Encontro Nacional

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terça-feira, 6 de maio de 2014

Como mudar o passado

Em diversas aulas de Filosofia Clínica aparece a pergunta: “É possível mudar o passado?” A resposta para essa questão é simples: “Não sei”. Quando um professor de Filosofia Clínica ouve essa pergunta, a primeira ideia que lhe vem a cabeça é: “De quem estamos falando?” Para a Filosofia Clínica, não é possível saber se é possível mudar ou não o passado sem saber de quem se está falando. Para um filósofo clínico quem conta a história é uma pessoa e tudo o que ela contar depende da representação de mundo dela. Essa representação pode ou não sofrer alterações de acordo com cada pessoa.
Para entender melhor é preciso antes fazer uma diferenciação. Quando os alunos dizem não ser possível mudar o passado estão falando em história, esta palavra segundo Borges (1993) “é uma palavra de origem grega, que significa investigação, informação”. Esse entendimento de história vai de encontro com o mesmo entendimento que tem o historiador francês Jacques Le Goff. Para ele a história é escrita a partir de investigações realizadas acerca do que aconteceu, tal como aconteceu. Quando um historiador conta uma história deve ter provas, chamadas de documentos. Esse entendimento de história torna o acontecido imutável, uma vez que tudo o que foi dito pode ser provado.
No entanto, em Filosofia Clinica não se trabalha com a ideia de história, mas historicidade. A palavra historicidade surgiu na França em 1872. Diferente de história que tem compromisso com a verdade, a historicidade é uma história contada por um homem comum acerca de um evento qualquer. Segundo Michel Foucault, quando uma pessoa conta uma história ela deixa a sua marca nela. Isso acontece pelas palavras que usa, pelas expressões que faz, pelo modo como organiza os fatos e até mesmo de acordo com a maneira que descreve o lugar. Ainda de acordo com Foucault, essa marca faz com que seja possível ver a pessoa por trás da narrativa. Na metodologia da Filosofia Clinica faz-se uso da historicidade, onde a pessoa conta sua história de acordo com o que lembra de sua vida. Essa narrativa feita pela pessoa mesma faz com que ela se coloque na narrativa, ou seja, enquanto ela conta sua história está falando dela mesma.
Retomando a questão de mudar o passado: para algumas pessoas o que elas contam de suas vidas é um documento, como em Le Goff, um monumento, ou seja, fala por si. Nestes casos, o que a pessoa conta de sua história está dado, não tem como mudar, é assim. Noutros casos a pessoa, quando conta sua historicidade, faz com liberdade criativa, aumentando, invertendo, tirando ou colocando elementos. Para algumas dessas pessoas, pela forma plástica como narram sua história, dão a possibilidade ao terapeuta de mudar o passado delas. Muitas delas já o fazem por si só.
Isso pode acontecer no seguinte caso, apenas uma das muitas maneiras de se fazer. Pense na sua casa de pequeno, em como você lembra dela, paredes, telhado, estrutura, momentos que você viveu lá. Depois de feito isso, vá até lá, veja se os seus registros são exatamente como as coisas eram. Algumas pessoas ao fazer esse movimento atualizam as informações, inserem novas medidas, novas cores, aromas e a nova lembrança se sobrepõe a antiga. Pronto, mudamos o passado.
Num último exemplo pode-se pensar nas pessoas que se foram. Havia um vizinho que perdeu sua mãe há alguns anos, para ele sua mãe nunca o tinha amado, tinha só lembranças tristes com sua mãe. Para ele a história de sua vida foi de dor e sofrimento, isso por causa da dura cobrança da mãe. Chegando ao terapeuta, este descobriu pela sua história que era possível alterar o significado das palavras. Depois de muito trabalho o filósofo ressignificou a palavra cobrança como amor. Depois desse dia, ele refez todo o seu passado. Agora, a qualquer um que lhe perguntasse, o seu passado tinha sido de muito amor e carinho, uma nova história.

Rosemiro A. Sefstrom

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