda-feira, deixando-as de certa forma menos atrativa. Outro exemplo são de grandes objetivos que temos com relação a nós mesmos que não conseguimos alcançar porque nosso cérebro não nos deixa levar adiante. Os exemplos citados por ele mostram situações em que o cérebro não nos deixa concluir nossos objetivos, realizar uma tarefa que “queríamos” fazer.
É comum ouvir num consultório de Filosofia Clínica coisas como: gostaria de começar um regime, mas não consigo; queria voltar a estudar; nunca conseguir dizer que amo aquela garota. Cada um destes exemplos são situações em que o que eu quero, preciso, devo, enfim, o que era para ser feito, não foi. Mas o que fez com que não acontecesse o desfecho? O que travou a pessoa a ponto de ela não levar a cabo o que pretendia? Para cada um pode ser um motivo diferente, mas em cada um de nós há o que nos estimula e o que nos trava. Em Filosofia Clínica, ao estudar a história de vida da pessoa, provavelmente vamos saber o que a travou, ou seja, que não deixou a pessoa ir ao desfecho. Lembrando que algumas coisas não devem mesmo ir em direção ao desfecho, são perfeitas quando não acabadas.
Mesmo sem saber o que travou o projeto de alguém, pode-se indicar algumas maneiras de começar o que deveria levar a um fim. Para algumas pessoas o projeto não começou ainda porque não tem uma data, ou seja, a falta de estipular um início e fim faz com que ela nem inicie. Se for este o caso, pode-se ver o projeto de vida e colocar datas, tanto de início quanto de fim, com isso provavelmente ele sairá do pensamento. Alguns podem dizer: “eu já fiz isso”. Talvez sim, mas para alguns as datas não podem vir deles mesmos, precisam vir de fora. Pode-se citar um exemplo da esposa que chega para o marido e diz: “Você tem seis meses a partir da semana que vem para perder 10 quilos”. Pronto, agora, com uma data que veio de fora ele consegue colocar em prática o que há anos sozinho não conseguia.
Em outros casos o problema está no tamanho do percurso que se tem de trilhar para chegar a um fim. É como uma caminhada, enquanto o objetivo final não é visível o caminhante permanece firme e forte, sequer cansa, mas quando vê o objetivo a alguns metros parece que não vai lcançar. Para este tipo de pessoa, normalmente se diz que nadaram, nadaram e morreram na praia. Talvez se para estas pessoas a caminhada fosse dividida em pequenas etapas, é provável que cada pequeno trecho teria um peso muito menor que o todo. É como a faculdade que tem cinco longos anos, sendo que a mesma pode ser dividida em dez curtos semestres. Se o caminho tiver pequenas divisões e for completado em cada parte, ao final a pessoa terá o todo.
Há ainda as pessoas que precisam de companhia, aquelas que têm seus objetivos, mas concluí-los depende de alguém que possa fazer parte. É o caso das milhares de meninas e meninos que vão para a academia enquanto têm companhia de outros amigos. É o caso daquele rapaz que tem grandes ideias, mas o desfecho delas só acontecerá na companhia daquele amigo mais despachado, mas afoito. O desfecho, o término de um trajeto pode ser importante para algumas pessoas, para tantas outras não. Quando for importante o desfecho, o término, é preciso estudar na pessoa as ferramentas que possam levá-la até lá.

Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Consciência

Nos estudos de Filosofia Clínica, muitas vezes se ouve a expressão: “Mas é preciso que a pessoa tenha consciência do que está errado para mudar!” Sem muito esforço, quase todos os presentes na aula, palestra, conversa, concordam de pronto. Mas o que seria a consciência? Numa pesquisa rápida pela internet aparecem diversas definições, mas uma delas me atrai mais. Nesta definição a palavra consciência é dividida em duas partes, a primeira “com” que quer dizer junto, e a segunda parte é “scire” que quer dizer “saber, conhecer”.  De acordo com esta definição a palavra consciência significa conhecer com outras pessoas, ou seja, aquilo que sei com os outros.
Fazendo uma busca mais ampla encontrei o significado dos livros de filosofia, onde o termo consciência traduz a capacidade de uma pessoa de ver a relação entre si e o ambiente. Para muitos filósofos existem dois tipos de consciência, a fenomenal e a consciência de acesso. A consciência fenomenal é a capacidade que a pessoa tem ou pode ter de processar os dados de sua experiência no ambiente. Simplificando, é a capacidade que você tem, de agora, enquanto lê, ouvir o som, sentir o cheiro, perceber o mundo a sua volta. Já a consciência de acesso, esta é um pouco diferente, é a capacidade que temos de entender ou não a nossa relação com o que se passa em volta. Neste caso é a capacidade que você tem de ouvir uma pessoa falar o seu nome e saber que ela fala com você.
Para transpor esse termo para a Filosofia Clinica precisamos entender o processo da consciência, ao menos o que se diz que as pessoas têm que ter. O primeiro passo é a pessoa se perceber dentro de um contexto específico, ou seja, se você está dirigindo na pista do ônibus em plena avenida, deve saber que é errado. Pode parecer estranho, mas algumas pessoas não se percebem dentro de um contexto, para elas o que importa, interessa, é que elas façam o que entendam precisam, ou querem fazer.  Esse é um primeiro obstáculo para a consciência, pois, para muitas pessoas, por mais que falemos, elas sempre vão entender que elas estão certas. Tenho certeza que você conhece alguém que sempre está certo, ou, como se diz, não tem consciência do que fez.
Uma segunda questão de tantas, é a epistemologia, o conhecimento. Digamos que a pessoa se vê dentro do contexto, percebe-se na relação com as outras pessoas, mas ela não consegue conhecer o que está acontecendo. Um exemplo são as pessoas que sabem que o casamento está desmoronando, sabem que elas são as mais responsáveis por isso, mas não conseguem aprender com isso, conhecer. Parece estranho, mas acho que você já deve ter olhado o motor de um carro, até dirigido um, mas não tem a menor ideia de como funciona. Isso faz com que, mesmo você se vendo, não consiga ter consciência do que está errado, isso porque o aprendizado não acontece.
Muitas pessoas têm consciência quando estão em relação com outras, entendem perfeitamente o seu lugar em cada espaço, mas, infelizmente, não têm consciência de si próprios, são pessoas que comem mal, dormem mal, vivem mal e não tem a menor ideia que estão fazendo isso. São pessoas que aprenderam conhecer tudo, menos elas mesmas. É perfeitamente possível que você tenha fortes dores de cabeça, mas nunca aprendeu a lidar com ela, nunca tentou conhecer a sua própria dor de cabeça.
Esse tema é muito vasto, aqui apenas coloquei algumas possibilidades. Apenas ilustrei as possibilidades de se ter ou não consciência, mas gostaria de deixar uma pergunta: “Por que ter consciência?”
Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Qual a sua lógica?

No mundo, segundo especialistas de várias áreas, existe uma lógica no processo que chamamos viver. Essa lógica, segundo os mesmos, regulamenta nossa forma de viver e faz com que sejamos quem somos. Há uma lógica na movimentação dos fluidos, há uma lógica na movimentação das massas de ar, há uma lógica para explicar as reações químicas que acontecem no cérebro. Enfim, a lógica é a parte da filosofia que cuida para que as coisas possam ter certo sentido, ou seja, para que uma argumentação possa ser conduzida corretamente das proposições ao juízo. O juízo, conclusão, só será considerado correto ou verdadeiro na medida em que respeitar as proposições. Um dos exemplos mais famosos de lógica é: Todo homem é mortal, Sócrates é homem, logo, Sócrates é mortal. Perceba que o movimento da primeira proposição até a conclusão se complementam.
Esse exemplo de lógica funciona muito bem no papel, num raciocínio matemático, algébrico, mas será que funciona tão bem assim na vida? Será que um pensamento lógico é assim tão exato na vida? O que se percebe no consultório é que não. Algumas pessoas me procuram com uma questão parecida com esta. Dizem: “Doutor, ele é ruim comigo, ele é grosseiro com minha família, ele só tem interesses em mim e eu gosto dele”. O que a moça quer dizer é: “Mesmo tendo todos os motivos para se afastar desse rapaz, ela gosta dele”. Mas, muito diferente do papel, onde o pensamento se desenvolve com base na razão, ao menos deveria, na vida utilizamos outras ferramentas para se chegar a uma conclusão que não fecha com a lógica.
Cada um tem sua lógica interna, como diz um filme, alguns seguem a lógica do amor. Pessoas estas que seguem de maneira quase que cega o que o seu coração aponta. Muitas vezes se arrebentam na vida, pois a pessoa por quem se apaixonaram não lhes quer. Outros seguem a lógica de mercado, para estes o que tem maior valor (preço) é o que orienta as suas lógicas de pensamento. Há também as pessoas que usam a lógica do prazer, muitas delas caem na vida pelo álcool, drogas, pois é o prazer quem comanda esta lógica. A lógica de cada um é o que chamo de lógica existencial e para cada um ela tem sua forma de chegar a num resultado verdadeiro.
Mas, mesmo que cada um tenha a sua lógica, às vezes, essa lógica não coincide com a lógica do outro. Veja o caso de uma menino que pensa consigo que, se ele amar muito uma menina, se dedicar integralmente a ela, ela também vai amá-lo. Só que para a menina, objeto de seu amor, um homem que tenha muitas posses, na sua cabeça é aquele que vai fazê-la feliz e não o que a ama. Para o menino é o amor, para a menina são as posses. Quando a conta não fecha é natural que em algum lugar fique aparente que algo está errado. Algumas vezes é o casamento que não dura, são lógicas diferentes tentando conviver no mesmo espaço.
Há ainda a lógica da fé, segundo a qual, se o meu relacionamento com Deus for bom, eu rezar obterei sua ajuda. Mas, para muitos fieis Deus deve ter tirado uma folga, não é fácil de entender como que alguém que rezou toda uma vida, foi muito devota, morreu esperando seu auxilio. De vez em quando se vê uma família se perguntando e perguntando a Deus sobre o assunto, a lógica não fecha.
É assim mesmo, assim como cada um de nós tem a sua lógica, Deus também deve ter a dele. Entender qual é a minha lógica torna mais fácil entender quando as contas não batem, perceber que algo está errado. Não porque esteja errado, mas por que na minha forma de pensar não é certo. Mas, mesmo assim, tenho de entender que o meu modo de se chegar a um resultado não é o único, posso estar errado.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Pensar dialético

Inicio por lembrar que cada pessoa é um mundo, uma realidade completamente diferente de todas as outras. Isso faz com que cada um de nós seja diferente, desde nossa realidade física até a cognitiva. Digo isto apenas para salientar que, quando usar neste artigo a expressão “tipo de pessoa” estou me referindo a uma forma de se relacionar com a exterioridade que é o mundo. O mundo é tudo aquilo que é exterior a mim, ou seja, o sol, as nuvens, as árvores, etc. Além de tudo isso que existe e constitui o mundo de cada um há também pessoas, os outros.  Nós, no dia-a-dia nos relacionamos, inevitavelmene, com o mundo e com os outros.
Das várias formas de se relacionar vamos nos dedicar a uma em especial, a relação dialética. A dialética enquanto método ganhou conhecimento por Hegel, mas diz-se que o pai desta teoria pode ser Zenão de Eléia ou até mesmo Sócrates, o qual se popularizou entre os gregos por levar as pessoas à verdade. O pensamento dialético cresceu, se popularizou na filosofia e foi adotado por muitos filósofos como método científico, assim como foi condenado por muitos outros como não sendo nada científico. Enfim, científico ou não, interessa em que medida essa metodologia contribui para a Filosofia Clínica.
 A dialética enquanto método se realiza em três estágios: a tese, a antítese e a síntese. Na tese eu tenho aquilo que é como teoria, ou seja, tenho uma ideia já formada. Pense no conceito que você tem de você mesmo: essa ideia que você elaborou de você mesmo pode ser considerada uma tese. Num segundo momento vem uma ideia contrária a que você formou de si mesmo, essa ideia contrária é a antítese. Vamos dizer que você se considera uma pessoa bondosa e desprendida, essa é a sua tese, mas um amigo seu, muito sincero, diz que você não é bom e muito menos desprendido. Para ser mais sincero, este amigo diz que você é avarento. Agora, com a tese a respeito de você e a antítese dada por seu amigo também a respeito de você, irá surgir uma terceira e nova ideia: a síntese. A síntese é o resultado da união da tese com a antítese, não a simples negação de uma pela outra.
Pessoas que têm o pensamento dialético costumam ter uma ideia feita, pronta a respeito das coisas da vida. No entanto, no dia-a-dia, no convívio com as pessoas e com as coisas, elas podem tanto receber quanto perceber opiniões diferentes das que têm. Quando isto acontece, elas entram num processo de reflexão a respeito daquilo que sabiam com o que receberam, para então formular algo novo. Se o processo dialético foi feito por simples negação, pode acontecer o famoso oito ou oitenta, onde a pessoa aceita ou nega aquilo que veio de fora.
O processo dialético não precisa necessariamente de um agente externo, algumas pessoas fazem esse caminho sozinhas. Elas mesmas, pela maneira como se desenvolveram na vida, precisam da contradição como maneira de desenvolver o seu pensamento. Não é certo, nem errado, bom, nem mau, é apenas uma das formas de se pensar. Há tantas outras com eficácia igual ou maior e também menor do que esta.
Na relação com o outro, seja ele coisa ou pessoa, qualquer processo de conhecimento só acontece na medida em que eu recebo o outro. Alguns filósofos falaram em sair de si como processo de antítese, mas a antítese só acontecerá realmente se eu me abrir para o outro, é ele quem me trará o diferente, e não eu. Como em Heráclito, só me darei conta de que não me banho duas vezes no mesmo rio se eu deixar que o rio passe por mim e não eu por ele.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

InterseçãoInterseção

Em Filosofia Clínica a palavra Interseção designa o contato entre duas pessoas, assim como na matemática Intersecção ou Interseção refere-se aos elementos compartilhados por dois conjuntos. O contato matemático é definido por aquilo que os conjuntos compartilham entre si. Em Filosofia Clínica, esse conceito tem ainda outro desdobramento: a definição da qualidade desse contato. Em outras palavras, para um filósofo clínico, ao observar o contato entre duas pessoas ele presta atenção no que é partilhado no contato e ainda na qualidade desse contato. Sendo assim, uma Interseção pode ser positiva, negativa, confusa ou indeterminada.
O programa Super Nanny que passa na TV aberta mostra a interseção entre os pais e os filhos. A relação exposta no início do programa geralmente mostra filhos dos quais os pais não “dão mais conta”. Crianças extremamente desobedientes, boa parte das mesmas agressivas com os pais e os irmãos, geralmente usando de agressão para conseguirem o que desejam. Quando suas vontades são supridas, as crianças se acalmam até que venham a ter uma nova necessidade que deverá ser satisfeita pelos pais. Em outras palavras, a interseção com os pais é positiva para a criança enquanto ela consegue o que quer, caso contrário a interseção fica extremamente negativa.
Referente a um outro artigo chamado de “Arapuca”, onde eu falava dos pais que se tornaram reféns das necessidades dos seus filhos, recebi um comentário no qual uma pessoa disse mais ou menos assim: “Os filhos não vêm com manuais de instrução, não sabemos como eles vão receber o que damos”. O parágrafo acima praticamente responde esta questão: os filhos aprendem inclusive a receber com seus pais. Então, quando um pai entrega algo a um filho, e o dá como sendo algo sem valor como espera ele que o filho aprenda a valorizar? Pode até ser que aprenda na escola, com um vizinho, mas com certeza não aprenderá em casa. O programa Super Nanny é claro ao mostrar que desde muito cedo a criança deve aprender que ela tem direitos, mas também muito deveres e o que ganha é mérito seu.
A interseção pode ser de grande ajuda na hora da educação, uma criança que tem interseção positiva com a mãe, com o pai talvez seja mais facilmente ensinada. Diferente daquela criança que vive uma interseção confusa em que hora recebe agrados, pouco depois xingões, sem nem mesmo saber o que houve. É necessário que o pai ou a mãe sente-se junto e mostre o motivo pelo qual a qualidade da interseção ficou ruim. Aponte para a criança que quebrar os brinquedos deixa o pai e a mãe triste, mostre a ela, de um jeito que ela entenda, que deve ser diferente. Promover uma atitude consciente na relação da criança com os pais e dela com os objetos é um bom caminho para a educação.
Em muitos casos pais e filhos chegam na escola e não tem a menor ideia de como está a sua interseção. São interseções de qualidade indeterminada, nem boa, nem ruim, mas também não é confusa, é uma interseção onde a criança não sabe o que esperar do pai ou da mãe. Muitos destes casos vêm de pais que de alguma maneira não estão bem e deixam as crianças a ver navios, sob a tutela de empregados, avós. Nem sempre a interseção positiva é recomendável, algumas vezes punir o filho pode ser extremamente negativo para a interseção, mas positivo enquanto educação. Como disse Pitágoras: “Eduquem as crianças e não será necessário punir os homens”.

Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Método X Dogma

Durante toda a Idade Média a Igreja era a grande detentora da verdade, era ela quem determinava quais eram os conhecimentos considerados verdadeiros, assim como os falsos. Naquela época qualquer filósofo, cientista ou pensador que resolvesse propor uma verdade diferente da publicada pela Igreja estava em apuros. A estas verdades propostas pela Igreja chamamos de dogma. Muitos pensadores tiveram que se retratar dizendo que estavam errados e outros, com menos sorte, foram queimados vivos, enforcados, etc. Isso acontecia porque qualquer verdade diferente daquela publicada pela Igreja era considerada uma heresia, ou seja, uma ofensa contra a mesma. Depois desse período veio o Renascimento onde muitos artistas, filósofos, cientistas começaram a gritar a livres pulmões novas verdades, agora não mais sob a tutela da igreja. O problema que se instalou na época não era mais a liberdade de expressão, mas o quanto se poderia considerar verdade o que era dito.
Com esta preocupação vieram muitos filósofos que retomaram os gregos e foram muito além do que eles já haviam produzido. Durante a Idade Média o critério de verdade era a ligação com Deus, só podiam ser verdadeiras as verdades que Deus comunicasse aos escolhidos. Já no Renascimento e depois durante o Iluminismo nasceram vários métodos que tentaram dar ao conhecimento uma infalibilidade. Para ilustrar alguns métodos desenvolvidos naquele período pode-se citar René Descartes e John Locke.
Para René Descartes a verdade só era possível se seguíssemos o caminho da razão, para ele todo conhecimento antes de ser considerado verdadeiro deveria passar pelo crivo da dúvida. O filósofo levou tão longe sua dúvida metódica que chegou a entender que apenas por pensar é que se pode provar a existência e disso derivariam todas as verdades.
John Locke seguiu outro caminho, uniu as sensações com o pensamento. Para ele o caminho para se chegar a verdade deveria combinar o sentir com o pensar. Deste modo, o que estivesse no ambiente deveria ser recebido corretamente para que o pensamento não fosse enganado e pudesse processar corretamente as informações. Com Descartes temos a escola filosófica chamada de racionalismo e com John Locke temos a escola dos empiristas. Cada uma destas escolas trouxe colaborações inestimáveis para praticamente todos os ramos do conhecimento.
Até o momento há a ilustração prática de dogma, de racionalismo e empirismo. Até mesmo os dogmas, que são verdades existentes antes mesmo da experiência podem ser entendidos como método. O método é um caminho através do qual saio de um ponto e me desloco até outro, já o dogma vai direto ao fim do caminho sem ter que percorrê-lo. A diferença entre dogma e método está na maneira pela qual se considera algo verdadeiro ou falso, como se pode perceber até aqui.
Em Filosofia, muitos pensadores já foram e ainda são tomados como dogma. Pensadores como Platão são idolatrados e se entende tudo o que eles disseram como uma verdade. Pessoas que pegam um pensamento cristalizado e o assumem podem ser consideradas dogmáticas. Já as que pegam o pensamento de um outro autor, pensam sobre o mesmo, criticam e aproveitam somente aquilo que considerarem verdadeiro, essas são metódicas.
Em Filosofia Clínica, temos um método, um caminho para ser chegar a uma verdade, ao conhecimento. Mas, cada método tem suas falhas, suas fraquezas, como qualquer ferramenta de uma oficina. Algumas ferramentas são mais versáteis, mas ainda assim não fazem tudo. O que temos em Filosofia Clínica é um método para se conhecer uma pessoa e não uma verdade sobre um método.

Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014


Personagem

Eu sou...” Depois desse “Eu” geralmente vem uma definição que pode denunciar mais ou menos o que a pessoa tem de si mesma. Algumas pessoas ainda dizem no lugar da palavra “Eu”: as pessoas, a gente, nós, etc. São pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa, ou seja, de forma indireta definem a si mesmos. Essas definições em maior ou menor grau interferem na maneira como a pessoa conduz sua própria existência. Quando o que uma pessoa acha de si mesma se liga a um personagem existencial que ela exerce pode-se dizer que ela se identifica naquilo que faz. Um exemplo disso são profissionais como advogados ou médicos que exigem que as pessoas se dirijam a eles como Dr. Fulano, ou seja, o Dr. define a pessoa. O mesmo acontece com os professores, que mesmo em uma rodinha de conversa no fim de semana são “professores fulanos”.

A ligação entre os papeis que a pessoa vive e o que ela acha de si mesma em alguns casos acaba soldando e ela passa a ser o papel que exerce. O que ela acha dela mesma passa a estar intimamente vinculada à sua atividade. É o caso do político que é sempre político, até mesmo quando está com a esposa em casa não deixa de ser. Vai ao bar conversar com os amigos e continua sendo político, ou seja, por mais que mudem os lugares, as pessoas, os contextos, ainda assim ele será político. O problema é que em alguns casos a vida política termina e quando isso acontece a vida da pessoa também chega ao fim. Isso acontece porque ao chegar ao fim o papel existencial de político também chega ao fim o que ele acha dele mesmo. Em casos extremos a pessoa termina com a própria vida porque terminou a vida do personagem que vivia.

O eu está indexado ao personagem, colado, mas como desgrudar, caso isso seja necessário? Para descolar e voltar a ser ou exercer os mais diversos personagens existem vários caminhos. Um dos caminhos mais simples pode ser a partir da localização existencial, quando se está em casa com a esposa o personagem é o esposo. Quando está na fábrica com os colaboradores é o gerente, diretor, enfim, o lugar pode servir de referências para os predicados que orientam as práticas do personagem. Aos poucos, ao prestar atenção ao lugar que está o “Eu” começa a perceber quais são as práticas que tem a ver com o personagem que deve exercer. Um exemplo são os pais que, quando saem de casa e encontram o filho gerenciando a fábrica da qual são diretores lá se comportam como diretores e exigem do filho uma postura de gerente. 

Outra forma de descolar o personagem do “Eu” é pelas pessoas com as quais se está em contato. Quando estou com minha esposa em casa sou marido, devo me comportar como marido, mas como saber quais são as práticas do marido? Se ele é marido, é provável que exista uma esposa e esta pode conduzir a construção desse novo personagem, o marido. O mesmo pode acontecer no restante dos papeis, eu posso aprender a ser amigo, irmão, filho, neto. Não há nada de errado em ter um único personagem, mas corre-se o risco de, ao terminar a vida deste personagem, terminar a vida da pessoa por detrás dele.

A construção do Eu pode passar por um ou mais personagens que exercemos, mas legar todo o meu “Eu” em apenas um personagem é perder o carinho que só se recebe como filho. É perder os méritos que se tem como marido, de sustentar, amar, cuidar de uma família. Pode ser também deixar de aproveitar as pequenas e grandes farras que se faz só com os amigos. Viver os mais diversos papeis pode ser tornar colorida uma vida vivida em preto e branco.

Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014




Alegoria da Caverna

Este é um vídeo que conta de maneira ilustrada o famoso Mito da Caverna. Aos que apreciam ler o mito, segue o texto retirado do livro A República de Platão.


A alegoria da caverna – A República (514a-517c)

Sócrates: Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que ela recebeu ou não, de acordo com o quadro que vou fazer. Imagine, pois, homens que vivem em uma orada subterrânea em forma de caverna. A entrada se abre para a luz em toda a largura da fachada. Os homens estão no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagine que esse caminho é cortado por um pequeno muro, semelhante ao tapume que os exibidores de marionetes dispõem entre eles e o público, acima do qual manobram as marionetes e

apresentam o espetáculo.

Glauco: Entendo

Sócrates: Então, ao longo desse pequeno muro, imagine homens que carregam todo o tipo de objetos fabricados, ultrapassando a altura do muro; estátuas de homens, figuras de animais, de pedra, madeira ou qualquer outro material. Provavelmente, entre os carregadores que desfilam ao longo do muro, alguns falam, outros se calam.

Glauco: Estranha descrição e estranhos prisioneiros!

Sócrates: Eles são semelhantes a nós. Primeiro, você pensa que, na situação deles, eles tenham visto algo mais do que as sombras de si mesmos e dos vizinhos que o fogo projeta na parede da caverna à sua frente?

Glauco: Como isso seria possível, se durante toda a vida eles estão condenados a ficar com a cabeça imóvel?

Sócrates: Não acontece o mesmo com os objetos que desfilam?

Glauco: É claro.

Sócrates: Então, se eles pudessem conversar, não acha que, nomeando as sombras que vêem, pensariam nomear seres reais?Glauco: Evidentemente.Sócrates: E se, além disso, houvesse um eco vindo da parede diante deles, quando um dos que passam ao longo do pequeno muro falasse, não acha que eles tomariam essa voz pela da sombra que desfila à sua frente?

Glauco: Sim, por Zeus.

Sócrates: Assim sendo, os homens que estão nessas condições não poderiam considerar nada como verdadeiro, a não ser as sombras dos objetos fabricados.

Glauco: Não poderia ser de outra forma.

Sócrates: Veja agora o que aconteceria se eles fossem libertados de suas correntes e curados e sua desrazão. Tudo não aconteceria naturalmente como vou dizer? Se um desses homens fosse solto, forçado subitamente a levantar-se, a virar a cabeça, a andar, a olhar para o lado da luz, todos esses movimentos o fariam sofrer; ele ficaria ofuscado e não poderia distinguir os objetos, dos quais via apenas as sombras anteriormente. Na sua opinião, o que ele poderia responder se lhe dissessem que, antes, ele só via coisas sem consistência, que agora ele está mais perto da realidade, voltado para objetos mais reais, e que está vendo melhor? O que ele responderia se lhe designassem cada um dos objetos que desfilam, obrigando-o com perguntas, a dizer o que são? Não acha que ele ficaria embaraçado e que as sombras que ele via antes lhe pareceriam mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?

Glauco: Certamente, elas lhe pareceriam mais verdadeiras.

Sócrates: E se o forçassem a olhar para a própria luz, não achas que os olhos lhe doeriam, que ele viraria as costas e voltaria para as coisas que pode olhar e que as consideraria verdadeiramente mais nítidas do que as coisas que lhe mostram?

Glauco: Sem dúvida alguma.

Sócrates: E se o tirarem de lá à força, se o fizessem subir o íngreme caminho montanhoso, se não o largassem até arrastá-lo para a luz do sol, ele não sofreria e se irritaria ao ser assim empurrado para fora? E, chegando à luz, com os olhos ofuscados pelo brilho, não seria capaz de ver nenhum desses objetos, que nós afirmamos agora serem verdadeiros.

Glauco: Ele não poderá vê-los, pelo menos nos primeiros momentos.

Sócrates: É preciso que ele se habitue, para que possa ver as coisas do alto. Primeiro, ele distinguirá mais facilmente as sombras, depois, as imagens dos homens e dos outros objetos refletidas na água, depois os próprios objetos. Em segundo lugar, durante a noite, ele poderá contemplar as constelações e o próprio céu, e voltar o olhar para a luz dos astros e da lua mais facilmente que durante o dia para o sol e para a luz do sol.

Glauco: Sem dúvida.

Sócrates: Finalmente, ele poderá contemplar o sol, não o seu reflexo nas águas ou em outra superfície lisa, mas o próprio sol, no lugar do sol, o sol tal como é.

Glauco: Certamente.

Sócrates: Depois disso, poderá raciocinar a respeito do sol, concluir que é ele que produz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível, e que é, de algum modo a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.

Glauco: É indubitável que ele chegará a essa conclusão.

Sócrates: Nesse momento, se ele se lembrar de sua primeira morada, da ciência que ali se possuía e de seus antigos companheiros, não acha que ficaria feliz com a mudança e teria pena deles?

Glauco: Claro que sim.

Sócrates: Quanto às honras e louvores que eles se atribuíam mutuamente outrora, quanto às recompensas concedidas àquele que fosse dotado de uma visão mais aguda para discernir a passagem das sombras na parede e de uma memória mais fiel para se lembrar com exatidão daquelas que precedem certas outras ou que lhes sucedem, as que vêm juntas, e que, por isso mesmo, era o mais hábil para conjeturar a que viria depois, acha que nosso homem teria inveja dele, que as honras e a confiança assim adquiridas entre os companheiros lhe dariam inveja? Ele não pensaria antes, como o herói de Homero, que mais vale “viver como escravo de um lavrador” e suportar qualquer provação do que voltar à visão ilusória da caverna e viver como se vive lá?

Glauco: Concordo com você. Ele aceitaria qualquer provação para não viver como se vive lá.

Sócrates: Reflita ainda nisto: suponha que esse homem volte à caverna e retome o seu antigo lugar. Desta vez, não seria pelas trevas que ele teria os olhos ofuscados, ao vir diretamente do sol?

Glauco: Naturalmente.

Sócrates: E se ele tivesse que emitir de novo um juízo sobre as sombras e entrar em competição com os prisioneiros que continuaram acorrentados, enquanto sua vista ainda está confusa, seus olhos ainda não se recompuseram, enquanto lhe deram um tempo curto demais para acostumar-se com a escuridão, ele não ficaria ridículo? Os prisioneiros não diriam que, depois de ter ido até o alto, voltou com a vista perdida, que não vale mesmo a pena subir até lá? E se alguém tentasse retirar os seus laços, fazê-los subir, você acredita que, se pudessem agarrá-lo e executá-lo, não o matariam?

Glauco: Sem dúvida alguma, eles o matariam.

Sócrates: E agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar exatamente essa alegoria ao que dissemos anteriormente. Devemos assimilar o mundo que apreendemos pela vista à estada na prisão, a luz do fogo que ilumina a caverna à ação do sol. Quanto à subida e à contemplação do que há no alto, considera que se trata da ascensão da alma até o lugar inteligível, e não te enganarás sobre minha esperança, já que desejas conhecê-la. Deus sabe se há alguma possibilidade de que ela seja fundada sobre a verdade. Em todo o caso eis o que me aparece tal como me aparece; nos últimos limites do mundo inteligível aparece-me a idéia do Bem, que se percebe com dificuldade, mas que não se pode ver sem concluir que ela é a causa de tudo o que há de reto e de belo. No mundo visível, ela gera a luz e o senhor da luz, no mundo inteligível ela própria é a soberana que dispensa a verdade e a inteligência. Acrescento que é preciso vê-la se quer comportar-se com sabedoria, seja na vida privada, seja na vida pública.

Glauco: Tanto quanto sou capaz de compreender-te, concordo contigo.

Referência:

A Alegoria da caverna: A Republica, 514a-517c tradução de Lucy Magalhães. In: MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia: dos Pré-socráticos a Wittgenstein. 2a ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
FLOR DE CEMITÉRIO

Algumas pessoas a cada tempo vão ao cemitério com flores para depositá-las nos túmulos de seus entes queridos. Algumas destas gastam um valor alto nestas flores, justificando que a pessoa querida merece o que tem de melhor. Esse movimento é interessante e mostra que o ser humano que ali está, morreu apenas corporalmente, permanecendo vivo para aqueles que continuam lembrando-se dele. No entanto, algumas pessoas somente visitam um ente querido depois que este faleceu. Quantos filhos pouco visitam seus pais por falta de tempo e quando tem oportunidade, colocam outros compromissos na frente. Mas o dias em que esses pais morrem são quase que cultuados por estes filhos, a memória se fortalece e antigos conteúdos são retomados.

Um paralelo a ser feito com este movimento é como cada pessoa lida com sua própria vida: muitas têm oportunidades diárias de cultivar coisas boas dentro de si, mas o tempo, as necessidades, os interesses, a preguiça impedem. E aí, quando se encontrarem longe demais daqueles conteúdos que tanto lhes faziam bem começarão reclamar que a vida anda um tanto sem sentido. Nada mais natural, assumem as atribuições diárias como se apenas isso fosse sua vida, deixando de vivenciar aquilo que lhe faz bem. Para não ficar tão difícil de entender, basta pensar em pessoas que quando eram mais novas jogavam futebol semanalmente. Com o tempo o futebol foi sendo deixado de lado, substituído por mais um turno de trabalho, por um tempo a mais de dedicação aos filhos, a mulher, ao carro, à casa, etc.. Depois de muito tempo fazendo diariamente as mesmas coisas, vivendo com as mesmas preocupações, a vida parece perder o sentido, não vale a pena viver. Algumas pessoas usam uma expressão interessante: “Eu lutei tanto por isso!” Claramente percebem que dedicaram a vida a perderem-se de si mesmos. Neste momento da vida os comentários começam a ser de lembranças de quando faziam isto e aquilo. Os comentários remontam tempos felizes em que essas pessoas realizavam atividades que tinham tudo a ver com elas: um futebol, uma pescaria, uma noite de carteado, a simples atitude de ir até o pomar, apanhar uma laranja no pé e se deliciar. É visível a reconstrução destes belos momentos como uma boa parte da vida que passou. Vêem o passado como algo enterrado e bem marcado, algo que está lá como referência para que possam de vez em quando depositarem flores. Bons momentos merecem ser repetidos, mas não só bons momentos. Podem-se repetir boas emoções, boas sensações, boas ideias, tudo o que for bom e causar um bem estar subjetivo deveria ser repetido.

É fácil olhar para algumas pessoas e verificar que estas vivem à sombra de apenas boas recordações. Mas, como fazer para ajudá-las? Para ficar um pouco mais fácil de fazer com que a vida ganhe sentido outra vez e deixe de ser apenas memória pode-se indicar um caminho. Você pode parar e pedir para a pessoa pensar numa boa lembrança, como o início de um namoro. Tempo em que tanto um quanto o outro ficavam felizes só de ouvir a voz no telefone perguntando se está tudo bem. Ver a alegria nos olhos da namorada ao presenteá-la com um ramalhete de flores, ir às nuvens só de dar um cheirinho e sentir o perfume do outro. Recuperar o que for possível de recuperar antes que o máximo seja apenas lembrar.

Quanto tempo faz que você não olha mais para a mulher ou o homem por quem se apaixonou e diz: “Eu te amo!” Não aquele “eu te amo” de canto de boca e resmungado. Aquele “eu te amo” grande, alto, pomposo! Quanto tempo faz que você não fica no colo alisando os cabelos dela enquanto apenas aproveitam a companhia um do outro? Quanto tempo faz que você não visita aquele velho amigo que gosta de bater um bom papo? A cada pequena atitude que tomar no sentido de retomar aquilo que era seu, você deixará de ter uma vida instrumental e mecânica. Para não depositar flores com a dor de quem perdeu, aproveite bem cada momento transformando sentimentos de perda em sentimentos de gratidão.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Santo Agostinho

Com direção de Rosselini, Santo Agostinho (Agostino d’Ippona), 1972, é um dos últimos trabalhos do cineasta. O filme é uma cinebiografia de Agostinho de Hipona (354-430), um dos grandes nomes do Cristianismo e um dos célebres filósofos da Humanidade. Este é mais um dos brilhantes trabalhos do consagrado cineasta, o retrato biográfico da vida de Santo Agostinho de Hipona.