Encontro Nacional

Encontro Nacional

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Tudo de novo!

Em minhas consultas como Filósofo Clínico, já ouvi algumas pessoas usarem a expressão: “Tempo bom que não volta mais!” Estas pessoas usaram esta expressão para denotar a falta de algo que ficou no passado e não pode mais ser recuperado. Existem ainda aquelas que dizem: “Não sei onde deixei meus sonhos, em algum lugar pelo caminho, mas não sei onde”. Outras pessoas pedem: “Gostaria de retomar quem eu era, uma pessoa alegre, extrovertida, que via o mundo como um grande desafio”. Palavras como estas e muitas outras denotam que estas pessoas têm um ponto, algo que dizem ter perdido, ou que apenas lhes resta alguns dados. Quando pessoas que têm este tipo de queixa vêm ao consultório, uma das coisas que pode-se fazer por elas é a reconstrução.
Reconstrução é um procedimento simples, muitas pessoas fazem isso instintivamente e nem se dão por conta. Como aquelas que se sentam no num café pela manhã e ao ver uma criança com a bola na mão começam a dizer: ”No meu tempo a bola era totalmente diferente, as roupas, até mesmo o campinho em que essa garotada joga é totalmente diferente do nosso”. Cada um dos aspectos que ela descrever a partir da imagem do menino com a bola na mão é uma reconstrução. Outro exemplo para ilustrar a questão é o marido que se senta ao lado da esposa e ao pegar a taça de vinho lembra de quando os dois eram namorados. A partir dessa lembrança, ambos começam a acrescentar dados até que a memória seja tão forte que não precisem mais ajudar um ao outro, a memória estará viva na cabeça de cada um. O importante é perceber que se parte de um pequeno ponto, uma fração e se vai em direção às questões circunvizinhas. Como em um quebra cabeça, onde partimos de uma pequena peça. Talvez no início seja difícil, mas depois de certo tempo fica fácil pois temos claramente a figura as cores, contextos.
Agora que o conceito ficou claro é possível verificar algumas questões ligadas ao processo de reconstrução, como os conteúdos que reconstruímos. De milhares de exemplos que poderiam ser dados, os exemplos ligados aos casamentos são os que mais me chamam atenção, assim como os das empresas. Algumas pessoas quando fazem a reconstrução de alguma coisa, são tão bons no que fazem que reconstroem exatamente como era, até com os mesmos defeitos. Como aquele homem que se separa da esposa devido à sua falta de atenção com a companheira, falta de fidelidade e compromisso exagerado com o trabalho. Lá, em certo ponto da vida a esposa pede o divórcio, ele se diz arrependido e quer começar de novo, quer reconstruir a vida. Em algum tempo encontra outra companheira e começa a reconstrução de sua vida a dois, em poucos meses está tudo de pé outra vez. No entanto, tão bem reconstruído que ele refaz os mesmos comportamentos com essa nova companheira, que o leva a uma nova separação e assim por diante. Outro lugar muito comum de reconstruções mal feitas são nas empresas, espaços onde alguns reconstroem sempre e exatamente o mesmo modelo. Enquanto ele funcionar, tudo bem, mas quando ele começa a falhar, provavelmente falhará em todos os lugares, uma vez que é sempre igual.
Mas onde vamos conseguir os dados para fazer uma reconstrução, onde estará o material necessário para refazermos o que não existe mais? A fonte de materiais para a reconstrução é a história de cada um, é lá onde encontramos os elementos que faziam parte daquela memória perdida. Assim, é importante que saibamos colocar os dados de uma reconstrução de acordo com a estrutura da pessoa. Usando uma analogia, se não levarmos em conta a história da pessoa é como se, ao reformarmos uma casa colocássemos mais peso do que a estrutura agüenta. Provavelmente ela irá ruir.  O alerta é para que, ao fazer o processo de reconstrução, procuremos coisas boas a serem reconstruídas, refeitas. Leia mais em www.filosofiaclinicasc.com.br

Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Trocando as palavras

Nos dias de hoje, é comum ouvir a palavra colaborador para designar os funcionários de uma empresa. Essa nova palavra é utilizada como forma de ressignificar a posição do trabalhador na organização. Porém, em muitas organizações existe a simples troca das palavras operário, funcionário, peão, empregado, pela palavra colaborador. O próprio funcionário sequer tem a ideia do que vem a ser um colaborador e qual o motivo de ser chamado assim num lugar onde recebe ordens e não pedidos. Ser colaborador é ser co-autor, cúmplice do que está acontecendo e não um marionete que é utilizado de qualquer forma. Trocar o nome não necessariamente troca a forma como o objeto é tratado. Tentando desfazer alguns equívocos pode-se pensar em três palavras: sintoma, problema e oportunidade.
Pense no seu trabalho, na própria vida, quantas oportunidades se têm ao longo da vida, assim também como uma grande quantidade de problemas? Não é, no entanto, fácil assim identificar um problema, visto que a maior parte do tempo se lida com sintomas. Um exemplo são os pequenos males como: dor de cabeça, enxaqueca, insônia, gastrite, afta, entre outros. Esses pequenos sintomas são alterações na normalidade física, sendo que essas alterações indicam que algo está errado, a alteração pode ser apenas um sintoma. Mas muitas pessoas sequer se questionam o motivo da insônia, deste modo, tomam comprimidos para dormir e tocam a vida adiante. Em outras palavras, tratam o sintoma e sequer se aproximam do problema que poderiam resolver.
Algumas pessoas não se satisfazem com os sintomas, elas vão em busca do real problema, ou seja, daquilo que precisa ser tratado. Para tanto pensam na própria vida, vão ao médico, vão ao terapeuta, enfim, buscam encontrar o que merece ser tratado para eliminar os sintomas. Algumas ao longo da caminhada percebem que sua insônia é causada pela pressão no trabalho, sendo assim, não adianta tomar medicamento se não melhorar o ambiente de trabalho. Outras ainda percebem que sua gastrite é o medo de não dar o resultado esperado, assim, tomar medicamento para aliviar a dor ajuda, mas não resolve o medo de não dar resultado. Sair do sintoma e encontrar o real problema é um passo importante para se chegar nas oportunidades.
Um problema é uma dificuldade que se tem para cumprir determinado objetivo, ou seja, sdeseja-se algo e não se consegue, aí se encontra problema. De uma forma mais abrangente, qualquer dificuldade pode ser entendida como um problema. Mas, um problema é algo prático, pontual e não necessariamente é uma oportunidade. Quando o motor do carro estraga e tenho que levá-lo à oficina tenho um problema e não uma oportunidade. Trocar uma palavra por outra não muda o fato de que é necessário resolver o problema do carro. Mas como converter esse problema que precisa ser resolvido em oportunidade? Não mudar uma palavra por outra, mas de fato, criar uma oportunidade de um problema.
Em outras palavras, problema se resolve, oportunidade se aproveita. Para uns o dia de levar o carro na oficina pode ser transformado em oportunidade quando ele percebe que neste dia ele pode melhorar seu casamento, fazendo da ida à oficina um momento favorável para levar a esposa para caminhar. Ou pode conversar com o mecânico e talvez fazer um bom negócio com esse carro. O exame atento do problema pode revelar uma possibilidade de fazer melhor, diferente, um problema pode ser uma ocasião favorável. O sintoma continua sintoma, problema continua problema, mas a oportunidade somente alguns conseguem ver. E o colaborador continuará sendo um funcionário que segue ordens, a menos que a ele sejam realmente dadas oportunidades de participar efetivamente das decisões da empresa. 

Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Transitório

Em alguns anos de terapia comecei a perceber que algumas pessoas são afligidas por um pequeno problema: a passagem das coisas. Uso a palavra coisas porque tudo o que está ao redor destas pessoas não pára, não permanece exatamente como está, inclusive elas mesmas. Este pequeno problema começa a aparecer quando estas pessoas começam a pensar em sua vida como uma linha do tempo, deixam de olhar a vida como experiências isoladas e passam a perceber o contínuo. Ao perceber a transitoriedade descobrem que estão sujeitas também às mudanças e em cada caso existem mudanças que assustam mais. Para algumas pessoas o que as assusta é a possibilidade que a passagem do tempo possa levar as pessoas que elas amam, pai, mãe, irmão, marido, filhos, etc. Outras pessoas têm medo de perder sua aparência física , são devotos do próprio corpo, passam horas ao dia cultivando a beleza que temem perder. Um último exemplo são as pessoas que veem na passagem do tempo o problema de terem de mudar, se adaptar, renovar, ou seja, para elas o ideal é que as coisas continuassem sempre assim, pois estavam boas do jeito que estavam.  
Estas pessoas que se assustam com a passagem do tempo, em boa parte, estão agarradas a algo que têm medo de perder com o passar dos dias. Não percebem que a vida acontece no agora, que tudo o que está a sua volta faz parte da vida como transitoriedade, ou seja, são coisas que estão de passagem, inclusive elas mesmas. Essa transitoriedade remete a um conceito simples: participação, ou seja, tudo quanto faz parte de minha vida agora, participa de minha vida agora. Hoje você tem um carro modelo X, ano X, valor X, mas daqui há algum tempo compra outro e este deixa de participar de sua vida. Uso o carro como um primeiro exemplo desta participação porque é um bem do qual muitas pessoas se desfazem com certa facilidade. Mas uma casa também pode servir de exemplo, a casa ou apartamento no qual você vive participa de muitas coisas. É interessante perceber que tudo o quanto pode ser vivido está apenas de passagem, elas participa de sua vida e você participa destas coisas, mas apenas momentaneamente. Mesmo as coisas que estão há muito tempo com você também estão de passagem, apenas têm um tempo de passagem maior que outras.
Quanto for possível perceber que tudo participa de nossa vida e nós participamos destas coisas se tornará possível escolher quando e quanto participar. Se você percebe, por exemplo, que seu marido está de passagem em sua vida, a participação dele pode ser muito melhor aproveitada. O mesmo pode acontecer com ele em relação a você, ele pode querer participar muito mais de você. Pense em sua casa, o quanto você participa daquilo que dispõe? Há muitos dos casos em que a mulher ou o marido compram objetos e os guardam, estes objetos acabam não participando de suas vidas de fato, estão ali, deixados de lado. A participação lembra que é possível viver ao máximo um fim de semana na praia, porque ele passa, mas eu posso participar dele ou ficar chateado porque ele vai passar.
A noção estática da vida faz com que boa parte das pessoas pare no tempo, deixe de se atualizar, deixe de se melhorar. Por incrível que pareça, algumas pessoas deixam de participar da própria vida. Participar das coisas que estão ao nosso redor e permitir que elas participem de nossa vida é uma das maneiras de viver o agora, tanto com vinte quanto com cinqüenta anos de idade. Em cada etapa a participação é diferente, não melhor nem pior, apenas diferente.

Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Transição

Uma caminhada começa com o primeiro passo, diz um velho ditado. No consultório e na vida, encontramos muitas pessoas com objetivos, no entanto, para muitas delas o objetivo não é casa, carro, filhos. Para muitos o lugar onde desejam chegar chama-se perdão, para outros amor, para outros felicidade. Aqui coloco três exemplos, que poderiam ser muitos outros, a ideia é fazer entender que o que algumas pessoas desejam na vida é um estado de espírito. E, assim como ter um carro, uma casa, filhos, ou qualquer outro desejo, estes também precisam ser cultivados e encaminhados. Mas muitos não têm a menor ideia de como se pode caminhar em direção à felicidade, ao perdão, ao amor.
O caminho depende de cada caminhante e seus objetivos, por isso para muitos é tão difícil chegar aonde desejam, primeiro porque não se conhecem e depois por não saberem onde querem chegar. Ilustro isso com uma frase que se diz muito: “A gente só dá valor quando perde”. Isso mostra que esta pessoa estava todo o tempo com tudo aquilo que tinha valor e jogou fora. O que a pessoa queria ou dava valor já estava com ela todo o tempo e ela não sabia até perder. Perceba que nem ela sabia o que realmente queria até perder. Isso acontece com o amor, com a felicidade. Muitas pessoas desejam muito a felicidade, mas nem sequer pensaram se já não estão vivendo este momento.
Quando se deseja algo, seria interessante ver o que é este algo e não colocá-lo como um conceito vazio. Veja, você me diz que quer ser feliz, eu lhe pergunto “o que seria isso”? Digamos que você diga que não sabe ao certo, mas saberá quando chegar à felicidade. Não sei, mas não me parece muito seguro de que você saberá quando chegar. Muitos seguiram falsos profetas, pois achavam que saberiam quando o Messias fosse chegar. Ainda hoje muitos seguem falsas luzes com a impressão de que estão caminhando em direção da verdade. Se você quer amor, pense, o que seria este amor? Como seria? Pode ser que não seja exatamente como você pensou, mas, ao menos, agora se tem uma medida do que pode ser o amor.
Depois que o objetivo de vida estiver à frente, fica um tanto mais fácil ou difícil chegar até ele, depende de cada um. Para muitas pessoas o que estou dizendo é uma grande bobagem, primeiro porque não buscam, depois porque não se preocupam com o local onde vão chegar. Mas, para as pessoas às quais isso importa, é necessário colocar os objetivos e saber qual é o melhor caminho a se trilhar.
Quando alguém deseja perdoar, sabe o que é isso, como faz para chegar lá? Não se pode partir da dor, da mágoa e ir direto para o perdão, ao menos não é recomendável. Pode-se trilhar um caminho com estágios que levem da dura dor de ser ferido até se chegar ao perdão. Os passos que cada um vai seguir depende de si, por isso coloquei que o caminho depende do caminhante. Se para uma pessoa o caminho para o perdão passa pela distância, indiferença, esquecimento, enfim, o perdão propriamente dito, será necessário fazer todo esse caminho. Primeiro a pessoa precisará ficar longe de quem a magoou, depois ficar indiferente e por último esquecer, somente ai acontecerá o perdão. Lembro que este é o caminho desta pessoa, para qualquer outra será totalmente diferente.
A sugestão é galgar um degrau por vez, saltar direto da dor para o perdão é muito intenso, forte, na maioria dos casos. O risco que se corre é de que seja uma coisa de momento, que o perdão seja apenas palavras jogadas ao vento. O mesmo acontece com a felicidade: não se tem como sair de uma profunda tristeza direto para a alegria, é necessário avançar lentamente.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

“Torna-te o que és”

Ao trabalhar o tema “identidade” com meus alunos do ensino fundamental, deparei-me, no material didático, com a citação de Maria Helena Pires Martins, a qual afirma que o ser humano é o único ser que precisa aprender a ser humano.
De acordo com a autora, o ser humano é o único ser que vem ao mundo indeterminado e precisa determinar a si próprio. Ainda sobre a identidade há um aspecto interessante a se trabalhar, ou seja, quem você pensa que é e quem você é na realidade. Dois filósofos usaram uma frase interessante mostrando, desde muito tempo, o entendimento de que o ser humano é movimento e que falar em natureza humana é um erro. Píndaro, filósofo do século V a.C. e Nietzsche século XIX disseram: “Torna-te o que és”. Esta pequena frase reflete uma realidade muitas vezes constatada em consultório, de pessoas que passaram sua história acreditando ser pessoas que não são. E algumas vezes são tão diferentes que se tornam irreconhecíveis a si mesmas dependendo do espelho que usam para se ver.
O que você acha de você mesmo é uma ideia, uma abstração que se forma ao longo de sua história de vida. Essa ideia dependerá de muitos fatores, como o tempo histórico, lugar, as circunstâncias, relações e tantos outros fatores. O ser de cada um enquanto ideia é considerado em si mesmo como verdadeiro, uma vez que é apenas uma ideia, ou um conceito a respeito de si mesmo. Neste conceito estão contidos o que penso, sinto, intuo, elaboro a respeito de quem fui, sou ou serei. Este conceito é singular, uma vez que é ou está somente comigo, não há como ser compartilhado de forma prática por ser apenas uma ideia.
O que acontece é que muitas vezes a ideia de quem você é não coincide com a ideia que os outros têm de você. Assim, enquanto abstração, os concieitos que você tem de você mesmo não tem impactos sociais, mas quando a prática diária acontece e entra em contato com os outros, aí sim, os outros estão formando uma ideia de quem você é. Sensorialmente, ou seja, sua presença física e prática com os outros é que dá a estes a oportunidade de saber quem você é. E isso se dará não pelo discurso, mas pela prática e é neste momento que podem começar os problemas, angustias, chateações. Pois, na sua ideia você é uma pessoa e na prática outra, como isso acontece?
Isso acontece porque muitas vezes as abstrações, ou seja, tudo aquilo que tem em suas ideias vai para a realidade de forma diferente. Um bom exemplo destes casos é a vez em que se apaixonou por aquela menina da escola, pensou centenas de vezes no que ia dizer para ela e quando tentou fazê-lo na prática ...
É bem claro que o pensamento tem um rompimento com a prática, algumas pessoas percebem e tentam trabalhar esta questão, mas muitas pessoas não veem que suas ideias não coincidem com sua prática.
Essa não coincidência é chamada em Filosofia Clínica de equivocidade, o termo equícoco é todo termo que tem mais de uma interpretação ou não é compreendido. Quando o que a pessoa acha dela mesma é diferente do que ela é, pode ser o caso de a pessoa ter uma equivocidade ligada ao que ela acha de si mesma. Você pode se achar burro, feio, fraco, pobre, solitário e isso não ser verdade, outras pessoas ao seu redor acusarem isso e mesmo assim não mudar a sua opinião.
“Torna-te o que és” é o anúncio de Píndaro e Nietzsche de que em muitas vezes o que proclamamos a respeito de nós mesmos está muito longe do que somos, tanto para o bem quanto para o mal. Assim como isso é muito importante para algumas pessoas, motivo de terapia inclusive, para outras é algo insignificante.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Todos e Nenhum

Um dos estudos que fazemos em Filosofia Clínica diz respeito a  quantificação das proposições, ou seja, a quanto se refere a proposição que é formulada. Para ilustrar as possibilidades quantitativas das questões vou usar frases de grandes filósofos. O primeiro é Sócrates, com sua célebre frase: “Só sei que nada sei!” Esta pequena frase diz respeito a um indivíduo somente: ele. Por falar somente dele é singular, ou seja, trata de apenas um sujeito. Outro modo de dizer é como George Santayana: “Aqueles que não conseguem lembrar do passado estão condenados a repeti-lo”. Nesta frase, George destaca um grupo de pessoas do todo, tornando sua afirmação válida somente à um grupo de pessoas. Quando essa situação acontece, dizemos que o autor usou uma sentença particular, direcionada apenas ao grupo de pessoas que não conseguem lembrar do passado. Pode se dizer ainda, como na frase de Nietzsche: “O homem precisa daquilo que em si há de pior se pretende alcançar o que nele existe de melhor”. Esta citação não restringe a quantidade de sujeitos à que ela se refere, mas abre para todos. Formulada desta maneira, as frases que não tem a definição de um sujeito singular ou particular, ela é considerada universal.
Só a introdução da conversa com os autores já é bastante interessante e acho prudente afirmar que o que Sócrates, Santayana e Nietzsche disseram é assim para eles. Um filósofo usou um termo singular, outro particular e por fim um universal. Vamos pensar um pouco nos problemas que podem advir das universalizações. Quando estou conversando com uma pessoa e ela me diz que ninguém gosta dela, automaticamente percebo que ela utilizou um termo universal, não restringiu o sujeito. Os mais atentos podem dizer que a menina afirmou isto por força de expressão e que há alguém que gosta dela. Nem sempre é assim, algumas pessoas quando dizem que ninguém as ama, elas acham mesmo que isto é verdade e sofrem muito por isso. Este é um dos tantos casos de generalização que encontro no cotidiano. Pense no seu amigo que diz: “Na minha empresa tudo está dando errado”. Para ele isso realmente pode ser verdade, por mais que você não veja, é assim que a pessoa vê.
Para sabermos se uma pessoa tem tendência a universalizar basta perceber algumas palavras e/ou expressões como “sempre”, “nunca”, “toda vida”, “todos”, “ninguém”, etc. Percebendo o uso deste tipo de expressão ou palavra já é um bom início, mas ela por si só não quer dizer nada. Devemos observar ainda a que conteúdos estas afirmativas se relacionam. Em alguns casos, podem ser com questões ligadas ao mundo. Uma das mais simples é assim: “A natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade deprava-o e torna-o miserável”, segundo a visão de Sartre. Esse exemplo mostra que Sartre usou um termo universal ligado a ideia de homem, é como ele vê o mundo. As universalizações podem se dar de diversas maneiras e, prestando um pouco de atenção a quem convive conosco, podemos entender um pouco melhor o porquê de suas atitudes.

Rosemiro A. Sefstrom
Bom dia aos filósofos clínicos de todo o país, segue um agrado aos colegas que participaram do XVI Encontro Nacional de Filosofia Clínica em Forquilhinha.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Os outros!

“Minha casa é grande, tem um jardim na frente, tem cerca branca, também tem uma árvore no quintal. Mas quando entro nesta casa não me sinto em casa, apenas estou numa casa , é estranho pensar assim de uma casa com a qual gastei tanto para construir. Deveria me sentir bem nela, deveria querer estar nela, mas me sinto estranho, me sentia mais à vontade naquele modesto apartamento que tinha no centro. Era pequeno, perto do boteco, local onde costumava jogar com os amigos, também ficava perto da praça. A cozinha era pequena, mas extremamente aconchegante para aquelas noites a dois. O que houve? Todo mundo gosta destas casas, porque eu não gosto? Será que eu tenho algum problema?” Este é um breve trecho de uma conversa com um amigo gaúcho.
Depois de ouvir este amigo ponderamos sobre os motivos que o levaram a ter esta casa grande e todas as coisas que vieram com ela. De acordo com este amigo, isso se deve ao fato ter se formado em medicina, começado a ganhar um bom dinheiro e os outros lhe dizerem que seu apartamento não era apartamento de médico. Deveria ter uma casa grande, tipo aquelas de filme, com a grama verde e a cerca branca, inclusive sua esposa concordou que, se os outros tinham, talvez fosse o caso de eles terem também. Logo percebi que tudo o que adquiriu foi para satisfazer aos outros e não a si próprio. Justamente por isso sentia-se um estranho dentro da própria casa, a moradia não tinha nada a ver com ele. Mesmo médico, com dinheiro, continuava uma pessoa simples, tinha os gostos e os amigos do tempo da juventude. A casa o afastou dos amigos, afastou-o até mesmo da esposa: a cozinha grande não proporcionou mais aquelas noites que só uma cozinha pequena proporciona.
O caso deste amigo é o caso de boa parte das pessoas: direcionam sua vida de acordo com o que os outros dizem que seria mais apropriado. Quando caminham na direção em que os outros, não se perguntam se estão estavam indo na direção que querem ou que tem a ver consigo. Continuam caminhando e olhando para os lados para saber qual é a referência para o próximo passo. Os outros se tornam a baliza para todas as ações, agem em bando, de maneira irrefletida. Qual foi a última vez em que você fez algo que queria? Digo para a  menina que gosta daquela roupa, sente-se bem, bonita com ela, mas não usa porque os outros vão falar. Digo do menino que conheceu uma menina de família humilde, mas que não leva o relacionamento adiante porque tem vergonha dos outros. Ou ainda, daquele que tinha muita vontade de ser professor, mas não segue a profissão porque os outros recomendam que seja engenheiro.
Sartre uma vez disse  “o inferno são os outros”, e ele sabe muito bem o que é isto. Em certa parte da vida, dada a perseguição que sofreu, teve praticamente que se esconder do mundo para poder continuar vivendo. Os outros podem existir em nossas vidas, mas a recomendação é que sejam apenas uma referência e não uma baliza, uma fita métrica com a qual nos comparar. Os outros, pessoas que não vivem a minha vida, não trabalham o meu trabalho, não criam os meus filhos, o que faz com que possam escolher para onde vai a minha vida? Sou eu quem faz dos outros júri, juiz e carrasco. Não são os outros que me condenam, e sim, eu mesmo, pois sou eu quem os dou o poder.

Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

sexta-feira, 12 de setembro de 2014


Texto Sem Contexto

Na semana passada abri o Facebook para postar o texto da semana e percebi que fui marcado numa imagem. Abri a imagem e junto a ela havia um texto bastante longo que falava sobre as palavras imutáveis da Bíblia, ou seja, que as palavras do texto Bíblico devem ser entendidas à risca. Uma das frases do texto: “Eu tenho um vizinho que insiste em trabalhar aos sábados. Êxodo 35:2 claramente afirma que ele deve ser morto. Eu sou moralmente obrigado a matá-lo eu mesmo ou contrato alguém para fazer a vontade de Deus?” Essa é apenas uma das muitas frases que apontam a literalidade do entendimento bíblico. Cito ainda outro trecho do escrito: “Eu sei que não é permitido ter contato com uma mulher enquanto ela está em seu período de impureza menstrual (Levítico 15:19-24). O problema é: como eu digo isso a minha esposa ? Eu tenho receio que ela se ofenda comigo”. Esse texto me fez refletir sobre princípios básicos que fazem da Filosofia Clínica uma ferramenta tão objetiva.
Uma das bases essenciais para o entendimento de qualquer pessoa para a Filosofia Clínica é a historicidade, ou seja, para os filósofos clínicos todo ser humano é dotado de história. A história é contada pela própria pessoa ao terapeuta que apenas ouve atentamente a construção de uma auto biografia. É claro que ao longo da narrativa alguns dados serão omitidos, outros mentidos, talvez distorcidos, aumentados, mas esta foi a maneira como a pessoa relatou. A história de vida da pessoa faz com que tudo que ela vive hoje ganhe contexto.
O contexto segundo o Dicionário de Filosofia de Abbagnano (...) é o “Conjunto dos elementos que condicionam, de um modo qualquer, o significado de um enunciado”. O contexto pode ser considerado o que em Filosofia Clínica chamamos de Exames Categoriais, ou seja, Assunto, Lugar, Tempo, Relação e Circunstância. Com as categorias, um filósofo pode identificar elementos que ao envolverem o enunciado podem significá-lo, pode dizer de onde aconteceu, em que tempo histórico, quais as relações, suas circunstâncias. Um texto sem contexto não é nada. Usando uma analogia pergunto: Como seria se você andasse de carro de boi? Bom, nada de anormal, mas se perguntasse um pouco melhor: Como seria se você andasse de carro de boi no centro de Criciúma? Isso pode lhe parecer muito estranho, mas é o que acontece com quem toma um assunto fora de seu contexto. O que se deve fazer é atualizar os dados de forma que eles possam se enquadrar nos novos contextos e aí sim ver se os assuntos ainda tem validade ou não.
Voltando ao caso da Bíblia, sem favorecer nenhuma religião, suas verdades são tomadas como imutáveis, ou seja, conteúdos atemporais. Em clínica muitas pessoas fazem o mesmo: pegam conteúdos de suas histórias e os tornam atemporais. Assim acontece quando o pai trata sua filha como uma menina indefesa, não esquecendo que o pai tem por volta de oitenta anos e sua filha cinqüenta. É assim que acontece quando uma mãe olha para um filho como o maior monstro do mundo por ele ter sido uma criança sapeca. Os dados históricos da vida dessas pessoas cristalizaram e com estes dados as suas práticas. Para não cometer o erro de tratar a pessoa com conteúdos caducos, o filósofo clínico precisa, além de fazer o Exame das Categorias, prestar atenção aos dados padrões e aos dados atualizados.
Os dados padrões são aqueles que indicam como normalmente a pessoa funciona, quais são os caminhos rotineiros no seu estado de ser. Já os dados atualizados indicam o que ao longo do tempo vem se transformando ou até mesmo o que mudou de uma semana para outra. Se os pregadores de verdades imutáveis abrissem os olhos aos dados padrões poderiam sim ver que há coisas que não mudam, mas há outras em que há muito não são as mesmas. Aquele pai que olha a filha como uma menina indefesa pode sim olhar para a filha como ela é, mas precisa atualizar dados como tempo, lugar, relação, circunstância. Entender que as práticas do passado estavam rodeadas de elementos que as condicionavam, que davam significados a elas. Se trouxermos as práticas do passado sem atualizarmos os elementos vizinhos elas podem ter um significado muito diferente do que se deseja.
Por fim gostaria de render os méritos do texto bíblico, segundo a postagem do Facebook, a Jodan Campos.

Rosemiro A. Sefstrom

quinta-feira, 11 de setembro de 2014


Terapia de Casal

Das muitas experiências que um consultório lega a um terapeuta, a terapia de casais é, para mim, uma das mais interessantes. Casal, palavra que vem do latim casale ou ainda do latim casalis, quer dizer algo que pertence à casa, podendo também ser interpretado como doméstico. O casal também é tido como a união entre duas pessoas, estes formam um casal, seria então o casal algo próprio da casa, doméstico, assim como a união entre duas pessoas. O sentido que interessa aqui é a união entre duas pessoas, sendo que em muitos casos essa união não é harmoniosa, existem ruídos que prejudicam o bom andamento da relação. Quando os ruídos se tornam mais fortes alguns casais procuram ajuda, procuram uma terceira pessoa que possa mediar a relação. O homem ou a mulher, enfim, o que busca ajuda relata uma série de situações que precisam ser resolvidas para que a relação funcione bem.
No início do trabalho há apenas uma versão da história, um dos lados conta o que está funcionando mal, para ele os problemas são claros. Ao longo do processo, algumas vezes é possível trazer o marido ou a esposa, este ou esta vem contar o outro lado da história e dizer o que para ela(e) não está funcionando bem. Esta é a parte mais interessante, perceber o que, em cada um, é percebido como falho na relação. Até o momento ainda não vi um casal em que os dois concordem com o que causa ruído, cada um aponta questões diferentes como origem dos problemas na relação. A partir dos relatos, e coletados os dados de cada um dos dois é possível perceber que em muitos casos o motivo é o mesmo, mas a maneira como cada um vê é diferente. Isto quer dizer que o problema enfrentado pelo casal é o mesmo, mas cada um sente de maneira diferente e, por isso, relata de maneira diferente o ruído na relação.
Uma mulher, por exemplo, chega no consultório e aponta como problema de sua relação a dificuldade de conversar com o marido, que ele já não lhe escuta mais, não tem mais tempo para ela. Depois de alguma insistência ele vem ao consultório e se abre dizendo que o problema é ela que cobra demais, sempre quer mais, por mais que tenha parece que sempre está faltando alguma coisa. Muitos casais esquecem-se com rapidez como se conheceram, como conviviam nos primeiros anos de casamento, o que lhes fazia feliz juntos. Em muitos casos a solução para o casal é simples: basta recuperar o que foi perdido ao longo do caminho, o diálogo. Em outros casos, como o do casal acima, o auxílio do terapeuta pode estar em apontar para cada um onde está o real ruído, fazendo com que cada um observe a si mesmo no relacionamento.
Assim o marido pode percebe que não está mais dando tanta atenção à esposa porque agora tem filhos, dois para ser mais exato e estes tem a mensalidade da escola. Para pagar as contas ele aumentou o tempo de trabalho na empresa para não faltar dinheiro e dar o necessário à esposa e às crianças. Mas também ele não observa que ela sente sua falta, que precisa de um tempo com ele, não para falar sobre as contas, sobre os filhos, mas para cultivar o relacionamento amoroso. O relacionamento que existia ao longo do tempo foi murchando e se tornando um contrato burocrático entre um mantenedor e uma associação educativa, nem homem e nem mulher existem mais. O homem pode voltar a ver sua mulher, a pessoa com quem ele se casou e conversar, voltar a alimentar a relação e quem sabe eliminar os ruídos.


Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O meu tempo!

Alguns homens nascem e morrem sob o jugo de um cruel senhor, o tempo. Muito antes da revolução industrial o homem encontrava a medida do tempo pelas estações do ano, pelas luas, pelo tempo de preparar a terra e plantar. Algum tempo de depois o ser humano inventa a máquina e da máquina começam as primeiras empresas e das empresas o horário de trabalho, ou seja, uma sequência temporal que tem início meio e fim. A partir de então alguns homens passaram a ser governados por esse senhor, para alguns muito gentil, para outros um carrasco esperando a hora de executar a ordem.
Mas poderíamos pensar sobre a existência do tempo, parece estranho pensar sobre algo que estamos acostumados a respeitar. Alguns filósofos já fizeram este caminho e pensaram a respeito do tempo, elaborando teorias que justificam ou não a existência dele. Kant, um filósofo alemão dizia que o tempo não existe e para provar sua teoria dizia que o tempo é uma questão de adaptação da nossa mente à forma como o corpo recebe às informações do meio. Para ficar mais claro, se ando pela calçada e vejo um pombo comendo milho e ele levanta vôo, para os meus sentidos houve um deslocamento, movimento. Existem ainda outros, como Mctaggart que postula que a sucessão temporal é impossível, uma vez que não temos como apreender algo que vai além da sequência das coisas. Para ele existe somente o antes e o depois de alguma coisa.
Só que as evidências tanto de Kant e Mctaggart são contrariadas por vários outros filósofos que tentaram “resolver” o problema do tempo. Para deixar uma solução proposta, podemos colocar as evidências dos sentidos, ou seja, uma evidência objetiva de que o tempo passa. Por outro lado também temos a evidência subjetiva, ou seja, as vivências pessoais do tempo. Com essa solução posso pensar em uma pessoa que tenha objetivamente 60 anos de idade, mas que subjetivamente tenha apenas vinte anos.
A problemática deste tema se dá quando amarro o meu tempo interno ao tempo externo. Tendo a impressão que o tempo é sempre igual para todas as minhas experiências, negando que tenha muito mais experiência em algumas vivências do que em outras. Se aliar o tempo externo ao tempo interno, estarei negando que possa ser um jovem apaixonado aos 60, assim como um homem experiente aos 20. A minha idade corporal não pode, nem deve determinar o meu tempo interno, deixando que as marcas do tempo no meu corpo façam de mim uma peça de museu.
Cada um tem o seu tempo, uns já passaram dos sessenta anos de idade apenas aos 20, assim como alguns alcançaram a juventude apenas aos 50. Cada flor desabrocha em um tempo diferente, suas emoções podem apenas estar em botão, esperando o tempo certo para florescer. Quando o tempo é medido de fora para dentro o mundo pode se tornar o senhor da vida e regular o meu tempo, dizendo até quando é hora de viver.

Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Qual o tamanho do pavio?

Uma das alegorias mais comuns sobre o temperamento das pessoas é o pavio. Às pessoas que tem paciência e agüentam grande carga de problemas sem reclamar ou “explodir” com outras pessoas, são chamadas de pavio longo. Já aquelas pessoas que por pouco, quase nada “explodem” com quem estiver por perto, recebem o termo “pavio curto”. Esse processo de encher acontece com pessoas que usam o procedimento que chamamos de adição, ou seja, elas somam o que acontece durante o dia.
A adição, ou processo de soma, pode acontecer de muitas maneiras, uma delas é a adição de coisas ruins. É fácil sentar em um banco pela cidade e ficar meia hora ouvindo as conversas e perceber que algumas pessoas contam muitos eventos ruins. Algumas pessoas ouvem estas informações dos jornais, por exemplo, e esquecem logo em seguida. Mas muitos dos que ouvem podem fazer o processo aditivo, somar um assassinato, com um assalto, com uma briga, com o aumento da gasolina, com a inflação e tudo o que fizer parte da conversa. Essa pessoa provavelmente terá muito conteúdo ruim para trabalhar, uma vez que adicionou tudo que lhe foi dado. Muitas pessoas têm o hábito de adicionar o que é ruim, e as coisas boas que passam perto sequer são identificadas.
Coloquemos este processo aditivo em uma relação de marido e mulher. Imagine que sua esposa faz o processo de adição, mas é um processo muito curto, em alguns dias ela se incomoda com as coisas e logo briga, chora, grita. Você, com o tempo acostuma e a cada tanto ela faz esse processo, mas logo depois tudo volta ao normal, à rotina. No entanto, o marido faz um processo aditivo muito mais longo, leva algum tempo, um , dois, dez anos até atingir o limite e explodir. Quando a explosão acontece é algo tão fora da realidade da esposa, que nunca viu tal evento que ela pode significar como falta de amor.
A explosão se refere ao momento em que a pessoa chegou ao seu limite e termina por colocar toda sua insatisfação para fora. Utilizei o termo explosão por ser um comportamento geralmente descontrolado, no qual a pessoa grita, bate, chora, algumas vezes simplesmente desmaia.  É importante perceber que em muitos casos a explosão acontece com quem nada tem a ver com o ocorrido. Como a esposa que espera o marido em casa, depois de um dia cansativo, o marido chega em casa e percebe algo que lhe desagrada. Naquele momento ele explode, diz coisas que jamais diria se não fosse naquelas condições.
O conteúdo da explosão em muitos casos em nada tem a ver com o que aconteceu no momento, uma vez que a pessoa adiciona elementos diferentes. Quem acompanha este processo, deve entender que pode não ter a ver com o que está acontecendo e que a pessoa está simplesmente descarregando de forma bruta. O conteúdo elaborado, bonitinho, socialmente correto, nessas horas fica de lado. Pode não ser fácil, mas seria ideal se houvesse a compreensão por parte de quem acompanha a explosão que percebesse que pode não ter a ver com o acontecido. Mas que a pessoa precisa jogar todo aquele lixo que guardou para fora.
O tamanho do pavio de cada um tem a ver com quanto conteúdo é possível de se adicionar. Para algumas pessoas o processo de adição e nada é a mesma coisa, elas esquecem, simplesmente deixam para trás e seguem seu caminho. Mas as pessoas que o fazem vivem sob a pena de catalogar e alocar cada conteúdo vivido. Aqueles que convivem com estas pessoas devem prestar atenção ao processo e perceber que tipo de conteúdo é adicionado e como isso acontece. Basta prestar atenção às expressões como: “Outra vez; de novo; mais um dia; está me enchendo; parece que vou explodir.” E tantas outras expressões que denotam a operação de soma.

Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Suicídio

Já estive envolvido em muitas conversas sobre suicídio, na maior parte delas surge uma pessoa que afirma: “A pessoa que se suicida, nada mais quer do que matar alguma coisa em si”. Para quem diz isto, o suicida na verdade quer apenas se desfazer de algo em si mesmo. No entanto, como o ser humano é um todo e não há a possibilidade de separar apenas a parte que a pessoa não suporta mais, o suicídio acontece. Estas pessoas, por não saberem como matar, ou seja, retirar de si aquilo que as aflige, acabam por retirar a vida corporal.
Em Filosofia Clínica, o entendimento é de que o ser humano é um todo, mas este todo é constituído de partes, algumas mais e outras menos divisíveis. Quando um filósofo clínico interage com uma pessoa no consultório ele a observa como um todo, ou seja, como uma pessoa que lhe procurou. Mas, ao longo do processo ele coleta a história de vida da pessoa e com esta história monta o que chamamos de Estrutura de Pensamento. Esta estrutura nada mais é do que o conteúdo da história compartimentado segundo sua peculiaridade. Desse modo, o que a pessoa diz de si mesmo é o tópico 02. O que a pessoa disser no consultório a respeito de medo, amor, ódio, alegria, etc., são conteúdos, por exemplo que serão categorizados por emoções.
A montagem a Estrutura de Pensamento leva em conta trinta tópicos, ou seja, trinta identidades diferentes que o conteúdo da história de vida da pessoa pode ter. Esses trinta tópicos podem estar em relação harmoniosa, quando a pessoa sente-se bem, vive um bem estar subjetivo. Mas, estes conteúdos também podem estar em choque e quando isso acontece diz-se que há choque entre tópicos. Seria o caso de uma pessoa que tem medos terríveis de ficar sozinha, mas não consegue manter o casamento.  O mal estar subjetivo vai ser mais ou menos evidente de acordo com cada pessoa, algumas podem estar morrendo por dentro, mas nem a pessoa mais próxima perceberá.
Quando dois tópicos entram em choque, em algum tópico da Estrutura de Pensamento a pressão aparecerá. O exemplo mais corriqueiro é aquele em que o empresário tem uma série de decisões para tomar, mas não sabe se o resultado será bom ou ruim à empresa. Isso o incomoda por alguns dias e logo lhe aparecem aftas na boca, outros têm gastrite, alguns emagrecem e assim será diferente para cada pessoa. No exemplo acima, o choque entre dois tópicos causou uma pressão nas sensações que apareceram em forma de afta, gastrite ou emagrecimento.
Retomando o caso do suicídio, agora conhecendo um pouco mais de Filosofia Clinica, a pessoa pode sim, querer tirar apenas uma parte dela e por isso acaba tirando a própria vida. Mas, assim como um cirurgião corta e retira do corpo um nódulo, também é possível que o filósofo ao longo de um trabalho terapêutico retire da pessoa aquilo que tanto lhe faz mal. Para algumas pessoas, a terapia parece não ser a solução para o seu problema, mas pedir ajuda, significa entender que muitas vezes na vida é preciso caminhar acompanhado.
Tudo o que está escrito acima sobre o suicídio é apenas uma das possibilidades, faço questão de deixar claro que não existem duas pessoas iguais. Para muitas pessoas, o suicídio será totalmente diferente do que está acima, podemos lembrar o caso de Getúlio Vargas que em carta deixou registrado o que foi o suicídio para ele: “Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Sísifo

Um mito muito conhecido na filosofia mas pouco conhecido no senso comum é o Mito de Sísifo. Este conta a história de um jovem de nome Sísifo, o qual era muito astuto e enganou os deuses por duas vezes. Cada uma das vezes que enganou os deuses foi reconduzido ao Tártaro, algo similar ao inferno. Na terceira vez que foi aprisionado, recebeu o castigo de rolar uma pedra de mármore até o topo de uma montanha. Cada vez que atingir atingisse o topo rolando a pedra, ela rolava novamente até o ponto de início e ele começava tudo novamente. Este mito tem diversas interpretações. Albert Camus, por exemplo, fala que mostra alguém que queria viver a vida ao máximo e foi condenado a uma tarefa sem sentido. Algumas pessoas fazem o mesmo que Sísifo: passam a vida rolando conteúdos existenciais que deveriam ser deixados de lado, abandonados pelo caminho. Mas, quando mais se dedicam a estas coisas, como o personagem à sua pedra, mas estas coisas fazem parte de sua vida.
Naturalmente aprende-se que o que desejamos afastar deve ser empurrado para longe e lá deve ficar. Isso pode ser visto em diversos lugares de nosso cotidiano: quando uma pessoa não quer mais um sofá, ela o pega e leva ao lixo. Dali o velho sofá segue o seu caminho até que não exista mais. Assim também acontece com a sujeira do corpo, toma-se o banho e ao lavar-se a água leva embora o que nos matinha sujos. Só que não aprendemos como afastar aquilo que existencialmente está em nós, ou seja, afastar algo que é parte nossa. Não foi ensinado o que fazer com a mágoa que corrói o coração, com um amor que sabidamente não pode ser vivido, com a dor da perda de alguém que pode ser irremediável. Não é possível depositar estas coisas num saco plástico colocá-lo no cesto que fica do lado de fora do muro e esperar que alguém dê o destino. Assim como não é possível entrar em baixo do chuveiro ensaboar-se e tirar com água aquilo que maltrata a alma.
O que se ensina como maneira de lidar com este tipo de dor é que devemos colocar para fora, vivenciar, não desviar a cara, enfrentar o que tanto incomoda. Em todos estes ensinamentos a pessoa é levada em direção aquilo que traz sofrimento e mais do que isso, é obrigada a vivenciar esta dor supondo que passará. Em alguns casos, somente pesquisando a história da pessoa é que saberemos se é assim para ela, se é possível realmente que a pessoa viva a dor e depois siga a vida em frente. Em muitos casos, ao vivenciar a dor a pessoa está aumentando aquilo que gostaria de diminuir, ou seja, ao tentar afastar-se ela está fazendo o contrário. Este movimento de aparente solução é um método não apropriado em muitos casos, a pessoa ao reviver a situação falando, vendo, lendo, ouvindo está tornando o sofrimento presente em sua vida.
Para exemplificar: há pessoas que buscam desesperadamente livrar de si a inveja e prestam tanta atenção nela, cuidam tanto dela que isso faz muito mais parte de sua vida do que a humildade.
 Pessoas que se concentram muito na dor, em sua forma, dimensão, extensão, estão fazendo desta dor muito mais parte de si do que os bons pensamentos que podem ter. Quando se coloca algo a frente da pessoa e ela se coloca a empurrar, enquanto estiver empurrando, este objeto fará parte dela, de suas vivências de seu ser. Se a pessoa coloca a sua frente amor, amizade, perdão, humildade, isso será parte dela, e estes caracteres serão muito mais parte dela do que coisas com as quais ela não se ocupa. Nem tudo que se deseja afastar é necessário empurrar, algumas coisas estão passando e só farão parte da vida se houver dedicação em torno delas.

Rosemiro A. Sefstrom

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Ser e Aparecer

História de vida, o que é isto? Quanto você olha para o passado e o faz reviver faz com os olhos do presente, mesmo que tente fazê-lo a partir do ponto de vista que tinha no passado ainda assim ele é presente. Esse olhar sempre atual da própria história de vida precisa de certo treinamento, sendo que o primeiro deles é entender que a história de vida não é a pessoa, mas um registro daquilo que viveu, por onde esteve. Se ao longo da vida você por um acaso cometeu “erros” isso não quer dizer que você seja uma pessoa errada, mas uma pessoa que cometeu erros. O contrário também é válido, fazer coisas boas não torna ninguém uma pessoa boa, mas uma pessoa que faz coisas boas. As atitudes de cada pessoa não necessariamente refletem o que ela é, mas sim o que ela faz com aquilo que ela é.
Certa vez conheci um jovem senhor de 70 anos, uma pessoa que cuidava das crianças do bairro, encaminhava para o escotismo, circo, cinema, leitura, enfim, cultura. Por muito tempo me pareceu uma pessoa muito boa, uma pessoa com uma história que dizia que ele era um homem muito bom. Cresci e tive a oportunidade de conversar com este mesmo homem anos depois, já em faze terminal, disse a ele que ele era um homem bom, exemplo de pessoa. Sua resposta me deixou confuso na época, hoje entendo perfeitamente o que ele disse. Disse ele: “Não sou um homem bom, vivi minha vida para mim, fiz sempre o que quis, sou orgulhoso, mesquinho, arrogante, prepotente. Quando vocês eram pequenos eu via em vocês bichos do mato e me achava muito melhor, por isso mostrava um mundo “melhor” para vocês, queria poder dizer para mim mesmo que fui eu quem os salvou da ignorância. Dei-me o direto de achar que o que viviam na pequena vila deveria ser mudado, a começar pelas crianças, por isso me arroguei o direito de intervir. Eu me achava a melhor das pessoas, porque ninguém ao redor sabia o que eu sabia, tinha viajado o que eu tinha viajado, por isso não escutava, falava, dava conselhos”.
Passei anos discordando, entendendo que se ele fez coisas boas é porque era uma pessoa boa. No entanto, anos mais tarde, depois de muita filosofia percebi que, ele via em suas atitudes a intenção por detrás delas. Filosoficamente a questão fica bem complicada, pois será que interessa o mérito interior de uma boa ação? Os mais religiosos provavelmente dirão que sim, mas e a história de fé sem obras é morta, será o oposto também é verdade? Que obras sem fé também são mortas? Voltando ao caso citado, esse homem mostrou e, mesmo depois de seu falecimento, ainda mostra que as atitudes de uma pessoa não mostram quem ela é.
Por isso, quando olhar para a própria história, com suas escolhas, acertos e erros, é necessário perceber que suas atitudes não são você, mas o que você faz com o que você é. Aos que cometeram erros ao longo da vida e sentem-se julgados pelos outros, basta lembrar que estes outros têm suas histórias. Podemos não ter orgulho de algumas escolhas que fizemos, mas podemos nos orgulhar das escolhas que são feitas agora, neste momento.
Por isso, se sua história contém coisas das quais você não se orgulha, veja o que pode ser feito deste momento em diante para se orgulhar. Se sua atitude no casamento mostra uma pessoa que você não é, pode ser feito diferente. Há uma única coisa que não pode se feita: legar a responsabilidade ao outro pelo passado que tenho, pois mesmo quando outorgo ao outro a escrita da minha história sou responsável por ela. Meu amigo fez muitas cosias boas mesmo se achando mau, uma pessoa pode fazer muitas cosias más se achando boa.


Rosemiro A. Sefstrom